Abordagem

O estabelecimento de um relacionamento de suporte estável entre o médico e o paciente é o ponto central da abordagem para manejar os pacientes com transtornos de personalidade em uma unidade básica de saúde. O uso de técnicas específicas para traços de personalidade proeminentes demonstrados pelo paciente individual pode ajudar na formação e na manutenção de tal relacionamento. A psicoterapia e outras intervenções psicossociais são modalidades de tratamento úteis para um grande número desses pacientes. Tais tratamentos podem auxiliar os pacientes a navegar por problemas de relacionamento, a confrontar seus medos, a lidar com o trauma e com pensamentos perturbadores e disfuncionais e a adquirir as habilidades necessárias para levar uma vida mais satisfatória e saudável. O tratamento com medicamentos psicotrópicos pode ser utilizado seletivamente para abordar pensamentos, humor e comportamentos problemáticos que prejudicam significativamente o paciente ou que colocam as pessoas ao seu redor em risco. O transtorno relacionado ao abuso de substâncias, particularmente o abuso de álcool, é bastante comum nesses pacientes. O abuso deve ser identificado precocemente e abordado por meio de intervenções terapêuticas específicas, já que intensifica a morbidade psiquiátrica e clínica para esses pacientes.

Relacionamento com médico da unidade básica de saúde

Dadas as preocupações interpessoais de pacientes com transtornos de personalidade, o estabelecimento de um relacionamento duradouro entre o médico e o paciente consiste em um desafio particular. A priorização da relação médico-paciente e a melhor maneira de estabelecê-la e mantê-la tem sido discutida na literatura.[56][57] O encaminhamento a um especialista em saúde mental deve ser feito com grande cuidado e apresentado ao paciente como uma avaliação de um sintoma que ele/ela concorda que é problemático, como ansiedade, depressão, uma mudança de estilo de vida preocupante ou um comprometimento funcional. O médico deve enfatizar que paciente continuará a ser acompanhado(a) após a consulta, e que o encaminhamento ao especialista não sugere o término do tratamento ou abandono. A importância de uma aliança terapêutica entre o médico e o paciente e da colaboração entre os provedores de tratamento tem sido enfatizada.[58] A decisão de encaminhamento é mais bem abordada de maneira colaborativa com o paciente, incorporando sua motivação, preferências e preocupações no plano de tratamento resultante.

Manejo do quadro agudo

Um desafio significativo que os médicos de atenção primária enfrentam no tratamento de pacientes com transtornos de personalidade envolve o manejo de situações agudas/emergentes.

Autolesão, ideação suicida ou potencial de dano a crianças

  • Quando os pacientes expressam ideação suicida ou desejam se engajar em autolesão, a hospitalização parcial, o tratamento intensivo ou, em casos em que o risco iminente é crítico, a internação (voluntária ou involuntária) são opções de tratamento usuais. Os pacientes que necessitam desse tratamento estruturado e de alto nível podem apresentar: perturbações graves de pensamento, humor e/ou controle de impulsos; agressividade; desesperança; ou julgamento extremamente prejudicado.

  • Embora a maioria dos estudos tenha focado no transtorno de personalidade limítrofe e no risco para o suicídio,[58][59] o comportamento suicida em outros transtornos de personalidade também foi investigado.[60][61]

  • É imperativo que uma comunicação estreita seja estabelecida entre os provedores de serviços psiquiátricos agudos e o médico de atenção primária.

  • O risco de suicídio é muito maior quando o transtorno de personalidade é comórbido com o transtorno relacionado ao abuso de substâncias e/ou depressão maior.

  • Os médicos de atenção primária também devem focar as competências parentais dos pacientes com transtornos de personalidade; eles provavelmente necessitarão de suporte significativo para que consigam manejar suas crianças. Devem ser tomadas medidas no âmbito da competência legal do profissional de atenção primária em casos com probabilidade de suicídio e de agressividade para proteger as crianças em tais ambientes domésticos.

Uso de substâncias

  • Os pacientes com intoxicação aguda de álcool ou de outra substância ou uso extremamente problemático de substâncias podem requerer internação para desintoxicação e monitoramento subsequente. Isso pode ser particularmente necessário para pacientes com história de comportamento automutilador ou altamente impulsivo.

  • Aqueles com histórias de abstinência de substâncias complicada ou de comorbidades clínicas graves também seriam considerados para o tratamento do uso de substâncias em regime de internação. Esse tratamento pode ocorrer concomitantemente com a estabilização psiquiátrica.

  • Após o período de internação para tratamento, o encaminhamento para um programa ambulatorial intensivo ou residencial de tratamento do transtorno relacionado ao uso de substâncias, incluindo um programa de 12 passos, como o Alcoólicos Anônimos (AA) ou o Narcóticos Anônimos, proverá a continuidade dos cuidados.

  • Assim como o encaminhamento a serviços psiquiátricos agudos, é muito importante que uma comunicação clara e oportuna ocorra entre os provedores do programa de tratamento de abuso de substâncias e o médico de atenção primária.

Manejo contínuo: relacionamento entre o médico e o paciente

Para todos os pacientes com transtornos de personalidade, a base do tratamento está no relacionamento com o médico. As sensibilidades interpessoais dos indivíduos com transtornos de personalidade variam substancialmente. Entretanto, todos os pacientes irão se beneficiar de um relacionamento consistente e estável, caracterizado pela comunicação clara e com limites bem estabelecidos. Outras estratégias de comunicação são recomendadas com base na identificação do transtorno de personalidade e estão listadas aqui. Elas podem se aplicadas em todas as interações com os pacientes, desde as que focam no manejo da doença até as que trabalham para a melhora no estilo de vida.

  • Grupo A: estranho/excêntrico

    • Transtornos de personalidade esquizotípica, esquizoide, paranoide: comunicação objetiva, estilo não invasivo; demonstre interesse nas preocupações que o paciente compartilha.

  • Grupo B: dramático

    • Transtorno de personalidade limítrofe: comunicação simples com limites claros e consistentes, comportamento calmo em resposta a crises inevitáveis, preparação do paciente para quaisquer mudanças práticas do tratamento (como cobertura durante um feriado), coordenação do cuidado com outros provedores de tratamento a fim de evitar o uso de cisão (um mecanismo de defesa em que o paciente enxerga outras pessoas como completamente boas ou ruins; isso pode levar a desentendimentos entre os responsáveis pelo tratamento do paciente). Além disso, considere ter um protocolo prático com relação à cobertura em horários incomuns e o uso de comunicação por e-mail.

    • Transtorno de personalidade antissocial: comunicação objetiva e simples; limites claros e consistentes; exercite precaução ao prescrever substâncias controladas em razão do potencial para o uso ilegal. Além disso, esteja ciente que muitos desses pacientes não são confiáveis e têm tendência a desrespeitar regras.

    • Transtorno de personalidade histriônica: mantenha distância profissional, forneça tranquilização, aborde comportamentos sedutores de maneira objetiva, mantendo um limite profissional.

    • Transtorno de personalidade narcisista: reconheça o paciente como especial, passe autoconfiança nas interações, evite disputas pelo poder.

  • Grupo C: ansioso

    • Transtorno da personalidade esquiva: evite comentários críticos, reforce comportamentos em que o paciente procura ajuda de maneira apropriada.

    • Transtorno de personalidade dependente: tolere pedidos repetidos de tranquilização; ofereça fontes úteis e suporte a autoeficácia do paciente; planeje visitas de atenção primária em horários regulares e pré-estabelecidos (como mensais), em vez de visitas não programadas induzidas pela emergência de novas queixas de sintomas.

    • Transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo: ofereça informação sobre condições/tratamentos sem discussões extensas; evite disputas pelo poder. Além disso, encoraje a procura restrita de informações na internet e em outras fontes, reforçando outros interesses (aqueles que suportam comportamentos funcionais, não relacionados à doença).

Manejo contínuo: psicoterapia

O outro elemento padrão no tratamento de transtornos de personalidade, a psicoterapia, tem demonstrado reduzir os sintomas efetivamente. Vários fatores dificultam a pesquisa de sua efetividade para essa condição, como: o uso de medidas de desfecho múltiplas sem padrões reconhecidos;[62] a necessidade de ter o tratamento implementado por um provedor em vez do autor da intervenção terapêutica;[62] a necessidade de acompanhamento em prazos mais longos;[63] e o foco primário no transtorno de personalidade limítrofe.[62]

As seguintes formas de psicoterapia obtiveram desfechos positivos para pacientes com transtornos de personalidade.

  • Grupo A: estranho/excêntrico

    • Devido a dificuldades em se conectar com os outros, os pacientes com esse tipo de transtorno de personalidade podem ser relutantes a procurar tratamentos para questões emocionais. Para pacientes com sintomas de transtorno relacionado ao uso de substâncias, o encaminhamento para uma avaliação pode ser indicado.

  • Grupo B: dramático

    • Transtorno de personalidade limítrofe: os tratamentos atuais baseados em evidências incluem terapia comportamental dialética (TCD), terapia baseada na mentalização e terapia focada na transferência e componentes-chave do tratamento efetivo, incluindo a necessidade de um médico de atenção primária que dê suporte ao paciente, que aborde ameaças de suicídio e tenha atitude, que tenha autoconhecimento e que ofereça uma estrutura terapêutica bem definida.[64][65]

    • Outras intervenções promissoras incluem a terapia focada em esquemas. É uma terapia que combina técnicas da terapia cognitivo-comportamental (TCC) com abordagens da psicoterapia dinâmica (interpretando os pensamentos e comportamentos dos pacientes) e habilidades de atenção plena. A terapia cognitivo-comportamental assistida manual (MACT) para autolesão e ideação suicida também é usada. Essa é uma abordagem em curto prazo (várias sessões) que combina técnicas de TCC com livretos informacionais relevantes que reforçam essas técnicas e introduzem o paciente aos conceitos usados na TCD. Uma revisão sistemática comparando a eficácia de quatro modelos de tratamento para o transtorno de personalidade limítrofe (tratamento baseado na mentalização [TBM], psicoterapia focada na transferência [PFT], TCD e terapia focada no esquema [TFE]) demonstrou que todos eles são efetivos no tratamento do transtorno de personalidade limítrofe (TPL) (ou, pelo menos, em alguns aspectos), com um nível de eficácia que varia dependendo do parâmetro considerado. Os autores do estudo relatam que “de acordo com os critérios da American Psychiatric Association para tratamentos validados empiricamente, a PFT, a TCD e a TFE podem ser consideradas terapias bem estabelecidas para o TPL, enquanto o TBM satisfaz os critérios para um tratamento provavelmente eficaz".[65] A internação parcial orientada psicanaliticamente também pode ser utilizada.[62]

    • O transtorno de personalidade limítrofe é o único transtorno para o qual existe uma revisão Cochrane concluindo que, apesar de limitações, a psicoterapia é considerada um tratamento efetivo para essa condição.[66]

    • Transtorno de personalidade antissocial: o tratamento por manejo de contingência (uma terapia comportamental na qual comportamentos adaptativos são recompensados) pode ser usado. Também há algumas evidências de terapia focada em esquemas e TCD. Pesquisas que se concentrem nos sintomas principais são necessárias.[67] Uma revisão concluiu que a TCC implementada em um ambiente residencial foi mais efetiva na redução de comportamentos criminais que o tratamento padrão, mas não foi mais efetiva que outras modalidades de tratamento.[68]

    • Para pacientes com sintomas de transtorno relacionado ao uso de substâncias, o encaminhamento para uma avaliação pode ser indicado.

  • Grupo C: ansioso

    • Transtorno da personalidade esquiva: a TCC é indicada.[62]

    • O treinamento de habilidades cognitivo-comportamentais, psicodinâmicas e sociais é efetivo.[69]

    • Para pacientes com sintomas de transtorno relacionado ao uso de substâncias, o encaminhamento para uma avaliação pode ser indicado.

  • Transtorno de personalidade sem outra especificação (transtorno de personalidade misto)

    • A psicoterapia dinâmica em curto prazo,[70] [ Cochrane Clinical Answers logo ] a psicoterapia de apoio psicodinâmica de curto prazo associada a antidepressivos ou a TCD podem ser usadas.[71]

    • A psicoterapia adaptativa breve, uma abordagem dinâmica na qual um terapeuta trabalha com o paciente para identificar e alterar crenças e comportamentos desadaptativos no contexto do relacionamento terapêutico, pode ser indicada.

    • Para pacientes com sintomas de transtorno relacionado ao uso de substâncias, o encaminhamento para uma avaliação é indicado.

Esses tratamentos serão tipicamente realizados por profissionais especializados. O médico de atenção primária pode oferecer apoio significativo para o paciente que participa de tais tratamentos através da manutenção de um alto grau de interesse em seu progresso e provendo comentários e observações de suporte durante a visita clínica. O diálogo entre o médico de atenção primária e o especialista pode ser altamente informativo para ambos os profissionais e ajudar cada um deles a ajustar a sua abordagem em relação aos pacientes ao longo do tempo.

Manejo contínuo: farmacoterapia

A pesquisa na área de farmacoterapia para transtornos de personalidade é repleta de dificuldades. Elas incluem (mas não estão limitadas a): foco quase exclusivo no transtorno de personalidade limítrofe, com pouca atenção aos outros transtornos;[72] e deficiências substanciais nos desenhos das pesquisas, incluindo falta de poder estatístico e prazos limitados com relação à duração do tratamento e ao acompanhamento. A situação é complicada pelo fato de os medicamentos serem usados com muita frequência no tratamento de transtorno de personalidade limítrofe apesar da escassez de evidência para seu uso.[73] Em um estudo, 78% dos pacientes com transtorno de personalidade limítrofe foram tratados com medicamentos por mais de 75% do tempo durante um período de 6 anos, e 37% desses pacientes tomavam 3 ou mais medicamentos.[74]

A diretriz do National Institute for Health and Care Excellence (NICE) sobre o transtorno de personalidade limítrofe concluiu que não há evidências que dão suporte ao uso de medicamentos para ele.[75]

Muitos pacientes que se apresentam ao médico de atenção primária terão o transtorno de personalidade limítrofe e podem se engajar em atividade sexual arriscada e engravidar. A possibilidade de teratogenicidade deve ser considerada. Muitos pacientes apresentam problemas relacionados à autolesão e à probabilidade de suicídio, o que torna a prescrição problemática, e os efeitos colaterais podem ser substanciais. Esses são fatores importantes quando a farmacoterapia está sendo considerada.

Grupo A: estranho/excêntrico

  • Em geral, há uma escassez notável de estudos farmacoterápicos para os transtornos de personalidade esquizoide e paranoide.

  • Similaridades entre os transtornos de personalidade esquizotípica, esquizoide e paranoide e os transtornos relacionados à esquizofrenia quanto à fenomenologia e à biologia têm justificado o uso de medicamentos antipsicóticos nesse grupo. Estudos sugerem que antipsicóticos em baixa dose que têm como alvo os sintomas tipo psicótico e o funcionamento geral podem ser efetivos.[76][77]

  • A questão da relação custo-efetividade entre os antipsicóticos de primeira versus os de segunda geração não foi adequadamente estudada. Uma prática baseada em evidências requer pesar o risco de efeitos colaterais extrapiramidais ou de discinesia tardia versus a síndrome metabólica versus os potenciais benefícios.

  • Os ensaios clínicos para o transtorno esquizotípico têm sido complicados pela comorbidade com outros transtornos psiquiátricos e com outros transtornos de personalidade. A maioria dos ensaios clínicos randomizados e controlados antigos sobre o transtorno de personalidade limítrofe incluíram pacientes com transtorno esquizotípico devido a questões conceituais.[76][78][79]

  • Os antidepressivos podem ajudar a minimizar comportamentos de autolesão e sintomas depressivos e tipo psicóticos, como sugerido por alguns estudos abertos.[80][81]

Grupo B: dramático

  • A maioria das pesquisas farmacoterápicas sobre transtornos de personalidade tem focado no tipo limítrofe. Os médicos precisam ser cautelosos ao aplicar os achados de pesquisas a pacientes portadores do transtorno de personalidade limítrofe e extremamente doentes, já que muitos dos estudos recrutaram apenas pacientes ambulatoriais, que foram então excluídos se considerados suicidas ou se apresentaram uma tentativa de suicídio recente. Além disso, muitos estudos tiveram amostras pequenas e altas taxas de desistência, particularmente os de duração menor que 6 meses. Na maioria dos estudos, altas taxas de resposta ao placebo foram detectadas. Portanto, ensaios abertos devem ser interpretados com grande cautela. As diretrizes do National Institute for Health and Care Excellence (NICE) sobre o transtorno de personalidade limítrofe indicam que o tratamento medicamentoso não deve ser usado especificamente para o transtorno de personalidade limítrofe ou para os sintomas individuais ou para comportamentos associados ao transtorno (por exemplo, autolesão repetida, instabilidade emocional acentuada, comportamentos de risco e sintomas psicóticos transitórios).[75] Entretanto, as diretrizes NICE também sugerem que o tratamento medicamentoso deve ser considerado no tratamento geral de comorbidades clínicas em pacientes com transtornos de personalidade.[75]

  • Estabilizadores do humor e anticonvulsivantes podem apresentar alguma efetividade no tratamento da impulsividade e da agressividade no transtorno de personalidade limítrofe. Estabilizadores do humor e anticonvulsivantes demonstraram um efeito moderado no tratamento da depressão no transtorno de personalidade limítrofe.[82][83] No entanto, um ensaio randomizado controlado individualmente por placebo, duplo cego, de dois braços, realizado em 2018 com lamotrigina versus placebo mostrou que a adição de lamotrigina ao atendimento usual das pessoas com transtorno de personalidade limítrofe não foi clinicamente eficaz e não proporcionou um uso custo-efetivo dos recursos.[84] Os pacientes devem ser monitorados rigorosamente já que muitos deles toleram mal esses medicamentos, o que também limita a titulação dos mesmos. Apesar da impulsividade e da agressividade serem responsivas a esses tratamentos, há uma escassez de evidências sobre a melhora das perturbações interpessoais e de identidade.

  • Para o transtorno de personalidade antissocial, a farmacoterapia baseada em evidências é restrita principalmente ao tratamento da agressividade impulsiva.[85] O lítio pode melhorar as infrações disciplinares graves em prisioneiros.[86] A fenitoína tem sido associada à diminuição de atos agressivos e dos sintomas de tensão-ansiedade e depressivos em prisioneiros.[87] Melhoras na agressividade pareceram estar limitadas à agressividade impulsiva, e não à instrumental. Apesar da existência de algumas evidências para a utilidade desses medicamentos, os estudos são fracos demais em termos de metodologia para que quaisquer recomendações sejam feitas.[85] As diretrizes do NICE sobre o transtorno de personalidade antissocial indica que intervenções farmacológicas não devem ser rotineiramente utilizadas para o tratamento do transtorno de personalidade antissocial ou dos comportamentos associados como agressividade, raiva e impulsividade.[88]

  • Não há evidências para dar suporte a quaisquer recomendações farmacoterápicas nos transtornos de personalidade histriônico e narcisista.

Grupo C: ansioso

  • O transtorno da personalidade esquiva é um transtorno de personalidade comum,[89] e é o mais estudado dos transtornos de personalidade do grupo C. No entanto, não há ensaios clínicos randomizados e controlados publicados sobre o tratamento medicamentoso de pacientes que atendam a todos os critérios do transtorno de personalidade do grupo C. O transtorno da personalidade esquiva é uma comorbidade clínica frequente em pacientes com vários transtornos de ansiedade do eixo I.[90] Recomenda-se que os médicos devam extrapolar a partir dos dados que são primariamente relacionados aos transtornos de ansiedade para aplicar estratégicas de tratamento que foram primariamente desenvolvidas para a fobia social.[91] Os pacientes com transtorno de personalidade esquiva mostraram uma resposta favorável à venlafaxina e aos inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs). Entretanto, a sertralina pode ser menos efetiva se os sintomas começaram na infância.[92]

  • A gabapentina e a pregabalina demonstraram alguma eficácia na fobia social e podem beneficiar pacientes com transtorno de personalidade esquiva.[93][94]

  • Os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) reversíveis, como a moclobemida, possuem suporte para o seu uso.

  • A fenelzina, se usada, requer grande cautela em relação a riscos graves e a efeitos colaterais.

  • Os outros transtornos de personalidade nesse grupo, o transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva e o transtorno de personalidade dependente, têm evidências insuficientes para recomendar qualquer farmacoterapia.

Características múltiplas dos diferentes transtornos de personalidade

  • Os pacientes com misturas de sintomas significativos (cognitivo-perceptivo, desregulação afetiva, descontrole da impulsividade e abuso de substâncias) são comumente encontrados.

  • Intervenções farmacológicas complexas podem ser necessárias para abordar esses sintomas. Recomenda-se consultar um psiquiatra se benzodiazepínicos, estimulantes, opioides ou medicamentos psicotrópicos com potencial de superdosagem letal (antidepressivos tricíclicos e inibidor da monoaminoxidase [IMAO], lítio) forem prescritos ou considerados para uso.

  • A consulta psiquiátrica pode também ser prudente para pacientes com resposta sintomática inadequada às intervenções medicamentosas iniciais, aos com sintomas psiquiátricos que estejam escalando em gravidade, e aos que se encontram em um regime complicado com a incorporação de agentes psicotrópicos múltiplos.

Psicofarmacologia direcionada aos sintomas

O DSM-5-TR coloca maior ênfase em uma abordagem diagnóstica dimensional aos transtornos de personalidade que o DSM-IV. Isso se traduz em uma ênfase no direcionamento das intervenções farmacoterapêuticas para a dimensão dos sintomas comuns a uma variedade de atuais diagnósticos do eixo II. Além disso, a psicofarmacologia direcionada aos sintomas foi previamente recomendada para o tratamento dos transtornos de personalidade.[72][95][96] Entretanto, uma metanálise levantou questões importantes com relação a algoritmos sugeridos anteriormente para o tratamento farmacológico de transtornos de personalidade graves. A revisão apontou que os antipsicóticos tiveram um efeito moderado nos sintomas cognitivo-perceptivos, e um efeito de moderado a amplo na raiva.[83] Os antidepressivos, entretanto, não evidenciaram nenhum efeito significativo no descontrole do comportamento impulsivo e no humor depressivo, mas teve um efeito pequeno mas significativo na ansiedade e na raiva. Os estabilizadores do humor tiveram um efeito bastante grande no descontrole do comportamento impulsivo e na raiva, um efeito amplo na ansiedade, mas um efeito moderado no humor depressivo. O efeito de antidepressivos no funcionamento geral foi desprezível.[83] Uma revisão recomendou o uso clínico de ômega-3, de anticonvulsivantes e de agentes antipsicóticos atípicos no tratamento de traços de transtorno de personalidade limítrofe específicos do DSM-5, notavelmente desinibição, antagonismo e alguns aspectos de afetividade negativa.[97]

Uma metanálise relatou que muitos agentes antidepressivos demonstraram alguma evidência de efetividade no tratamento de pacientes com transtorno de personalidade limítrofe.[98] Entretanto, os estudos disponíveis apresentam limitações metodológicas graves. Ensaios controlados adicionais de agentes antidepressivos versus agentes ativos ou placebo são necessários, incluindo mais amostras e tratamentos com duração mais ampla, para confirmar indicações atuais para farmacoterapia de pacientes com transtorno de personalidade limítrofe.

Os provedores de tratamento devem ser cautelosos com a prática da polimedicação e/ou de doses crescentes em pacientes com transtornos de personalidade devido a evidências insuficientes para sua eficácia e aos riscos consideráveis de efeitos adversos.[63]

Consulta de caso e autocuidado do médico

Devido aos vários desafios encontrados no trabalho com pacientes com transtornos de personalidade, os médicos devem exercer atividades como consultoria contínua de caso com um colega ou participação em um grupo Balint The Balint Society (UK) Opens in new window American Balint Society Opens in new window ou um fórum similar para provedores, nos quais casos difíceis possam ser discutidos. Tais atividades ajudam a manter o bem-estar do médico, melhorar a efetividade do trabalho com esses pacientes e aumentar a qualidade de vida profissional.

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