Etiologia

A febre reumática aguda é uma doença autoimune. Ela é resultado de uma infecção por estreptococos do grupo A desencadeando uma resposta autoimune em um hospedeiro suscetível.

Estima-se que entre 3% e 6% de qualquer população possam ser suscetíveis à febre reumática aguda, e esta proporção aparentemente é bastante constante em diferentes grupos populacionais no mundo todo.[1][15] Houve relatos de agregação familiar e estudos com gêmeos indicam elevada herdabilidade.[16][17]

Foi observado que a expressão do antígeno D8/17 está associada à febre reumática aguda em várias populações, incluindo Austrália, Israel, Rússia, México e Chile.[18][19][20] No entanto, esta associação não é universal e tal associação não foi encontrada nos EUA.[21]

Aparentemente, determinados grupos étnicos apresentam maior risco de contrair a febre reumática aguda que outros. Isto é particularmente evidente nos países de alta renda, onde as populações indígenas apresentam taxas drasticamente mais altas de febre reumática aguda em comparação com suas contrapartes não indígenas, incluindo crianças maoris na Nova Zelândia, crianças aborígines na Austrália e crianças polinésias no Havaí.[22][23][24][25] Entretanto, permanece incerto se essas correlações se devem a fatores ambientais ou a alguma suscetibilidade hereditária subjacente.

Estudos de associação genômica ampla identificaram determinantes genéticos de suscetibilidade à doença cardíaca reumática, com novos loci identificados em estudos na África, Austrália e Oceania.[26][27][28] Estão em andamento estudos que podem identificar ainda mais genes ou intervenções alvo.

Fisiopatologia

Embora esteja claro que a febre reumática aguda é uma doença autoimune, a natureza exata da patogênese da febre reumática aguda ainda é incerta.

Foi considerado anteriormente que a febre reumática aguda se segue à faringite estreptocócica do grupo A, mas não ao pioderma, embora isso venha sendo questionado há tempos.[29] Estudos agora mostram que um swab de garganta ou pele positivo para estreptococos do grupo A está fortemente associado à febre reumática aguda subsequente, sugerindo que a infecção cutânea por estreptococo do grupo A também pode desencadear a febre reumática aguda.[30]

A interação entre os estreptococos do grupo A com um hospedeiro suscetível resulta em resposta autoimune direcionada contra os tecidos cardíaco, sinovial, subcutâneo, epidérmico e nervoso.

Acredita-se que tanto os anticorpos de reação cruzada quanto as células T de reação cruzada tenham participação na doença. Acredita-se que o mimetismo molecular entre os antígenos do Streptococcus pyogenes do grupo A e o tecido hospedeiro humano seja a base dessa reatividade cruzada.[31][32] Supostos epítopos de reação cruzada do S pyogenes incluem a proteína M e a N-acetil-glucosamina. Anticorpos monoclonais contra esses antígenos apresentam reação cruzada com a miosina cardíaca e com outras proteínas cardíacas alfa-helicoidais como a laminina, a tropomiosina, a queratina e a vimentina, bem como com proteínas de outros órgãos e tecidos alvo como a membrana sinovial e os tecidos nervoso, subcutâneo e dérmico.

Propôs-se que a cardite da febre reumática aguda se inicia por anticorpos de reação cruzada, que reconhecem o endotélio valvar e a laminina.[33] A molécula de adesão celular vascular 1 sofre up regulation na valva e colabora para o recrutamento e a infiltração dessas células T. As células T iniciam uma resposta predominantemente TH1, com a liberação de betainterferona. A inflamação causa neovascularização, a qual permite mais recrutamento de células T. Acredita-se que o espalhamento de epítopos pode ocorrer na valva, com as células T respondendo contra outros tecidos cardíacos como a vimentina e a tropomiosina, resultando em inflamação granulomatosa e no estabelecimento da doença reumática cardíaca crônica. Células Th17 (células T auxiliares específicas) também parecem ter um papel importante na patogênese de febre reumática aguda.[34]

A inflamação reumática no coração pode afetar o pericárdio (frequentemente de forma assintomática), o miocárdio (contribuindo raramente na insuficiência cardíaca) ou o endocárdio e tecido valvar (o afetado mais comumente). A inflamação granulomatosa reumática manifesta-se no miocárdio na forma de corpos de Aschoff.[35] Estes podem perturbar as vias de condução elétrica cardíaca, levando ao prolongamento do intervalo PR no eletrocardiograma e, ocasionalmente, a arritmias mais avançadas.

Classificação

World Health Organization Expert Consultation: rheumatic fever and rheumatic heart disease, 2004[1]

Este esquema, utilizado com frequência, classifica a febre reumática em categorias, levando em conta se trata-se do primeiro episódio (primário), se é um caso em que o paciente teve um episódio de febre reumática previamente (recorrente) ou se o paciente apresenta doença reumática cardíaca estabelecida (doença reumática cardíaca [DRC] crônica).

  • Episódio primário de febre reumática aguda: um paciente sem episódio anterior de febre reumática e sem evidência de DRC estabelecida, apresenta doença clínica que satisfaz os requisitos dos critérios de Jones para o diagnóstico da febre reumática aguda.

  • Episódio recorrente de febre reumática aguda: um paciente que teve febre reumática documentada no passado, mas sem evidência de DRC estabelecida, que apresenta uma nova doença clínica que atende aos requisitos dos critérios de Jones para o diagnóstico de febre reumática aguda.

  • Episódio recorrente de febre reumática aguda em pacientes com DRC: um paciente que tem evidência de DRC estabelecida, que apresenta uma nova doença clínica que atende aos requisitos dos critérios de Jones para diagnóstico de febre reumática aguda.

Observe que os critérios de Jones de 2015 diferem para as populações de riscos baixo e de moderado a alto. Os critérios também permitem o diagnóstico de possível febre reumática aguda (isto é, pacientes provenientes geralmente de cenários de alta incidência, dos quais o médico suspeita fortemente de diagnóstico de febre reumática aguda, mas que não atendem na íntegra aos critérios de Jones, talvez porque não estejam disponíveis instalações onde realizar a testagem completa).[2] Consulte Critérios.

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