Abordagem

O tratamento da toxicidade por anfetaminas suspeita é iniciado antes de se obter os resultados do laboratório. O manejo é basicamente de suporte, visando à redução da temperatura corporal central, reidratação, sedação (se necessário) e monitoramento cardíaco.[7][17][23][38][39][61][62] Os sinais vitais, incluindo temperatura, são monitorados com frequência, porque a condição do paciente pode mudar rapidamente. Na maioria dos casos graves, pode ser necessário o cuidado na unidade de terapia intensiva com suporte a vários órgãos, telemetria cardíaca, ventilação mecânica e observação direta individualizada rigorosa.

Tratamento inicial

Se o paciente chegar em até 1 hora da ingestão da substância e for cooperativo, administra-se carvão ativado por via oral.[66] Se a intoxicação for leve, o melhor manejo do paciente pode ser por monitoramento e observação em um ambiente calmo, com medidas de suporte (fluidoterapia intravenosa, resfriamento) conforme necessário.

Com agitação

Na presença de agitação, a primeira preocupação é determinar o nível de cooperação do paciente e controlar rapidamente qualquer distúrbio comportamental.[39][59][61] O objetivo é certificar-se de que o comportamento agressivo e irracional não impeça a avaliação e o tratamento oportunos da condição e garantir a segurança do paciente, da equipe e dos outros. Medidas não farmacológicas podem ajudar a acalmar o paciente e a reduzir uma situação difícil. Isso pode incluir a necessidade de garantir a confidencialidade ao paciente (e família ou amigos), ouvir atentamente o que ele diz, fazer perguntas abertas e pacíficas sem usar linguagem ameaçadora, falar em tom normal, chamá-lo pelo nome, dar o máximo de espaço possível ao paciente e evitar muito contato visual (o que pode ser interpretado como ameaçador se o paciente estiver hostil ou paranoico).

Se as medidas não farmacológicas não acalmarem o paciente, será necessária a sedação urgente.[7][17][23][38][39][61][62] Benzodiazepínicos são os medicamentos mais comumente usados nesta indicação. Antipsicóticos como haloperidol, olanzapina e droperidol também são úteis e podem ser usados em combinação com benzodiazepínicos.[67][68][69] Foi comprovado que o uso sinérgico desses diferentes sedativos é mais efetivo que monoterapia em protocolos clínicos.[70][71][72] Foi demonstrado que o droperidol é seguro e eficaz para o tratamento de agitação em doses baixas a moderadas.[73][74] Se possível, o intervalo QT deve ser medido antes da administração de droperidol ou haloperidol intravenoso. A Escala de Agitação-Sedação de Richmond (RASS) pode ser usada para orientar a sedação.[1]

  • (+1 a 2): se o paciente estiver levemente excitado, andando de um lado para outro e irritado, mas ainda assim for cooperativo, estiver disposto a conversar e fornecer a história, e se os sinais vitais estiverem basicamente normais, recomenda-se a administração de um benzodiazepínico oral. Se for ineficaz, pode-se repeti-lo e administrar doses mais altas de benzodiazepínicos ou olanzapina por via oral. O haloperidol também pode ser administrado por via oral.[39][59][61]

  • (+2 a 3): em um paciente moderadamente excitado que se mostra inquieto, agitado, falante, irracional, hostil e não cooperativo, com taquicardia e hipertensão, pode-se iniciar um protocolo oral conforme mencionado acima. Se o protocolo oral for recusado ou ineficaz, pode-se proceder à administração intravenosa ou intramuscular. Benzodiazepínicos podem ser administrados por via intravenosa e repetidos, se necessário; antipsicóticos são administrados por via oral ou intramuscular. Restrições físicas do paciente podem ser necessárias neste estágio e devem envolver várias pessoas da equipe, preferencialmente uma por membro e mais uma para estabelecer o acesso intravenoso e administrar sedativos.

  • (+3 a 4): um paciente altamente excitado, nervoso, assustado, extremamente agitado, agressivo, não cooperativo e possivelmente violento requer sedação o mais rapidamente possível, inicialmente com benzodiazepínicos e/ou antipsicóticos por via intravenosa, repetindo-se até se atingir a sedação adequada. Se não for possível obter acesso intravenoso seguro, talvez seja necessária a administração por via intramuscular. Se essas medidas fracassarem, deve-se realizar uma rápida intubação em sequência do paciente para proteger tanto o paciente quanto a equipe contra lesões e facilitar os demais exames, como tomografia computadorizada (TC).

Com depleção de volume

A maioria dos pacientes que apresenta toxicidade aguda por anfetaminas exibe uma depleção intravascular significativa e requer a rápida administração de fluidoterapia intravenosa como soro fisiológico ou solução de Ringer lactato. A administração de potássio é determinada pela concentração de potássio sérico do paciente.

Com rabdomiólise

A ressuscitação fluídica oportuna e apropriada é essencial para o manejo de rabdomiólise. A rabdomiólise pode ser pronunciada, com níveis máximos de creatina quinase na região de 501 microkats/L a 1670 microkats/L (30,000 a 100,000 U/L).[25][75] A creatina quinase máxima registrada em um sobrevivente de rabdomiólise é 9268.5 microkats/L (555,000 U/L).[76] A manutenção do débito urinário com hidratação por fluidoterapia intravenosa é essencial para o manejo bem-sucedido dessa condição.

Com acidose metabólica

A hipertermia pode causar um quadro clínico semelhante àquele de intermação grave, com acidose metabólica e outros desarranjos fisiológicos graves. Bicarbonato de sódio pode ser necessário para corrigir uma acidose metabólica grave. Os eletrólitos precisam ser monitorados rigorosamente, porque a hipernatremia e a hipocalemia são um risco quando se administra grandes quantidades de bicarbonato.

Alguns especialistas acham que a urina não deve ser alcalinizada, porque isso afetará a excreção renal dependente de pH das anfetaminas. No entanto, a eliminação renal de anfetaminas não tem uma grande influência sobre as overdoses de anfetaminas. Por isso, o bicarbonato não é contraindicado; e a acidificação urinária não é recomendável porque existe um risco de precipitação de mioglobina nos túbulos renais a pH baixo.[25][75]

Com hipertermia

A temperatura retal aproxima-se mais da temperatura corporal central. O resfriamento ativo geralmente é instituído quando a temperatura corporal excede 38 °C (100 °F).[5][28][77] O método mais simples para obter um resfriamento rápido em qualquer situação é a aplicação de umidificação morna e o uso de um ventilador para dissipação condutiva, evaporativa e convectiva de calor.[77] As medidas adicionais incluem mantas de resfriamento e bolsas de gelo. Deve-se monitorar a hiponatremia de maneira cuidadosa. Administram-se benzodiazepínicos para relaxar os músculos.

A hipertermia acima de 39.5 °C (103 °F) indica toxicidade grave potencialmente com risco de vida e exige a sedação e o resfriamento imediatos (por exemplo, bolsas de gelo, banhos de esponja, fluidos intravenosos resfriados). A melhor forma de se fazer isso é na unidade de terapia intensiva com paralisia e ventilação.[7] Pode ser necessário prolongar a paralisia para evitar a reemergência de hipertermia induzida por substâncias, geralmente administrando-se um bloqueador neuromuscular não despolarizante com tempo de ação moderado, como o pancurônio. Os pacientes devem ser intubados antes do início da paralisia.

Com disritmia cardíaca

Há relatos de morte por disritmia cardíaca em decorrência de overdose de anfetaminas na presença de cardiopatia isquêmica subjacente e defeitos de condução.[49][78][79] Recomendam-se ECG e monitoramento cardíaco em todos os pacientes que apresentam toxicidade por anfetaminas com dor torácica ou disritmia. Em geral, a taquicardia é sinusal e a remissão ocorre em algumas horas. Contudo, o tratamento é benéfico porque taquicardia prolongada coloca o paciente em risco de isquemia miocárdica por aumento da demanda de oxigênio miocárdico.[61]

Benzodiazepínicos são os agentes de primeira linha, mas podem não controlar a taquicardia sinusal resultante de anfetaminas de forma confiável. Para pacientes com taquicardia e hipertensão concomitantes, ou se houver dúvida em relação à estimulação alfa sem oposição, o labetalol alfa/betabloqueador misto mostrou-se seguro e efetivo.[39] Em pacientes normotensos, o betabloqueador metoprolol pode ser considerado para o tratamento de taquicardia sinusal.[39]

O melhor tratamento para as taquicardias supraventriculares associadas ao comprometimento hemodinâmico é o betabloqueio de curta duração (por exemplo, esmolol intravenoso).[7][56]

Taquicardia ventricular pode ser tratada de forma convencional com medicamentos antiarrítmicos (por exemplo, amiodarona) ou cardioversão.

Com convulsões

Convulsões podem ser manejadas com um benzodiazepínico intravenoso inicialmente, repetido conforme necessário.[39] Barbitúricos e possivelmente anestesia geral podem ser indicados para estados de mal epilético sem resposta clínica para progredir com as doses dos benzodiazepínicos.

Com hemorragia subaracnoide

Hemorragia subaracnoide pode ser tratada de forma convencional administrando-se nimodipino e fazendo a transferência rápida para um centro de tratamento de emergências neurocirúrgicas.[80]

Com hipertensão

É possível que benzodiazepínicos não consigam mitigar a hipertensão de forma efetiva em alguns pacientes com toxicidade relacionada às anfetaminas. Se a hipertensão persistir, pode-se usar o labetalol.[39][61]

Os vasodilatadores mediados pelo óxido nítrico, como o nitroprussiato e a nitroglicerina, são também úteis no tratamento da hipertensão isolada, como o alfabloqueador fentolamina. O nicardipino, que é um bloqueador dos canais de cálcio, também pode ser útil.[81]

Com hipotensão

A hipotensão é um fenômeno de estágio tardio que poderá ocorrer se o paciente apresentar desidratação grave ou se estiver com as catecolaminas depletadas. Pode-se obter um efeito temporizador imediato colocando o paciente na posição de Trendelenburg. A administração de fluidoterapia intravenosa copiosa é necessária. Essas medidas geralmente são efetivas para resolver a hipotensão; no entanto, o uso de pressores como dopamina ou noradrenalina pode ser necessário em casos extremos.

Com toxicidade por serotonina

Em pacientes com suspeita de toxicidade por serotonina, obtém-se melhores resultados terapêuticos com cuidados de suporte e observação em um ambiente hospitalar. O tratamento específico pode incluir benzodiazepínicos ou ciproeptadina (se disponível).[29][47] Em caso de suspeita de toxicidade por serotonina, pode ser extremamente importante consultar uma equipe médica de um centro toxicológico.

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Carvão ativadoDo acervo do Dr. Alison Jones [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@f7c9a09

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