Abordagem
Para os profissionais de saúde, o diagnóstico de parada cardíaca súbita é definitivo. O paciente não apresenta resposta clínica, e a avaliação das vias aéreas, da respiração e da circulação mostra ausência de respiração normal e nenhum sinal de circulação. Podem estar presentes respirações agônicas. A avaliação do distúrbio específico do ritmo cardíaco responsável deve ser imediata, seja por desfibrilador externo automático ou outro monitoramento cardíaco, e é essencial para o manejo (mas não deve atrasar a RCP). As possibilidades incluem a fibrilação ventricular (FV), a taquicardia ventricular (TV) sem pulso, a atividade elétrica sem pulso (AESP) e a assistolia. A torsades de pointes é um subgrupo de TV polimórfica em pacientes com um intervalo QT prolongado subjacente.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Taquicardia ventricular monomórficaDo acervo pessoal do Dr. A. Askari e Dr. A. Krishnaswamy; usado com permissão [Citation ends].[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Torsades de pointesDo acervo pessoal do Dr. A. Askari; usado com permissão [Citation ends].
Socorristas leigos não são capazes de determinar com precisão se um paciente em parada cardíaca tem pulso. Recomenda-se que o socorrista leigo assuma que uma pessoa sem resposta clínica e com respiração ausente ou agônica está em parada cardíaca e que a RCP deve ser iniciada.[1] O risco de dano é baixo se a pessoa não estiver em parada cardíaca.[1] Infelizmente, a taxa de socorristas leigos que realizam RCP nas paradas cardíacas é baixa (aproximadamente 35% a 40% em todo o mundo), apesar do fato de que a RCP realizada por socorristas leigos praticamente dobra a sobrevivência em caso de parada cardíaca fora do âmbito hospitalar (PCFH) e é uma parte essencial na cadeia de sobrevivência.[48]
Avaliação clínica
É necessário fazer uma investigação minuciosa, porém oportuna, da causa subjacente da parada cardíaca durante e após a ressuscitação. O exame físico pode demonstrar um pulso venoso jugular elevado com uma insuficiência cardíaca descompensada. Uma história de trauma deve levar à suspeita imediata de tamponamento cardíaco, distúrbio valvar, punção miocárdica, hemorragia ou pneumotórax hipertensivo. Um desvio da traqueia sugere pneumotórax hipertensivo. Um sopro pode indicar uma causa valvar do comprometimento, a qual pode levar à parada cardíaca súbita. A ausculta pulmonar pode revelar crepitações bilaterais na insuficiência cardíaca descompensada, ausência de entrada de ar no pneumotórax ou sinais de doença pulmonar subjacente. O exame neurológico pode revelar sinais focais sugestivos de patologia intracraniana. A intubação endotraqueal ou um dispositivo nas vias aéreas supraglóticas podem ser considerados durante a ressuscitação, principalmente se houver dificuldade em alcançar a ventilação com um dispositivo de bolsa com máscara.
Deve-se analisar, o quanto antes, a história familiar clínica e medicamentosa do paciente para identificar as possíveis causas. As pistas que podem ser identificadas incluem:
Sintomas anteriores: uma dor torácica pode indicar isquemia miocárdica ou embolia pulmonar. Episódios de síncope podem indicar uma cardiopatia estrutural ou arritmias preexistentes. Palpitações podem indicar arritmias preexistentes. Um estudo descobriu que entre indivíduos com PCFH sintomática, a dor torácica e a dispneia nos homens, e a dispneia nas mulheres, foram os sintomas mais comuns e tiveram uma associação moderada com paradas cardíacas súbitas quando comparados com um grupo-controle de indivíduos que também ligaram para serviços de emergência.[49]
História médica pregressa: as possíveis causas incluem a doença arterial coronariana (DAC) e os fatores de risco associados (por exemplo, hipertensão, diabetes mellitus, tabagismo, hipercolesterolemia, obesidade), disfunção ventricular esquerda, cardiomiopatia hipertrófica, síndrome do QT longo, cardiopatia estrutural, uso de substâncias ilícitas, medicamentos (incluindo os que causam o prolongamento do QT ou diuréticos que causam distúrbios eletrolíticos), doença renal (que pode causar hipercalemia) e história de transtornos alimentares (que podem contribuir para hipocalemia e/ou hipofosfatemia).[43] Os fatores de risco para trombose venosa profunda (TVP) e embolia pulmonar (EP) podem aumentar a suspeita de EP como etiologia; estes incluem TVP/EP prévios, edema unilateral da panturrilha, câncer ativo, cirurgia recente, imobilização recente, gravidez, coagulopatia ou uso de contracepção oral.
Uma história familiar de parada cardíaca súbita: pode existir em decorrência de síndromes familiares de prolongamento do intervalo QT ou de cardiomiopatias familiares. Uma história familiar de DAC também pode estar presente.
Investigações
Vários exames devem ser considerados durante a parada cardíaca para avaliar a causa subjacente e a condição do paciente:
Os pacientes precisam de monitoramento cardíaco contínuo para avaliar o ritmo.
Um hemograma completo deve ser realizado para investigar sinais de hemorragia (por exemplo, hematócrito baixo), a qual pode causar hipocalemia. No entanto, um sangramento agudo pode não aparecer se a hemodiluição ainda não tiver ocorrido.
Os eletrólitos séricos devem ser verificados quanto a anormalidades, particularmente a hiper ou a hipocalemia; elas podem ocorrer como causa ou como consequência da parada cardíaca.
A medição da gasometria arterial é essencial para avaliar o estado ácido-básico e pode revelar acidose respiratória, acidose metabólica, acidose respiratória com compensação renal, acidose metabólica com compensação respiratória, acidose metabólica e respiratória simultâneas ou hipercalemia. Os parâmetros respiratórios e metabólicos devem ser otimizados conforme necessário para normalizar o estado ácido-base. Os resultados anormais podem ser em decorrência da parada cardíaca súbita propriamente dita e não da causa subjacente.
Os biomarcadores cardíacos podem ser medidos. No entanto, as elevações nos marcadores de infarto do miocárdio (IAM) podem ocorrer por causa da parada cardíaca súbita e não indicam necessariamente que a causa subjacente foi um IAM.
A ultrassonografia no local de atendimento (POCUS) pode ser usada como adjuvante para avaliação do paciente durante a parada cardíaca, desde que não interfira com os tratamentos padrão para a parada cardíaca.[1][50] As diretrizes do International Liaison Committee on Resuscitation recomendam contra seu uso rotineiro, mas sugerem que, se puder ser realizada por uma equipe experiente sem interromper a RCP, ela pode ser usada para procurar por uma causa suspeita reversível específica.[51] A POCUS pode ser usada para identificar a presença ou ausência de atividade cardíaca e também pode identificar características de tamponamento cardíaco, pneumotórax, hemorragia ou embolia pulmonar. Como essas são causas potencialmente reversíveis de parada cardíaca, ela pode alterar o manejo subsequente. No entanto, há evidências de que o uso da POCUS na parada cardíaca prolonga o tempo de interrupção da RCP durante as verificações do pulso.[51][52][53]
Exames adicionais devem ser considerados após se alcançar o retorno da circulação espontânea (RCE):
Um ECG deve ser realizado imediatamente após o RCE, e posteriormente para avaliar a evolução das alterações. As anormalidades que podem ser observadas incluem um intervalo QT prolongado, alterações no segmento ST ou na onda T (indicando isquemia ou infarto, no caso de elevação do segmento ST), anormalidades de condução, hipertrofia ventricular, prolongamento de QRS em V1 a V3 e/ou ondas épsilon na cardiomiopatia, e inversão da onda T em V1 a V3 na displasia arritmogênica do ventrículo direito (DAVD). O monitoramento ambulatorial por ECG pode ser útil para capturar eventos esporádicos, seja por monitoramento contínuo (registro de Holter) por 24-48 horas ou pelo uso de gravadores de ECG ativados pelo paciente (saúde móvel ou tecnologia por smartphone) para os eventos infrequentes.[7]
A angiografia coronariana deve ser considerada após o RCE, pois a doença coronariana é um fator predisponente para a parada cardíaca súbita. Nos pacientes com IAM com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST) ao ECG, deve-se realizar uma angiografia coronariana de emergência com ou sem intervenção coronária percutânea.[7][51][54] A angiografia coronariana de emergência também é justificada para determinados pacientes com suspeita de síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST, incluindo aqueles com instabilidade hemodinâmica/elétrica ou sinais de isquemia continuada.[1] No entanto, vários ensaios clínicos randomizados e controlados em pacientes sem sinais de IAMCSST não demonstraram benefício em desfechos clínicos para a angiografia coronária precoce em comparação com a angiografia postergada.[7][55][56] As recomendações de consenso do International Liaison Committee on Resuscitation sugerem que, nos pacientes sem sinais de IAMCSST, tanto a angiografia coronária precoce quanto a tardia são razoáveis.[51] As diretrizes da American Heart Association não recomendam a angiografia coronária de emergência em vez de uma angiografia tardia nos pacientes com RCE na ausência de supradesnivelamento do segmento ST, choque, instabilidade elétrica, sinais de dano miocárdico significativo ou isquemia continuada.[54] A ICP só deve ser realizada nos pacientes com lesões culpadas à angiografia coronária. A ICP desnecessária das lesões estáveis deve ser evitada na fase inicial após PCFH, dada a ausência de benefícios e o aumento do risco de complicações hemorrágicas e trombose relacionadas ao stent no contexto de uma parada cardíaca súbita.[57][58]
A ecocardiografia pode ser usada para avaliar a contratilidade cardíaca e verificar anormalidades estruturais, distúrbios valvares e evidências de tamponamento. A função ventricular esquerda também deve ser avaliada 48 horas após o RCE, após o período de atordoamento do miocárdio pós-parada.[59] Um estudo de imagem normal em um paciente com arritmia ventricular sugere um distúrbio elétrico primário.[7]
O teste ergométrico é útil para diagnosticar e medir a resposta ao tratamento nos pacientes com distúrbios do ritmo dependentes de adrenérgicos, como taquicardia ventricular (TV) monomórfica idiopática induzida por exercício ou TV polimórfica. O intervalo QT de recuperação 4 minutos após um teste ergométrico pode contribuir para o diagnóstico de síndrome do QT longo.[7][60]
A radiografia torácica pode revelar pneumotórax, edema pulmonar ou outros distúrbios pulmonares. A caixa torácica pode mostrar causas ou complicações da parada cardíaca. A colocação do tubo endotraqueal deverá ser avaliada se o paciente estiver intubado.
Pode-se levar em conta uma análise toxicológica com o intuito de descartar substâncias ilícitas que podem predispor à arritmia ventricular.
A ressonância nuclear magnética cardíaca é usada para identificar a DAVD ou outras cardiomiopatias primárias. É o exame preferido para identificar esses distúrbios e deve ser realizado se não forem descobertas outras causas da parada cardíaca súbita.
A angiotomografia computadorizada coronariana pode ser usada para descartar a estenose da artéria coronária em pacientes com baixa probabilidade de doença arterial coronariana.[7]
ECG de alta resolução: também pode ser usado para identificar a DAVD se não forem descobertas outras causas da parada cardíaca súbita. Potenciais tardios sugerem o diagnóstico.[7]
Estudos eletrofisiológicos: a avaliação da arritmia primária ou de anormalidades de condução deverá ser considerada se nenhuma outra causa da parada cardíaca súbita for encontrada ou se houver a possibilidade de ablação de uma fonte arritmogênica nos pacientes com IAM prévio. Os estudos eletrofisiológicos delinearão o foco arritmogênico.[7][61][62]
O rastreamento de familiares de pacientes com síndromes hereditárias suspeitas ou confirmadas, como síndrome de Brugada, síndrome do QT longo e cardiomiopatia dilatada ou hipertrófica.[7]
Testes provocativos também podem ser considerados, como teste de bloqueador de canal de sódio para síndrome de Brugada e teste de adenosina para descartar pré-excitação latente.[7]
Como obter uma amostra de sangue arterial da artéria radial.
Como realizar uma punção da artéria femoral para coletar uma amostra de sangue arterial.
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