Abordagem

O principal objetivo do tratamento consiste em interromper o agente antimicrobiano implicado e iniciar a terapia apropriada. Todos os pacientes ainda não hospitalizados devem ser internados a menos que não apresentem nenhum sintoma sistêmico e nenhuma disfunção orgânica; nesse caso, podem ser tratados ambulatorialmente.

A maior parte das recomendações nesta seção baseiam-se nas diretrizes da Infectious Diseases Society of America/Society for Healthcare Epidemiology of America (IDSA/SHEA) publicadas no início de 2018, com uma atualização direcionada publicada em 2021.[2]​​​[74] As diretrizes do American College of Gastroenterology (ACG) publicadas em 2021 apoiam amplamente essas recomendações, embora o ACG também recomende o transplante de microbiota fecal (TMF) convencional como opção de segunda linha nos casos de doença grave e fulminante (bem como de doença recorrente), e a vancomicina é o tratamento de primeira linha preferencial para tratar o episódio inicial. As diretrizes do Reino Unido e da Europa também são detalhadas aqui. Embora as diretrizes se alinhem na maioria dos casos, particularmente na promoção da fidaxomicina como tratamento de primeira linha, ainda há algumas diferenças importantes.​[76]

Vale ressaltar que as diretrizes da IDSA/SHEA e do ACG foram publicadas antes da aprovação de produtos bioterapêuticos vivos (um tipo de terapia baseada na microbiota fecal). Portanto, essas diretrizes recomendam o TMF convencional como a única opção quando a terapia baseada na microbiota fecal é indicada. Entretanto, na prática, há uma mudança em direção ao uso de produtos bioterapêuticos vivos (quando disponíveis) no lugar do TMF convencional. As diretrizes da American Gastroenterological Association (AGA) publicadas em 2024 são as únicas que atualmente recomendam produtos bioterapêuticos vivos.[77]

Prevenção e controle de infecção

Os pacientes hospitalizados com infecção suspeitada ou confirmada devem ser isolados em um quarto privado com um banheiro exclusivo para reduzir o risco de infecção para outros pacientes. Em instituições onde há um número limitado de quartos privados, a prioridade deve ser atender os pacientes com incontinência fecal. É importante adotar precauções de contato em relação aos pacientes com suspeita de infecção antes dos resultados dos exame tornarem-se disponíveis. As precauções de contato devem ser mantidas por pelo menos 48 horas após a resolução da diarreia e até a alta hospitalar se as taxas de infecção por Clostridioides difficile permanecerem altas.[2]​​[64]

Profissionais de saúde devem usar aventais e luvas ao entrar em um quarto quando estiverem cuidando de um paciente. A higiene das mãos deve ser realizada antes e depois do contato com o paciente e após a remoção das luvas. Deve-se usar água e sabão ou um produto à base de álcool. Os pacientes devem ser encorajados a lavar as mãos e a tomar banho para reduzir a carga de esporos na pele. Equipamentos descartáveis para o paciente são preferíveis (termômetros retais não são recomendados).[2]​​

A Organização Mundial da Saúde fornece diretrizes sobre a técnica correta de lavar as mãos. Foi demonstrado que uma técnica de lavagem estruturada é mais eficaz que uma técnica não estruturada contra o C difficile.[63] WHO: guidelines on hand hygiene Opens in new window

Descontinuar o agente causador

Na primeira sugestão de diagnóstico, o(s) antibiótico(s) deve(m) ser descontinuado(s) o mais rápido possível.[2]​​ Se os antibióticos não puderem ser suspensos, um agente com menor probabilidade de causar infecção por C difficile deverá substituí-los. Especificamente, devem ser evitadas a ampicilina, as cefalosporinas, a clindamicina, os carbapenêmicos e as fluoroquinolonas.[21][22]

Cuidados de suporte

Os pacientes devem ter seu status de fluido avaliado inicialmente, se eles estiverem hospitalizados. Quando houver necessidade, hidratação e reposição eletrolítica devem ser instituídas. Deve-se evitar o uso de agentes antimotilidade, incluindo opioides e loperamida, embora não haja evidências que deem suporte a essa recomendação.

Episódio inicial: antibioticoterapia

A antibioticoterapia deve ser iniciada de forma empírica se houver probabilidade de um atraso substancial (>48 horas) na confirmação laboratorial ou para infecção fulminante. No caso dos outros pacientes, a antibioticoterapia pode ser iniciada após o diagnóstico de modo a limitar o uso excessivo de antibióticos. Os esquemas recomendados baseiam-se na gravidade da doença e se o episódio é inicial ou recorrente.

A IDSA/SHEA recomenda a fidaxomicina como agente de primeira linha para um episódio inicial de infecção por C difficile, pois é mais eficaz que a vancomicina no que diz respeito a uma resposta clínica sustentada. Essa recomendação se baseia em evidências de certeza moderada. A fidaxomicina pode não estar amplamente disponível e é mais cara; portanto, a vancomicina continua sendo uma alternativa aceitável. Antes, o antibiótico de escolha era o metronidazol oral; porém, agora ele só é recomendado em situações nas quais o acesso a um agente de primeira linha for limitado.[2]​​[74]

Episódio inicial: não grave

  • Dados clínicos de suporte: leucocitose com contagem leucocitária de ≤15,000 células/mL e creatinina sérica <0.13 mmol/L (<1.5 mg/dL)

  • Tratamento de primeira linha: fidaxomicina oral por 10 dias

  • Tratamento alternativo: vancomicina ou metronidazol oral por 10 dias

Episódio inicial: grave

  • Dados clínicos de suporte: leucocitose com contagem leucocitária de ≥15,000 células/mL e creatinina sérica >0.13 mmol/L (>1.5 mg/dL)

  • Tratamento de primeira linha: fidaxomicina oral por 10 dias

  • Tratamento alternativo: vancomicina oral por 10 dias

Episódio inicial: fulminante (grave, infecção complicada)

  • Dados clínicos de suporte: hipotensão, choque, íleo paralítico ou megacólon

  • Tratamento de primeira linha: vancomicina oral (em uma dose maior que aquela para infecção não fulminante). Se íleo paralítico estiver presente, a instalação retal da vancomicina pode ser considerada. O metronidazol intravenoso deve ser administrado com vancomicina oral ou retal, especialmente se houver íleo paralítico, pois isso pode comprometer a administração da vancomicina oral no cólon

  • Tratamentos alternativos: tigeciclina ou imunoglobulinas foram usadas em pacientes que não estão respondendo a tratamentos de primeira linha; porém, nenhum ensaio clínico controlado foi realizado.

O ACG recomenda vancomicina ou fidaxomicina para o tratamento de um episódio inicial de doença grave ou não grave.[58]

As diretrizes internacionais podem recomendar tratamentos diferentes e a orientação local deve ser consultada.

  • No Reino Unido, o National Institute for Health and Care Excellence recomenda vancomicina para o episódio inicial, independentemente da gravidade da doença, com base na custo-efetividade. A fidaxomicina é considerada um agente de segunda linha. O metronidazol só é recomendado em combinação com vancomicina nas infecções com risco à vida, ou com ou sem vancomicina nas infecções em que os antibióticos de primeira ou segunda linha forem inefetivos, e apenas sob orientação de um especialista.[78]

  • Na Europa, a European Society of Clinical Microbiology and Infectious Diseases recomenda a fidaxomicina como o padrão de tratamento preferencial para um episódio inicial, sendo a vancomicina considerada uma opção alternativa. A fidaxomicina é o agente preferencial naqueles com alto risco de recorrência. O metronidazol só é recomendado se as opções preferenciais não estiverem disponíveis. Tanto a fidaxomicina quanto a vancomicina são recomendadas para infecções graves, complicadas ou refratárias (com ou sem metronidazol intravenoso ou tigeciclina).[79]

A evidência da mais alta qualidade indica que a fidaxomicina é significativamente melhor que a vancomicina na cura sintomática sustentada (definida como o número de pacientes com remissão da diarreia menos o número de pacientes com recorrência ou morte) em adultos com infecções não múltiplas recorrentes. Ela é, portanto, considerada uma opção de tratamento melhor que a vancomicina em todos os pacientes, exceto aqueles com infecções graves. As taxas de cura com metronidazol foram significativamente menores em comparação com a vancomicina e a fidaxomicina. Além disso, a fidaxomicina é mais efetiva em prevenir a recorrência, em comparação com a vancomicina.[80][81][82][83]​​

Uma revisão Cochrane mostrou evidências de qualidade moderada sugerindo que a vancomicina é superior ao metronidazol e que a fidaxomicina é superior à vancomicina, na obtenção da cura sintomática em pacientes com infecção por C difficile, embora a diferença na eficácia não seja muito grande. Não foi possível tirar qualquer conclusão definitiva sobre a eficácia do tratamento com antibióticos na doença grave, pois a maior parte dos estudos não incluiu esses pacientes. Não se chegou a conclusões quanto à necessidade de tratamento com antibióticos em pacientes com infecção leve, além da descontinuação do antibiótico causador, pela falta de estudos de controle de ausência de tratamento na revisão.[84] [ Cochrane Clinical Answers logo ]

Vancomicina ou fidaxomicina são os agentes preferenciais em pacientes com doença inflamatória intestinal subjacente. Em geral, esses pacientes também precisam de tratamento agressivo. A decisão de interromper ou continuar os agentes imunossupressores em pacientes com doença inflamatória intestinal durante a infecção aguda deve ser tomada caso a caso.[85] Se o tratamento for interrompido, dados observacionais e o parecer de especialistas sugerem que o tratamento pode ser reiniciado após 48 a 72 horas de antibioticoterapia direcionada.[86]

Embora o monitoramento terapêutico dos medicamentos não costume ser recomendado com o uso de vancomicina oral, pode ser considerado de acordo com o caso, particularmente em situações de alto risco, em que há previsão de altos níveis de sangue (por exemplo, comprometimento renal, combinação de terapia oral e enteral, doença grave, doença inflamatória intestinal).[87]

A resistência antibiótica do C difficile foi relatada raramente com a fidaxomicina, a vancomicina, o metronidazol e a tigeciclina.[88]

A nitazoxanida e o ácido fusídico também podem ser eficazes para o tratamento de um episódio inicial de infecção por C difficile, mas têm menos evidências os apoiando. Há ausência de evidências de alta qualidade para apoiar o uso de rifaximina, tigeciclina ou bacitracina para o tratamento de um episódio inicial.[89][90]

Doença grave e fulminante: cirurgia

A cirurgia pode ser justificada em doença grave complicada ou fulminante, ou em pacientes que não respondem à antibioticoterapia.[2]​​​[3][91]​ A forma fulminante é pouco valorizada como doença que traz risco à vida em vista da falta de conhecimento sobre sua gravidade e por ser uma síndrome clinicamente inespecífica. O diagnóstico e o tratamento precoces são essenciais para um bom desfecho, e a intervenção cirúrgica precoce deve ser considerada nos pacientes que não responderem à terapia medicamentosa ou que apresentam aumento da contagem leucocitária ou do nível de lactato. O procedimento cirúrgico de preferência é a colectomia subtotal com preservação do reto. A ileostomia em alça para derivação (com lavagem cólica seguida por jatos de vancomicina anterógrados) é uma abordagem alternativa.[2]​​​[92] Ambos os procedimentos têm taxas de sobrevida similares; no entanto, a ileostomia em alça está associada com um nível mais baixo de infecções no sítio cirúrgico e uma taxa mais elevada de preservação colônica. As evidências são limitadas.[93][94]​​ ​​

Doença grave e fulminante: transplante de microbiota fecal convencional

As recomendações das diretrizes dos EUA sobre o TMF convencional (um tipo de terapia baseada na microbiota fecal) para doenças graves e fulminantes variam.

  • O ACG recomenda considerar o TMF convencional em pacientes com doença grave e fulminante refratários à antibioticoterapia, em particular pacientes considerados maus candidatos à cirurgia.[58]

  • A AGA recomenda o TMF convencional para pacientes hospitalizados com doença grave ou fulminante que são refratários à antibioticoterapia.[77]

  • Entretanto, a IDSA/SHEA ainda não recomenda o TMF convencional para esses pacientes.[2]​​

As diretrizes internacionais podem recomendar tratamentos diferentes e a orientação local deve ser consultada.

Embora as principais diretrizes atualmente recomendem o TMF convencional, na prática há uma mudança em direção ao uso de produtos bioterapêuticos vivos (quando disponíveis) no lugar do TMF convencional. Entretanto, as diretrizes atualmente não recomendam produtos bioterapêuticos vivos para pacientes com doença grave e fulminante, e eles não são aprovados para essa indicação.

Uma metanálise de ensaios clínicos randomizados e controlados revelou que não houve diferença estatisticamente significativa entre a terapia medicamentosa e o TMF convencional em pacientes com infecção primária.[95]

Consulte a seção Infecção recorrente: transplante convencional de microbiota fecal abaixo para obter mais informações.

Infecção recorrente

Relatou-se que as taxas de recorrência variam de 5% a 50%, embora um estudo tenha mostrado pelo menos uma recorrência em 21% das infecções associadas aos serviços de saúde e 14% das infecções associadas à comunidade.[6]​ Aproximadamente 25% dos pacientes tratados com vancomicina em um episódio inicial experimentam pelo menos um episódio recorrente.[96][97]

As opções para o manejo de infecções recorrentes incluem:

  • Antibioticoterapia

  • Terapias baseadas na microbiota fecal

    • TMF convencional

    • Produtos bioterapêuticos vivos

  • Bezlotoxumabe.

A combinação ideal dessas terapias para o manejo da recorrência não foi bem estudada.

Infecção recorrente: antibioticoterapia

A IDSA/SHEA recomenda que a primeira recorrência deve ser tratada com os seguintes esquemas de antibióticos:[2]​​[74]

  • Tratamento de primeira linha: um ciclo padrão de 10 ou 20 dias de fidaxomicina

  • Tratamento alternativo: um esquema prolongado de dose em pulsos de vancomicina oral, ou um ciclo padrão de 10 dias de vancomicina oral (se metronidazol foi usado no episódio inicial).

Recorrências subsequentes podem ser tratadas com os seguintes esquemas de antibióticos:[2]​​[74]

  • Um ciclo padrão de 10 ou 20 dias de fidaxomicina

  • Um esquema prolongado de dose em pulsos e reduzido gradualmente com vancomicina oral

  • Um ciclo padrão de 10 dias com vancomicina oral seguida por rifaximina por 20 dias.

O ACG recomenda um esquema de dose em pulsos e reduzido gradualmente com vancomicina oral (após o ciclo inicial com fidaxomicina, vancomicina ou metronidazol) ou fidaxomicina (após o ciclo inicial com vancomicina ou metronidazol) para a primeira recorrência. Vancomicina oral pode ser considerada para as recorrências subsequentes.[58]

As diretrizes internacionais podem recomendar tratamentos diferentes e a orientação local deve ser consultada.

  • No Reino Unido, o National Institute for Health and Care Excellence recomenda a fidaxomicina como tratamento de primeira escolha para um novo episódio de infecção até 12 semanas após a resolução dos sintomas, ou vancomicina ou fidaxomicina se um novo episódio ocorrer mais de 12 semanas após a resolução dos sintomas.[78]

  • Na Europa, a European Society of Clinical Microbiology and Infectious Diseases recomenda a fidaxomicina para uma primeira recorrência. A redução gradual e o pulso de vancomicina é uma opção alternativa para uma primeira recorrência ou recorrência subsequente.[79]

Esquemas de suspensão gradual e doses em pulsos da vancomicina foram superiores ao esquema de suspensão gradual isolado e ao esquema de doses em pulsos isolado (taxas de resolução de 83% versus 68% e 54%, respectivamente) para a infecção recorrente. No entanto, as evidências são limitadas.[98]

Infecção recorrente: bezlotoxumabe

O bezlotoxumabe é um anticorpo monoclonal humano que se liga à toxina B de Clostridioides difficile. Ele foi aprovado para redução da recorrência da infecção por C difficile em adultos que estiverem recebendo tratamento antibacteriano para infecção por C difficile e que apresentarem um alto risco de recorrência. Além de não ser indicado para o tratamento de infecção por C difficile, ele não é um medicamento antibacteriano, então deve ser usado em combinação com uma terapia antibiótica. O bezlotoxumabe deve ser usado sob orientação de um especialista.

A IDSA/SHEA recomenda o uso de bezlotoxumabe juntamente com os antibióticos padrão para a prevenção da recorrência em pacientes que tiverem tido um episódio recorrente nos 6 meses anteriores, particularmente aqueles que estiverem em alto risco de recorrência (por exemplo, idade ≥65 anos, imunocomprometidos, doença grave à apresentação) e contanto que a logística para a administração intravenosa não seja um problema. Esta recomendação é baseada em evidências de certeza muito baixa.[74] O ACG também recomenda considerar o bezlotoxumabe para prevenir a recorrência nos pacientes com alto risco de recorrência.[58]

As diretrizes internacionais podem recomendar tratamentos diferentes e a orientação local deve ser consultada.

  • No Reino Unido, o National Institute for Health and Care Excellence não recomenda administrar bezlotoxumabe para evitar infecção recorrente, pois não é custo-efetivo.[78]

  • Na Europa, a European Society of Clinical Microbiology and Infectious Diseases recomenda bezlotoxumabe (além dos antibióticos padrão de cuidados) para o tratamento de um episódio inicial naqueles com alto risco de recorrência, como opção de primeira linha para uma primeira recorrência, e uma opção de segunda linha para uma recorrência subsequente.[79]

Em 2 ensaios clínicos de fase III, demonstrou-se que uma dose intravenosa de bezlotoxumabe (administrada em combinação com o tratamento com antibióticos padrão) para infecção primária ou recorrente por C difficile foi associada a uma taxa menor de 38% de recorrência da infecção em comparação ao tratamento com antibióticos administrados isoladamente. A cura sustentada (sem recorrência da infecção em 12 semanas) foi alcançada por 64% dos pacientes em comparação a 54% dos pacientes no grupo do placebo. Os efeitos adversos mais comuns foram náuseas e diarreia, e o medicamento apresentou um perfil de efeitos adversos semelhante ao placebo.[99] Uma revisão sistemática e metanálise de 13 estudos (incluindo dois ensaios clínicos randomizados e controlados) revelou que o bezlotoxumabe reduziu significativamente o risco de infecção recorrente por C difficile em comparação com o tratamento padrão (15.8% vs. 28.9%, respectivamente).[100]​ O bezlotoxumabe não foi melhor na resolução de infecções recorrentes em comparação com o TMF convencional.​[101] Os dados sobre o uso do bezlotoxumabe quando fidaxomicina é usada como antibiótico padrão da assistência são limitados.[74]

Em pacientes com história de insuficiência cardíaca congestiva, o bezlotoxumabe deve ser reservado para ser usado quando os benefícios superarem os riscos. A insuficiência cardíaca foi relatada mais comumente com o bezlotoxumabe, em comparação com placebo em ensaios clínicos, principalmente em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva subjacente.[74]

Infecção recorrente: transplante de microbiota fecal convencional

As recomendações das diretrizes dos EUA sobre o TMF convencional (um tipo de terapia baseada na microbiota fecal) para infecções recorrentes variam.

  • IDSA/SHEA recomenda o TMF convencional como uma opção em pacientes com pelo menos duas recorrências e onde a antibioticoterapia falhou.[2]​​

  • No entanto, o ACG recomenda considerar o TMF convencional como opção de primeira linha em pacientes que passam pela segunda recorrência ou mais da doença, para prevenir outras recorrências no futuro.[58]

  • A AGA recomenda terapias baseadas na microbiota fecal (incluindo TMF convencional) para pacientes imunocompetentes com infecção recorrente após a conclusão da antibioticoterapia padrão de cuidados. A AGA recomenda o TMF convencional especificamente para pacientes com imunocomprometimento leve a moderado e recomenda não usar nenhuma terapia baseada na microbiota fecal em pacientes com imunocomprometimento grave.[77]

As diretrizes internacionais podem recomendar tratamentos diferentes e a orientação local deve ser consultada.

  • No Reino Unido, o National Institute for Health and Care Excellence recomenda considerar o TMF convencional para um episódio recorrente de infecção em adultos que já tiverem tido dois ou mais episódios confirmados anteriores.[102]

  • Na Europa, a European Society of Clinical Microbiology and Infectious Diseases também recomenda considerar o TMF convencional como primeira linha para um episódio recorrente naqueles que apresentaram dois ou mais episódios anteriores.[79]

O procedimento envolve a implantação de fezes processadas, coletadas de um doador saudável, no trato intestinal de pacientes infectados para corrigir a disbiose intestinal. Um curto ciclo de indução com vancomicina oral pode ser usado antes do TMF convencional para reduzir a carga de C difficile nos pacientes que não tiverem recebido antibioticoterapia antes de um TMF planejado.[2]

Evidências dão suporte ao uso de TMF convencional para infecções recorrentes.

  • Uma revisão Cochrane constatou que o transplante de microbiota fecal leva a um grande aumento de resolução da infecção recorrente em adultos imunocompetentes, em comparação com tratamentos alternativos (por exemplo, antibióticos), com base em evidências de certeza moderada. Não é possível chegar a conclusões relativas aos benefícios ou danos em pacientes imunocomprometidos devido à falta de dados. O transplante de microbiota fecal provavelmente causa uma pequena redução nas taxas de eventos adversos graves (evidências de certeza moderada) e pode reduzir a mortalidade por todas as causas (evidências de baixa certeza). No entanto, o aumento do risco desses desfechos não pode ser descartado porque o número de eventos foi pequeno.[103] [ Cochrane Clinical Answers logo ]

  • Ensaios clínicos randomizados e controlados mostraram altas taxas de sucesso.[104][105][106]​ Metanálises registraram taxas de eficácia de 82.1% a 95.6%.[107][108]​ Uma análise prospectiva da vida real, de um registro de transplante de microbiota fecal dos EUA, constatou que 90% dos pacientes foram considerados curados (ou seja, a diarreia remitiu sem necessidade de tratamento adicional) no acompanhamento de 1 mês. Daqueles curados a 1 mês, 4% dos pacientes apresentaram recorrência em até 6 meses.[109]​ No entanto, o transplante de microbiota fecal foi associado a taxas de cura mais baixas em ensaios clínicos randomizados, em comparação com estudos abertos e observacionais, e a eficácia é maior para a infecção recorrente, comparada com a doença refratária.[110]

  • O transplante de microbiota fecal parece ser a abordagem ideal para o tratamento da doença recorrente, comparado com antibióticos como vancomicina ou fidaxomicina ou placebo.[111][112][113]​ Uma revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados e controlados constatou que houve evidências de qualidade moderada para indicar que o transplante de microbiota fecal é mais efetivo que a vancomicina ou o placebo.[114] Outro ensaio clínico randomizado e controlado constatou que o transplante de microbiota fecal (realizado por colonoscopia ou tubo nasojejunal após 4 a 10 dias de vancomicina) foi superior à fidaxomicina ou vancomicina em termos de resolução clínica e microbiológica ou resolução clínica isolada.[115]

  • O sucesso do transplante de microbiota fecal (FMT) pode ser aprimorado com o preparo adequado do intestino no momento do FMT e com a otimização das práticas de administração de antibióticos no período peri-FMT. Os fatores de risco não modificáveis que aumentam o risco de fracasso do tratamento incluem idade avançada, infecção grave, doença inflamatória intestinal, hospitalização prévia relacionada a C difficile, e hospitalização.[116]

O ACG recomenda o TMF convencional preferencialmente por colonoscopia ou cápsulas orais (ou enema, se não houver outros métodos disponíveis), e sugere repetir o TMF para pacientes que apresentem recorrência de infecção por Clostridium difficile até 8 semanas após o TMF inicial.[58]

  • As taxas de cura com transplante de microbiota fecal via colonoscopia são superiores às do transplante de microbiota fecal via enema e sonda nasogástrica, e comparáveis ao transplante de microbiota fecal via cápsulas orais.[117]

  • O transplante de microbiota fecal congelada ou liofilizada é tão efetivo quanto o transplante de microbiota fecal fresca na resolução da diarreia, e a administração gastrointestinal inferior pode ser mais efetiva que a administração gastrointestinal superior.[105][118][119][120]

  • As cápsulas orais são promissoras, devido à facilidade de administração; uma eficácia geral de 82% foi relatada com esse método.[108]

​Em geral, o TMF é bem tolerado, mas pode haver efeitos adversos como febre, desconforto abdominal, flatulência, náuseas/vômitos, diarreia/constipação e infecções.[121]

  • Os efeitos adversos relacionados ao transplante de microbiota fecal foram relatados em 19% dos pacientes submetidos ao transplante de microbiota fecal e, geralmente, foram considerados leves a moderados e autolimitados. No entanto, efeitos adversos graves, inclusive infecções e morte, foram relatados em 1.4% dos pacientes. Todos os efeitos adversos graves foram relatados em pacientes com lesão na barreira mucosa.[122]

  • Os pacientes que receberam transplante de microbiota fecal via colonoscopia apresentaram mais efeitos adversos, em comparação com pacientes que receberam transplante de microbiota fecal via enema ou cápsulas orais.[123]

  • As consequências em longo prazo são desconhecidas.

O TMF convencional é recomendado em pacientes com doença inflamatória intestinal.

  • Evidências observacionais iniciais sugeriram que o transplante de microbiota fecal pode ser menos efetivo em eliminar a infecção por C difficile em pacientes com doença inflamatória intestinal.[124]​ No entanto, uma metanálise de estudos de coorte não encontrou diferença significativa na taxa de cura após o transplante de microbiota fecal em pacientes com infecção por C difficile com ou sem doença inflamatória intestinal, mas observou que são necessários mais ensaios clínicos randomizados e controlados para validar sua segurança e eficácia nesses pacientes.[125] Outra metanálise constatou que o transplante de microbiota fecal parece ser uma terapia altamente efetiva para prevenir a infecção recorrente nesses pacientes.[126]

  • O ACG recomenda que o transplante de microbiota fecal seja considerado para a infecção recorrente em pacientes com doença inflamatória intestinal.[58]

O TMF convencional pode transmitir micro-organismos patogênicos que causam infecções graves ou com risco de vida.

  • Uma revisão sistemática de 303 pacientes imunocomprometidos não encontrou diferença entre as taxas de efeitos adversos graves em pacientes imunocomprometidos e imunocompetentes submetidos ao TMF.[127] No entanto, a Food and Drug Administration (FDA) alertou que o TMF pode transmitir organismos resistentes a múltiplos medicamentos, causando infecções graves ou com risco de vida, principalmente em pacientes imunocomprometidos. Isso segue dois casos de adultos imunocomprometidos que receberam TMF e desenvolveram infecções invasivas causadas por Escherichia coli produtora de beta-lactamase de espectro estendido (BLEE). Um dos pacientes morreu.[128]

  • A FDA recomenda que os profissionais da saúde considerem o risco potencial de transmissão de bactérias patogênicas pelos produtos do TMF, incluindo Escherichia coli enteropatogênica (EPEC) e Escherichia coli produtora de toxina Shiga (STEC) e as reações adversas graves resultantes que podem ocorrer.[129]

  • A FDA alertou que o uso clínico do TMF tem o potencial de transmitir o vírus SARS-CoV-2 e o vírus da varíola símia, e que precauções adicionais são necessárias para fezes doadas após certas datas para cada vírus.[130][131]

  • Um estudo de coorte prospectivo constatou que pacientes submetidos ao TMF em comparação com aqueles que tomavam antibióticos apresentavam um risco reduzido de infecção da corrente sanguínea.[132]

  • Produtos fecais também podem conter alérgenos alimentares.

Preocupações com a segurança e a falta de disponibilidade em larga escala são barreiras ao uso disseminado do TMF convencional. Seu uso diminuiu nos últimos anos por vários motivos, incluindo:

  • O risco cada vez mais reconhecido de transmissão de patógenos

  • A pandemia da doença do coronavírus de 2019 (COVID-19)

  • Requisitos da agência reguladora associados ao uso de material de bancos de fezes (por exemplo, requisito para um pedido de novo medicamento em fase experimental nos EUA)

  • A disponibilidade de produtos bioterapêuticos vivos aprovados (veja abaixo).

Vale ressaltar que as diretrizes da IDSA/SHEA e do ACG foram publicadas antes da aprovação de produtos bioterapêuticos vivos. Portanto, eles recomendam o TMF convencional como a única opção quando a terapia baseada na microbiota fecal é indicada. Entretanto, na prática, há uma mudança em direção ao uso de produtos bioterapêuticos vivos (quando disponíveis) no lugar do TMF convencional.

Pesquisas adicionais sobre esse tratamento são necessárias, pois não há relatos suficientes sobre os principais componentes das intervenções com TMF.[133]

Infecção recorrente: produtos bioterapêuticos vivos

Produtos bioterapêuticos vivos são outro tipo de terapia baseada na microbiota fecal. Esses produtos se tornaram disponíveis comercialmente nos últimos anos e estão sendo usados no lugar do TMF convencional em alguns centros. Esses produtos têm dados de segurança e eficácia mais padronizados em comparação com o TMF convencional. Produtos bioterapêuticos vivos são derivados diretamente de fezes humanas ou contêm um componente microbiano definido isolado de fezes humanas e processado para fabricação ex vivo. A composição, formulação e dosagem dos produtos podem ser diferentes.[134][135]

A FDA aprovou dois produtos derivados de doadores para a prevenção da recorrência da infecção por C difficile em pacientes com idade ≥18 anos.

  • A microbiota fecal viva (conhecido comercialmente como Rebyota® nos EUA) é uma administração retal líquida administrada como uma dose retal única (por meio de enema de retenção) após o tratamento com antibióticos. Não é necessário preparo intestinal.

  • Esporos vivos da microbiota fecal (conhecido comercialmente como Vowst® nos EUA) são um produto em cápsulas orais administrado por via oral por 3 dias após o tratamento com antibióticos e a preparação intestinal. Ele é composto de esporos e não de um consórcio isolado de bactérias.

  • Outros produtos exclusivos podem estar disponíveis em outros países.

Os produtos bioterapêuticos vivos têm inúmeras vantagens em relação ao TMF convencional.[134][135]

  • Fabricados sob um processo padronizado que inclui rastreamento de doadores e patógenos, boas práticas de fabricação e ensaios clínicos rigorosos.

  • Menor risco de conter patógenos infecciosos conhecidos devido a etapas adicionais tomadas durante o processo de fabricação.

  • Pode ser prescrito por qualquer profissional da saúde, não apenas por gastroenterologistas ou infectologistas.

  • Modos de administração mais simples (por exemplo, produtos orais podem ser tomados em casa).

Produtos bioterapêuticos vivos não estão incluídos nas diretrizes da IDSA/SHEA ou do ACG, pois essas diretrizes foram publicadas antes de sua disponibilidade. No entanto, eles estão incluídos nas diretrizes publicadas pela AGA em 2024.

  • A AGA recomenda o uso de terapias baseadas na microbiota fecal (incluindo produtos bioterapêuticos vivos) em pacientes imunocompetentes com infecção recorrente após a conclusão da antibioticoterapia padrão. Não há evidências suficientes para recomendar produtos bioterapêuticos vivos em pacientes imunocomprometidos.[77]

As evidências de produtos bioterapêuticos vivos são limitadas.

  • A microbiota fecal viva (Rebyota®) foi estudada em um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, de fase 3. A modelagem estatística mostrou que 70% dos participantes permaneceram livres de recorrência em 8 semanas após o tratamento, em comparação com 58% com placebo.[136]

  • Esporos vivos da microbiota fecal (Vowst®) foram estudados em um ensaio de fase 2b/3, duplo-cego e controlado por placebo. A recorrência foi significativamente menor 8 semanas após o tratamento em comparação ao placebo (12% vs. 40%, respectivamente)[137]

  • Os efeitos adversos mais comuns foram efeitos adversos gastrointestinais leves a moderados. Embora nenhum problema grave de segurança tenha sido relatado, a vigilância pós-comercialização está em andamento. Produtos derivados de doadores podem conter alérgenos alimentares. Entretanto, nenhum caso de evento com alérgenos alimentares foi relatado até o momento.[134]

  • Não foram publicados ensaios de comparação direta (head-to-head) com TMF convencional ou bezlotoxumabe.[134]

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