Prevenção primária
A febre entérica pode ser eficazmente prevenida através de saneamento e higiene. Nos países de alta renda, a doença foi controlada com eficiência por meio da melhora da água e higiene dos alimentos com saneamento básico. Contudo, nos países de baixa renda a construção de uma infraestrutura nova e eficaz não deve provavelmente ocorrer no futuro próximo, principalmente em favelas.
Uma observância rigorosa das regras de higiene (isto é, evitar água e alimentos contaminados, lavar as mãos) tem sido sempre enfatizada aos viajantes. Contudo, sabe-se que a eficácia dessas precauções é pequena, considerando sua falha na prevenção da diarreia do viajante. Assim, as vacinas podem desempenhar um papel importante na prevenção e a vacinação contra a febre tifoide é recomendada para viajantes que visitam áreas onde há risco de exposição.[40]
Até o momento, existem três tipos de vacinas contra infecção tifoide: vacina oral de vírus vivo atenuado, vacina contendo polissacarídeo capsular Vi e as novas vacinas conjugadas Vi.
A vacina oral de vírus vivo é uma cepa atenuada de Salmonella typhi, Ty21a, que é um mutante de Ty2 com uma deficiência da enzima uridina-difosfogalactose 4-epimerase. Ela é avirulenta (falta do antígeno Vi), mas contém polissacarídeos imunogênicos da parede celular. A vacinação primária consiste em 1 cápsula com revestimento entérico ou sachê liofilizado em dias alternados para 3 a 4 doses. Ela funciona estimulando anticorpos séricos e mucosos de S typhi O, S typhi H e outros antígenos, além de estimular um conjunto de respostas imunes mediadas por células (incluindo células T citotóxicas). A eficácia é de cerca de 50% a 78% e a duração da proteção é de 3 a 4 anos.[41] A desvantagem da vacina é que o uso concomitante de antibióticos ou antimaláricos pode interferir na resposta do anticorpo. A vacina também precisa ser refrigerada, não pode ser administrada em crianças com menos de 6 anos de idade e depende das pessoas vacinadas até a conclusão das 3 a 4 doses necessárias.[42][43] Além disso, quando é de vírus vivo atenuado, a vacina é contraindicada na gestação e nas pessoas com imunossupressão mediada por células.
A vacina Vi contém o antígeno de polissacarídeo capsular purificado. O antígeno Vi é o denominado antígeno de virulência que permite que o S typhi sobreviva no sangue e cause septicemia. A vacina Vi contém apenas o componente Vi de S typhi e fornece uma soroconversão rápida após 1 dose.[12][44] É segura quando coadministrada com outras vacinas para viagem, incluindo antimaláricas, sem diminuição na resposta dos anticorpos. Pode ser administrada a partir dos 2 anos de idade. A duração da proteção parece ser de 2 a 3 anos, com eficácia de 50% a 67%,[41] apesar de, em um estudo realizado no Paquistão, a vacina não ter gerado nenhuma proteção estatisticamente significativa para crianças entre 2 e 5 anos de idade.[45] Apesar do fato de ser uma vacina polissacarídica, um estudo chinês mostrou que a revacinação causou um efeito potencializador, com média geométrica do título de anticorpos ligeiramente menor (mas a diferença era não significativa) que a vacinação primária.[46] A vacina está disponível, combinada com a vacina da hepatite A.[47]
As mais recentes vacinas conjugadas de S typhi Vi foram desenvolvidas conjugando a Vi com uma proteína carreadora (semelhante às vacinas conjugadas pneumocócicas e meningocócicas). Isto tem a vantagem de aumentar a imunogenicidade e, portanto, a eficácia (cerca de 90%) e o tempo de proteção, e também pode ser administrada a crianças.[48][49] Duas vacinas conjugadas contra infecção tifoide estão licenciadas no momento, e ambas contêm polissacarídeo Vi associado a toxoide tetânico (Vi-TT). A Organização Mundial da Saúde recomenda 1 dose da vacina Vi-TT (Typbar-TCV®) para bebês a partir de 6 meses de idade e adultos até 45 anos em regiões onde a febre tifoide é endêmica.[1]
Uma revisão Cochrane de vacinas contra tifoide constatou que a vacina Ty21a e a vacina de polissacarídeo Vi são eficazes para a prevenção de febre entérica em crianças com 2 anos ou mais e em adultos jovens que moram em regiões endêmicas de tifoide.[50] Ensaios clínicos randomizados e controlados de fase 3 que avaliaram a eficácia das vacinas conjugadas contra a febre tifoide no Nepal, Bangladesh e Malawi encontraram uma eficácia da vacina de cerca de 80% em todas as faixas etárias.[51][52][53]
Uma importante advertência em todas as estimativas da eficácia da vacina é que a maior parte é derivada de estudos em populações locais. Esses grupos podem ter um nível de imunidade preexistente e devem provavelmente ter mais exposição repetida e, por isso, um aumento da imunidade em comparação aos viajantes, entre os quais a eficácia da vacina nunca foi claramente estabelecida. Em um teste de desafio com modelos humanos, 112 voluntários do Reino Unido ingeriram inóculo de vacinação para S typhiafter com a vacina regular contendo polissacarídeo Vi ou a vacina conjugada (Vi-TT), e a eficácia de ambas as vacinas foi de aproximadamente 50%.[54]
A vacina oral de vírus vivo (Ty21a) não deve ser administrada durante a gravidez. Não há dados sobre a segurança da vacina Vi durante a gravidez; no entanto, não há nenhuma preocupação teórica com a segurança.[1][55]
Uma grande desvantagem de todas as vacinas acima mencionadas é a falta de proteção contra organismos S paratyphi. A vacina Vi purificada protege ao estimular os anticorpos séricos contra Vi, um antígeno que existe apenas em cepas de S typhi. Por outro lado, a vacina Ty21a atenuada com S typhi, que não expressa Vi, mas que medeia a proteção ao estimular uma imunoglobulina A (IgA) secretora vigorosa e uma resposta mediada por células, pode fornecer uma certa proteção contra organismos S paratyphi. Na verdade, um estudo israelense demonstrou que a vacina Vi forneceu mais proteção contra S typhi entre as pessoas que viajaram para a Índia, enquanto a Ty21a forneceu mais proteção contra S paratyphi A.[14] Uma análise retrospectiva de dados agrupados de estudos sobre a vacina Ty21a no Chile mostrou alguma proteção desta vacina somente contra infecções paratifoides B (eficácia de 49%).[56]
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