Abordagem
A febre no paciente com histórico de viagens recentes deve levantar a suspeita diagnóstica de infecção tifoide. Achados do exame físico característicos (por exemplo, bradicardia, manchas rosadas) podem ou não estar presentes e exames laboratoriais básicos pode auxiliar no diagnóstico. Um diagnóstico definitivo depende do isolamento do organismo, principalmente no sangue, enquanto os testes sorológicos ainda são bem menos confiáveis. Os principais fatores de risco incluem: adensamento populacional em áreas endêmicas, saneamento básico deficiente/água não tratada em áreas endêmicas, higiene pessoal precária em áreas endêmicas, visita a países endêmicos (por exemplo, subcontinente indiano, México), viagem para áreas com saneamento básico deficiente dentro de países endêmicos, desrespeito às regras de higiene durante viagem em países endêmicos e duração maior da visita em país endêmico.
Sinais e sintomas
A característica marcante da infecção tifoide é a febre. Classicamente, a temperatura aumenta de forma ascendente durante os primeiros dias de forma gradual, após a qual uma febre persistente, com uma temperatura de 39 °C a 41 °C (102 °F a 106 °F), é estabelecida. Isso é acompanhado em muitos pacientes de prostração e um estado apático-letárgico (o denominado 'tuphos' dos gregos antigos, a origem dos termos tifo e tifoide). Essa febre persistente típica, contudo, não é frequentemente observada, provavelmente devido à grande utilização de antipiréticos.
Os pacientes apresentam tipicamente, após o início da febre, sintomas semelhantes aos de gripe (influenza), incluindo calafrios (apesar de calafrios serem raros), uma incômoda cefaleia frontal, mal-estar, anorexia e náuseas, mas com poucos sinais físicos. A tosse é um sintoma relativamente frequente, enquanto a pneumonia secundária é uma ocorrência rara. Na maioria dos casos, sinais e sintomas abdominais surgem eventualmente. Podem incluir dor abdominal, constipação, diarreia, náuseas e vômitos. Mais uma vez, a porcentagem exata de pacientes com diarreia ocasionados por infecção tifoide é difícil de estabelecer, uma vez que outras coinfecções gastrointestinais podem existir.
O exame físico dificilmente ajuda o clínico no estabelecimento do diagnóstico, já que todos os pacientes ficam febris e o padrão de temperatura é raramente diagnóstico. O exame físico ocasionalmente revela bradicardia relativa, mas esse sinal não é universal nem diagnóstico. Manchas rosadas (lesões maculopapulares eritematosas sensíveis à vitropressão geralmente com 2-4 mm de diâmetro) são observadas em 5% a 30% dos casos.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Manchas rosadas no peito de um paciente com febre tifoideCDC/Armed Forces Institute of Pathology, Charles N. Farmer; usado com permissão [Citation ends].[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Manchas rosadas no abdome de um paciente com febre tifoideCDC/Armed Forces Institute of Pathology, Charles N. Farmer; usado com permissão [Citation ends].
Geralmente ocorrem no abdome e tórax e facilmente passam despercebidos em pacientes de pele escura. Em um estudo que comparou Salmonella typhi com S paratyphi em viajantes, não foram encontradas manchas rosas na infecção de S paratyphi.[31] Hepatomegalia e esplenomegalia podem existir.
Exames laboratoriais
O diagnóstico de febre entérica pode ser difícil devido à natureza muitas vezes inespecífica dos sintomas, à sobreposição com outras doenças febris e à sensibilidade relativamente baixa dos exames diagnósticos. Para um diagnóstico definitivo de febre tifoide e paratifoide (entérica), a Organização Mundial da Saúde recomenda o isolamento da bactéria em hemoculturas ou culturas de medula óssea.[1][57] As culturas de medula óssea são mais sensíveis (até 90%), mas na prática clínica as hemoculturas são a base do diagnóstico, dada a natureza invasiva da coleta de amostras de medula óssea.[58] O aumento da sensibilidade da cultura de medula óssea em comparação com a hemocultura é devido à maior concentração bacteriana na medula óssea.[57] A sensibilidade das hemoculturas é amplamente reconhecida como abaixo do ideal, com estimativas variando entre 40% e 87%.[58][59] Deve-se observar que a maioria dos estudos que relatam menor sensibilidade da hemocultura foram realizados antes que meios modernos de hemocultura e instrumentos de hemocultura continuamente monitorados estivessem disponíveis e geralmente utilizavam baixos volumes de sangue para cultura. É provável que novas técnicas apresentem sensibilidades mais elevadas.[57][60]
Uma vez que o número de bactérias no sangue em pacientes com infecção tifoide é geralmente baixo, é importante que um volume adequado de sangue seja coletado para cultura.[61] Uma revisão sistemática e metanálise que examinou os fatores que afetam a sensibilidade da hemocultura identificou uma relação significativa, embora modesta, entre o volume da amostra e a sensibilidade da hemocultura. Os autores estimam que a hemocultura como método de diagnóstico de febre tifoide aumenta de 51% para 2 mL de sangue para 65% para 10 mL, ou 3% para cada mililitro adicional.[58] Outros fatores que influenciam a sensibilidade das hemoculturas incluem o pré-tratamento com antibióticos e a duração da doença no momento da coleta da amostra. O momento ideal para a hemocultura é considerado na primeira ou segunda semana da doença, embora as culturas ainda possam permanecer positivas na terceira semana na ausência de exposição antimicrobiana.[57]
Em áreas endêmicas onde os antimicrobianos são frequentemente iniciados antes do diagnóstico definitivo, a sensibilidade da hemocultura pode ser tão baixa quanto 40%. Nessas circunstâncias, a cultura da medula óssea proporciona maior chance de recuperação do organismo (até 90%).[57][62] O organismo também pode ser cultivado a partir de uma amostra de biópsia das manchas rosadas, que foi relatada como positiva em 70% dos pacientes, embora na prática as manchas rosadas raramente estejam presentes.[57]
A coprocultura pode ocasionalmente ter resultado positivo, até mesmo quando a hemocultura apresentar resultado negativo, principalmente se o material for coletado mais de 1 semana após o início da febre. A S enterica pode ser isolada das fezes em até 30% dos pacientes, especialmente se for coletada mais de uma amostra.[57] Como ocorre o transporte prolongado da S typhi nas fezes, uma coprocultura positiva é interpretada com cautela e o diagnóstico é estabelecido apenas quando acompanhado por um quadro clínico típico. Essa limitação não se aplica a viajantes provenientes de países não endêmicos. A urocultura também pode ser positiva após a primeira semana da infecção, embora sua sensibilidade seja muito menor que a coprocultura (isolada em <1% dos pacientes com febre tifoide).[57]
O teste de Widal, que já tem mais de 100 anos, mede anticorpos contra os antígenos O e H de S typhi. Baixos níveis de especificidade e sensibilidade diminuem sua utilidade diagnóstica. Além disso, uma vacinação anterior contra infecção tifoide pode causar um teste positivo.[63] Em geral, o teste de Widal não é considerado confiável e não é recomendado.[59]
Existe a necessidade de um exame diagnóstico rápido e confiável que substitua o teste de Widal. A sensibilidade, a especificidade e os valores preditivos positivos e negativos, num teste ideal, devem chegar a 100%, com a necessidade de uma única amostra aguda apenas. Além disso deve ter a capacidade de diagnosticar tanto S typhi quanto S paratyphi. Para isso, uma série de novos testes estão sendo desenvolvidos. No entanto, uma revisão Cochrane constatou que testes diagnósticos rápidos têm apenas moderada precisão de diagnóstico.[64]
Os exames laboratoriais de bioquímica e hematologia são importantes, porém inespecíficos. Anormalidades leves da função hepática são comuns, com os níveis de transaminase geralmente 2 a 3 vezes o limite superior do normal. Leucopenia e trombocitopenia ocorrem, mas não são universais nem diagnósticas, sendo que podem ocorrer em outras doenças tropicais, como dengue e malária.[59] Em crianças mais novas, a leucocitose é um achado comum.[59]
Testes de suscetibilidade antimicrobiana são necessários para todas as infecções confirmadas para orientar o tratamento.
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