Etiologia

A síndrome de Guillain-Barré (SGB) é caracterizada por um ataque mediado imunologicamente na bainha de mielina ou nas células de Schwann dos nervos sensoriais e motores. Isso ocorre por causa dos mecanismos imunológicos celulares e humorais, desencadeados frequentemente por uma infecção anterior.

Embora a predisposição genética não tenha sido totalmente estabelecida, a apresentação como neuropatia axonal motora aguda (NAMA) ocorre mais no Japão e na China que na América do Norte ou Europa. Polimorfismos em genes que codificam mediadores de macrófagos (metaloproteinase da matriz-9 e fator de necrose tumoral alfa) têm sido associados a fraqueza grave e a um desfecho pior em pacientes com SGB.[27] Uma metanálise sugeriu associação entre a SGB e os polimorfismos do gene FcgammaRIIa e, em menor grau, com o exon 2 do polimorfismo CD1E, em pessoas brancas.[28]

Dois terços dos pacientes com SGB tiveram infecções nos 6 meses anteriores ao início dos sintomas, mais comumente infecção do trato respiratório superior e gastroenterite. A doença infecciosa aguda geralmente é viral (citomegalovírus [CMV], vírus Epstein-Barr [EBV], hepatite E), mas às vezes bacteriana (espécies Campylobacter jejuni, Mycoplasma). Os desencadeadores infecciosos mais identificados incluem C jejuni (em 13% a 39% dos casos), CMV (5% a 22%), EBV (1% a 13%) e Mycoplasma pneumoniae (5%).[29][30][31]A infecção por C jejuni precede cerca de 60% a 70% dos casos de NAMA e neuropatia axonal motora/sensorial aguda (NAMSA) e até 30% dos casos de polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória aguda (PDIA).[32][33]

A SGB foi demonstrada em pacientes com doença do coronavírus confirmada 2019 (COVID-19) e outras infecções por coronavírus humano.[34] Todas as variantes de SGB foram relatadas em pacientes de COVID-19.[23][24][25] O intervalo mediano entre o início dos sintomas de COVID-19 e o desenvolvimento de SGB foi de 11.5 dias e 14 dias em duas revisões sistemáticas.[23][25] Esse intervalo de tempo sugere um mecanismo mediado imunologicamente pós-infeccioso, mas os detalhes ainda não foram estabelecidos.[23][35]

As imunizações têm sido propostas para desencadear a SGB, mas esta sugestão é controversa e foi baseada principalmente em dados relacionados às vacinas contra a influenza suína não mais usadas (EUA em 1976) e a vacina antirrábica contendo material cerebral.[36][37] No entanto, um estudo não encontrou evidências de aumento do risco de SGB após a vacina contra influenza sazonal, e estudos de coorte não encontraram risco de SGB após a vacina meningocócica conjugada A, C, Y e W135 (MCV4).[38][39]

Evidências epidemiológicas indicam que o risco relativo de SGB após a imunização é muito menor do que após uma doença infecciosa, especialmente para gripe (influenza).[40][41] Há um risco comparativamente maior para vacinas contra pandemias do que de vacinas sazonais.[42] Da mesma forma, há relatos de casos ocasionais de SGB associado à vacinação contra COVID-19, mas considerando o número de vacinações em todo o mundo, é provável que seja uma ocorrência relativamente rara.[26]

Casos de SGB foram relatados após o surto do vírus da Zika em 2013, possivelmente secundário ao mimetismo molecular, com um papel putativo proposto para gangliosídeos.[43][44][20][45] Várias outras infecções virais de transmissão por mosquito, como dengue, chikungunya e encefalite japonesa, também foram ligadas à SGB.[46][47][48][49]

Fisiopatologia

A síndrome de Guillain-Barré (SGB) é uma doença autoimune na qual os anticorpos contra gangliosídeos desempenham um papel importante. Eles desencadeiam um ataque em vários componentes da mielina do nervo periférico e, às vezes, dos axônios.[50][51] O mecanismo disso não está claro, mas pode ser uma consequência do mimetismo molecular, quando os anticorpos ou as células T estimuladas por epítopos antigênicos no micróbio infectante reagem de forma cruzada com epítopos neurais.[52] Os anticorpos gerados pelo hospedeiro contra os gangliosídeos relacionados a GM1, GD1a, GalNac-Gd1a e GD1b estão fortemente associados a um subtipo de neuropatia axonal motora aguda (NAMA), neuropatia axonal motora-sensorial aguda (NAMSA) e síndrome de Miller-Fisher (SMF).[17][53][54][55][56][57] A NAMA é associada aos anticorpos contra GM1, GD1a, GalNac-GDa1 e GD1b.[53][54][58][59]

A síndrome de Guillain-Barré (SGB) sensorial pura pode ser associada a anticorpos contra GD1b.[9] Tem sido observado que complexos de gangliosídeos influenciam o fenótipo. Os anticorpos contra GD1a/GD1b ou GD1b/GT1b podem causar SGB grave, e os anticorpos contra complexos que contêm GQ1b ou GT1a têm maior probabilidade de causar oftalmoplegia em pacientes com SGB e síndrome de Miller-Fisher.[60]

Em infecções relacionadas a C jejuni, sabe-se que o mimetismo de carboidratos entre o lipo-oligossacarídeo capsular bacteriano e os gangliosídeos e glicolipídeos de mielina específicos induz os anticorpos contra mielina.[61][62]

Uma cascata imunológica ocorre em polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória aguda (PDIA) com infiltrados linfocíticos precoces em raízes espinhais e nervos periféricos. A subsequente remoção segmentar da mielina mediada por macrófagos ocorre levando à desmielinização segmentar e infiltração celular mononuclear.[5] A perda segmentar das propriedades de isolamento causa falhas profundas na propagação dos impulsos elétricos do nervo, resultando em bloqueio da condução e na correlação funcional da paralisia flácida.[63] Assim que a reação imunológica para, o reparo e a remielinização começam imediatamente, as quais estão correlacionadas com uma rápida e, na maioria dos casos, completa recuperação da paralisia flácida.[5]

A NAMA pode ser diferenciada da PDIA pelos achados da autópsia de denervação axonal dos nervos motores e sensoriais sem desmielinização e com inflamação mínima.[64][65] A primeira mudança patológica demonstrada parece ser a ligação da imunoglobulina G (IgG) e de componentes ativados do complemento ao axolema nos nós de Ranvier em grandes fibras motoras.[66] Os macrófagos são atraídos a esses nós e rastreiam as lamelas de mielina soltas ao longo do espaço periaxonal. Isso dissecciona o axônio da célula de Schwann sobreposta e da mielina compacta. Os axolemas em contato com os macrófagos invasores são destruídos focalmente, enquanto os axônios mostram mudanças denervativas progressivas que chegam ao ponto de desintegração total.[65]Sabe-se que as cepas de C jejuni associadas ao padrão NAMA de SGB têm epítopos tipo GM1 na membrana de lipossacarídeo.[7] Estudos patológicos sugerem perda grave e seletiva de axônios motores terminais, enquanto as fibras sensoriais distais ficam completamente intactas.[67][68]

Classificação

Variantes de Guillain-Barré

A síndrome de Guillain-Barré (SGB) é classificada de acordo com os sintomas e dividida nas formas axonal e desmielinizante.

  • Sensorial e motora: PDIA (mais comum) ou NAMSA.[5]

  • Motora: neuropatia desmielinizante motora aguda ou NAMA.[5]

  • Síndrome de Miller-Fisher: oftalmoplegia, ataxia e arreflexia (também chamada de síndrome de Fisher).

  • Encefalite do tronco encefálico de Bickerstaff: semelhante à síndrome de Miller-Fisher, mas também inclui alteração do nível de consciência (encefalopatia), ou hiper-reflexia ou ambos.[6]

  • Faríngeo-cervical-braquial: fraqueza aguda nos braços, disfunção de deglutição e fraqueza facial.[5]

  • Pandisautonomia aguda: diarreia, vômitos, tontura, dor abdominal, íleo paralítico, hipotensão ortostática e retenção urinária, pupilas tônicas bilaterais, frequência cardíaca flutuante, diminuição da transpiração, salivação e lacrimejamento.[7][8]

  • Sensorial pura: perda sensorial aguda, ataxia sensorial e arreflexia, mas sem envolvimento motor.[9]

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