Abordagem

Não há cura para a doença de Ménière (DM). Os objetivos do tratamento são o controle da vertigem, a prevenção de uma deterioração adicional da audição sempre que possível, a melhora do zumbido e o controle do equilíbrio. As opções de tratamento, entretanto, não parecem influenciar os resultados da audição ou a história natural da DM.[46]

A hidropisia endolinfática tem sido implicada na fisiopatologia ou na patogênese da DM e, portanto, o tratamento dos pacientes com DM tem sido tradicionalmente orientado para a diminuição da pressão endolinfática. Isso foi questionado por um estudo que sugeriu que tais medidas que visam à redução da hidropisia provavelmente não controlam a doença. Alguns estudos histopatológicos dos ossos temporais sugerem que, apesar da hidropisia endolinfática ser um marcador histológico para a doença de Ménière (DM), ela não é diretamente responsável pelos sintomas.[16] No entanto, estudos de 2010 demonstram, por meio de ressonância nuclear magnética, o papel central da hidropisia endolinfática na patologia da DM.[17] É importante notar que existe controvérsia nas pesquisas que avaliam a eficácia de diferentes terapias para a DM.[47][48][49]

Modificações alimentares e de estilo de vida

Todos os pacientes devem ser instruídos sobre modificações alimentares e de estilo de vida. Os pacientes devem ser aconselhados a restringir a ingestão de sal a 1500 a 2300 mg/dia, pois acredita-se que isso previna a retenção de água relacionada ao sódio e a sua redistribuição para o sistema endolinfático.[21][50]​​ Apesar de não existirem ensaios clínicos randomizados e controlados (ECRCs) para documentar os benefícios de uma dieta pobre em sal no tratamento da DM, os pacientes frequentemente relatam uma exacerbação dos sintomas ou até mesmo o desencadeamento de um ataque após uma refeição salgada.[50][51]

Limitar a ingestão de cafeína, reduzir o consumo de bebidas alcoólicas, abandonar o tabagismo e gerenciar o estresse também são aconselháveis, já que esses fatores podem desencadear um ataque. No entanto, não há evidências de ECRCs para corroborar ou refutar a restrição da ingestão de sal, cafeína ou bebidas alcoólicas nos pacientes com DM.[51][52]

Tais mudanças alimentares podem ser o único tratamento necessário nos estágios iniciais da doença.

Terapia medicamentosa para diminuir a pressão endolinfática

Acredita-se que os diuréticos reduzem o volume da endolinfa e possam ser oferecidos para terapia de manutenção.[21][53]​ Os diuréticos mais comumente usados no tratamento da DM são as tiazidas com ou sem diuréticos poupadores de potássio (por exemplo, hidroclorotiazida/triantereno) e a acetazolamida.[21] Considera-se que os diuréticos tiazídicos atuam nos níveis de sódio/potássio da adenosina trifosfatase na estria vascular nos tecidos cocleares e têm um efeito sobre a manutenção da homeostase da endolinfa.[54] Acredita-se que a acetazolamida atue na anidrase carbônica em células escuras e na estria vascular.[50] Se o paciente permanecer sem sintomas por 6 meses, os diuréticos podem ser gradativamente reduzidos e reiniciados se necessário. Se não houver resposta, um diurético alternativo deverá ser prescrito ao paciente. Esses medicamentos não devem ser utilizados em pacientes com reação suspeita ou conhecida a sulfonamidas.

A evidência da eficácia dos diuréticos na DM é controversa, e faltam evidências diretas na literatura de sua eficácia sobre a progressão da doença.​​[2]​ No entanto, os diuréticos ainda são considerados por muitos médicos o tratamento de primeira linha nos pacientes com DM.

Tratamentos sintomáticos

Vertigem

Os sintomas de episódios de vertigem agudos e individuais podem ser tratados com supressores vestibulares e antieméticos. No entanto, muito do efeito vem da ação sedativa desses medicamentos. Faltam ECRCs na literatura que avaliem os efeitos desses medicamentos em ataques agudos de doença de Ménière (DM). Os tratamentos comumente usados incluem anti-histamínicos (por exemplo, dimenidrinato, prometazina), benzodiazepínicos (por exemplo, diazepam) e fenotiazinas (por exemplo, proclorperazina).[55] Diazepam só deve ser usado em ataques agudos.[21] Ele deve ser prescrito em doses baixas sempre que possível e a prescrição de longo prazo deve ser evitada devido ao risco de dependência. Anticolinérgicos (por exemplo, hioscina e atropina) não costumam ser prescritos devido ao seu perfil de efeitos colaterais significativos.[21]

A beta-histina é usada em alguns países para reduzir a frequência e a gravidade dos ataques de vertigem em pacientes com DM. No entanto, uma revisão Cochrane não encontrou evidências suficientes para mostrar sua eficácia em pacientes com DM, e um ECRC de 2016 não encontrou diferenças significativas na taxa média de ataques, em comparação com placebo.[56][57]

Os corticosteroides, usados por via oral ou através de injeções intratimpânicas, podem ser usados para tratar os ataques agudos de vertigem, especialmente quando estes forem acompanhados de perda auditiva aguda e de zumbido. Eles são amplamente utilizados por causa de suas propriedades anti-inflamatórias, apesar de nenhum ECRC estar disponível para avaliar sua eficácia na DM.[58]

Zumbido

Os pacientes com zumbido intenso e intratável podem receber alívio com várias modalidades, como o mascaramento do zumbido, a terapia de retreinamento do zumbido (TRT), várias formas de terapias sonoras como a redução do zumbido por técnicas neuromonics, amplificações, medicamentos e biofeedback. Questionários sobre o zumbido são úteis na avaliação da gravidade do problema e na documentação dos efeitos de várias modalidades de tratamento.[59][60][61]

O mascaramento do zumbido (geradores de ruídos brancos) é realizado através de dispositivos similares às próteses auditivas que se encaixam atrás da ou na orelha. Eles produzem um ruído externo que distrai o paciente do barulho do zumbido interno.

A TRT consiste em aconselhamento acompanhado de geradores de ruídos brancos. A TRT é o tratamento preferencial, mas pode levar até 18 meses para que os benefícios completos sejam atingidos.[62][63]

A amplificação (próteses auditivas) pode ajudar a mascarar o zumbido e a atingir a inibição residual.

As técnicas de biofeedback representam uma tentativa de diminuir a ansiedade que está associada ao zumbido. Isso pode ser alcançado através de técnicas de relaxamento, da hipnose e de terapia cognitivo-comportamental.

Métodos de neuromonics utilizam um estímulo neural personalizado associado a músicas específicas, transmitido através de um programa coordenado para interagir com, interromper e dessensibilizar a perturbação do zumbido para benefício em longo prazo.[64][65][66]

Medicamentos como antidepressivos (por exemplo, amitriptilina) e benzodiazepínicos (por exemplo, alprazolam) podem ajudar os pacientes com zumbido intratável, mas eles estão associados a efeitos adversos.[67] Esses medicamentos devem ser usados apenas se as técnicas acima não tiverem sucesso e se o zumbido debilitante persistir.

Perda auditiva

A perda auditiva súbita é tratada com corticosteroides (tanto por via oral como por via intratimpânica).

A amplificação através do uso de próteses auditivas totalmente digitais com um sistema de circuitos variáveis e ajustáveis digitalmente deve ser avaliada. A visão tradicional que sustenta que a amplificação não funciona em pacientes com a DM não se baseia na experiência com a amplificação moderna.

Novas formas de microfones direcionais, sistemas de circuitos de processamento digital de sinais e tecnologia wireless podem proporcionar benefícios significativos e ajudar os pacientes com a DM a ouvir melhor em ambientes com ruído competitivo.[68]

Os dispositivos de audição assistida são uma forma de amplificação para aqueles com dificuldades situacionais de audição e que não estão aptos ou dispostos a usar próteses auditivas pessoais.

O aconselhamento audiológico intensivo de alta qualidade é necessário para os pacientes com a DM que estão se adaptando ou em fase de aceitação da amplificação.

Terapia intratimpânica

Na terapia intratimpânica, os medicamentos são injetados dentro do ouvido médio e então absorvidos através da janela da cóclea para dentro do sistema de fluidos da orelha interna. Isso permite o direcionamento para o sistema do ouvido interno sem expor o corpo a efeitos adversos sistêmicos pelo uso de medicamentos.

Dois agentes podem ser usados por via intratimpânica nos pacientes com DM, dependendo dos sintomas manifestos. Os corticosteroides por via intratimpânica são mais comumente usados em pacientes com DM que apresentam um início súbito de perda auditiva.[69]​ As injeções de gentamicina (um antibiótico aminoglicosídeo) por via intratimpânica são úteis no tratamento da vertigem intratável.

As injeções de corticosteroides por via intratimpânica (por exemplo, dexametasona ou metilprednisolona) são usadas em pacientes com a DM nos quais os corticosteroides sistêmicos sejam contraindicados, ou em pacientes que não respondem a corticosteroides orais. Um ECRC duplo-cego não encontrou nenhuma diferença significativa entre a gentamicina intratimpânica e a metilprednisolona intratimpânica no controle dos ataques de vertigem em pacientes com DM refratária unilateral.[70] A taxa de sucesso relatada do uso de corticosteroides por via intratimpânica é variável em outros estudos.[58][71][72][73]

Quando injetada no ouvido médio, a gentamicina preferencialmente destrói o labirinto vestibular. Isso resulta em uma labirintectomia química e é uma alternativa à labirintectomia cirúrgica em pacientes com vertigem intratável. A perda auditiva pode ser minimizada por ajuste meticuloso da dose de gentamicina para o controle da vertigem, suspendendo a terapia aos primeiros sinais de perda auditiva e com um acompanhamento constante através de audiometrias repetidas. Essa abordagem resulta em controle completo (81.7%) e efetivo (96.3%) da vertigem.[74] Uma metanálise mais recente sobre as injeções de gentamicina revelou um controle completo da vertigem em cerca de 75% dos pacientes e o controle completo ou substancial em cerca de 93% deles.[75]​ Os níveis de audição e de reconhecimento de palavras não se deterioram com o tratamento. Nenhum dos ensaios foi duplo-cego ou teve um controle cego e prospectivo; portanto, o nível de evidência foi insuficiente.[75] A perda auditiva geral, como uma complicação da injeção de gentamicina, foi encontrada em 25% dos pacientes, variando de 13.1% a 34.7%. Em um ensaio clínico prospectivo, duplo cego, randomizado e controlado por placebo o tratamento com gentamicina intratimpânica revelou um escore reduzido da gravidade da vertigem e da percepção da plenitude aural no grupo de tratamento.[76] Evidências sugerem que injeções intratimpânicas de gentamicina melhoram os sintomas de vertigem, são bem toleradas e têm baixa incidência de perda auditiva grave.[21]​ No entanto, duas revisões sistemáticas em 2023 constataram que as evidências para o uso de gentamicina intratimpânica e injeções de corticosteroides no tratamento de pacientes com DM são incertas.[77][78]

Aparelho de Meniett

O aparelho de Meniett é um dispositivo portátil que proporciona impulsos de pressão intermitente através do meato acústico externo e é autoadministrado 3 vezes ao dia. Um tubo de timpanostomia é colocado na membrana timpânica e deve ser mantido acessível ao longo de todo o tratamento. Considera-se que o tratamento com pressão induz um movimento longitudinal da endolinfa e melhora a condição hidrópica. As evidências do aparelho de Meniett para uso na DM parecem ser mistas. ECRCs iniciais mostraram que o uso do aparelho de Meniett reduziu significativamente a frequência de vertigem em dois terços dos pacientes e que a melhora foi mantida em longo prazo.[79] Além disso, não foram relatados efeitos adversos graves nos ensaios clínicos.[80] Por outro lado, revisões sistemáticas que avaliaram a eficácia dos dispositivos de terapia de pressão positiva (incluindo o aparelho de Meniett ou similar) não foram capazes de mostrar qualquer benefício desses dispositivos na melhora dos sintomas de DM.[81][82]​ As diretrizes de 2020 da American Academy of Otolaryngology não recomendam o uso de terapia de pressão positiva em pacientes com DM.[21]

Terapia cirúrgica

O manejo cirúrgico dos pacientes com a DM mudou como resultado da introdução de procedimentos menos invasivos, incluindo a terapia intratimpânica e o aparelho de Meniett.

As abordagens cirúrgicas são usadas em pacientes com vertigem intratável que são refratários à terapia medicamentosa. A escolha entre esses procedimentos depende da gravidade dos episódios de vertigem, do grau de audição aproveitável, da idade e da condição física do paciente, da condição do ouvido oposto e da escolha do paciente.

Os métodos cirúrgicos estão divididos em procedimentos não destrutivos, que revertem a fisiopatologia da hidropisia e preservam a audição, como a cirurgia do saco endolinfático (CSE); e procedimentos destrutivos, que suprimem a resposta vestibular através da destruição da orelha interna (como na labirintectomia) ou pela secção do nervo vestibular (como na neurectomia vestibular).

A cirurgia do saco endolinfático (CSE) é um procedimento que consiste na descompressão do saco endolinfático do osso sobrejacente e na drenagem da endolinfa. Seu papel na DM é controverso, com estudos que mostram a resolução da vertigem em 90% dos casos e outros que demonstram que ela não é mais eficaz que o placebo, ou que não há evidências suficientes sobre o efeito benéfico da cirurgia do saco endolinfático (CSE) na DM.[7][83][84][85]​​[86][87][88]​ Uma pesquisa sistemática na literatura e metanálise recente revelou uma escassez de estudos sobre esse procedimento cirúrgico, indicando que a cirurgia do saco endolinfático (CSE) pode ser um tratamento benéfico para os pacientes com DM.[88]​ No entanto, são necessários estudos adicionais para se alcançar um melhor entendimento sobre a eficácia da cirurgia do saco endolinfático (CSE) para o tratamento de DM.

A labirintectomia resulta na perda da audição residual e portanto é indicada em pacientes que possuem audição não aproveitável. A secção do nervo vestibular tem como objetivo preservar a audição residual e é portanto uma alternativa para os pacientes com audição aproveitável.

Terapia de reabilitação vestibular e do equilíbrio

A terapia de reabilitação vestibular e do equilíbrio é recomendada para os pacientes que apresentam problemas de equilíbrio.[89][90] Originalmente, os pacientes considerados para a terapia vestibular eram os que haviam recebido o tratamento da vertigem por cirurgia destrutiva ou por injeções de gentamicina por via intratimpânica mas que se queixavam de desequilíbrio persistente. Relatou-se que os pacientes nos quais a vertigem é controlada por terapia medicamentosa ou por injeções de corticosteroides por via intratimpânica e que se queixam de desequilíbrio podem beneficiar da terapia vestibular.[91] A terapia vestibular não deve ser recomendada a pacientes com DM que apresentam ataques de vertigem agudos.[21]

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