Abordagem
A síndrome compartimental abdominal (SCA) é observada com maior frequência em pacientes da unidade de terapia intensiva (UTI) em estado crítico. O diagnóstico de SCA pode ser dividido em 3 componentes: identificação de pacientes com risco; reconhecimento de sinais clínicos associados à transição de hipertensão intra-abdominal para SCA; e medições proativas para confirmar a suspeita diagnóstica.
A identificação dos fatores de risco permite a detecção precoce de hipertensão intra-abdominal e SCA.[17] Entre os achados clínicos clássicos estão incluídos o aumento da pressão nas vias aéreas, a diminuição de débito urinário e a tensão abdominal no exame físico. Contudo, esses achados são inespecíficos e, muitas vezes, só clinicamente aparentes quando há SCA grave. Recomenda-se que o monitoramento protocolar e precoce de pressão intra-abdominal (PIA) seja feito em todos aqueles que apresentam dois ou mais fatores de risco para hipertensão intra-abdominal (HIA) ou SCA.[1] O monitoramento de PIA contínuo deve ser iniciado assim que houver suspeita de diagnóstico de hipertensão intra-abdominal ou SCA. Os fatores envolvidos na determinação da frequência de monitoramento da PIA incluem a medição da pressão inicial, a capacidade para alterar fatores etiológicos e de risco e a evolução do quadro clínico.
História e exame físico
O mais importante para o diagnóstico é iniciar precocemente o monitoramento de PIA em pacientes de risco. A principal função da história é identificar esses pacientes. Os fatores de risco incluem ressuscitação fluídica excessiva (>3 L em 24 horas), transfusão de sangue maciça (>10 unidades em 24 horas), infecção/inflamação intra-abdominal recente (especialmente peritonite e pancreatite), hemoperitônio, íleo paralítico, pneumoperitônio, perda de domínio abdominal, complacência abdominal diminuída e história de cirrose. O termo "perda do domínio abdominal" refere-se à situação em que há mais vísceras fora da cavidade abdominal que dentro, porque esta não é capaz de acomodar todo o conteúdo abdominal dentro dos limites fasciais.
A tensão e a distensão abdominal são os principais sinais clínicos. Os pacientes também têm dificuldade em manter a oxigenação e a ventilação-minuto devido à transmissão de pressão ao tronco. Os sinais finais incluem a oligúria que evolui para anuria, a hipotensão e um aumento no pico de pressão das vias aéreas.
Monitoramento de PIA
O monitoramento protocolar da PIA é o único modo de se estabelecer um diagnóstico e deve ser feito em todos os pacientes com dois ou mais fatores de risco para HIA) ou sinais clínicos de SCA.[1] Caso a PIA basal esteja elevada, são realizadas medições da PIA em série.[1] A pressão deve ser monitorada pelo menos a cada 3 a 4 horas, mas é necessário aumentar a frequência das medições se a pressão estiver elevada ou o quadro clínico estiver mudando rapidamente. Com isso, os médicos têm a oportunidade de intervir precocemente de modo a evitar a evolução da doença.
A pressão de perfusão abdominal é a diferença entre a pressão arterial (PA) média e a PIA. Deve ser 60 mmHg ou superior para que a perfusão dos órgãos seja mantida adequadamente. O diagnóstico é estabelecido como a seguir:[1]
PIA maior que 12 mmHg indica hipertensão intra-abdominal, que é classificada de acordo com a gravidade: grau I (12 a 15 mmHg), grau II (16 a 20 mmHg), grau III (21 a 25 mmHg) e grau IV (>25 mmHg).
PIA superior a 20 mmHg (grau III ou IV), com ou sem pressão de perfusão abdominal abaixo de 60 mmHg, com novos episódios de insuficiência ou disfunção de órgãos, indicam SCA.
Em pacientes pediátricos, a PIA exata que sinaliza a transição da hipertensão intra-abdominal para SCA não é conhecida atualmente, mas uma PIA maior de 10 mmHg com disfunção de órgãos de início recente tem sido proposta para crianças.[8] Entretanto, pesquisas adicionais são necessárias para estabelecer um limiar.
A PIA é medida com um transdutor de pressão posicionado na bexiga.[18][19][20] A bexiga é cateterizada, e são gotejados na bexiga 25 mL de soro fisiológico esterilizado. O tubo do cateter é pinçado e uma agulha é inserida através do canal de coleta de espécimes próximo à pinça, ou de um canal lateral sem agulha, e conectada a um transdutor de pressão calibrado (zerado no nível da linha axilar média). O aumento na pressão medida com palpação leve do abdome confirma a grande precisão da transdução de pressão. Para garantir exatidão e reprodutibilidade, a pressão deve ser medida no fim da expiração, com o paciente deitado completamente de costas,pois alterações leves na elevação da cabeceira do leito podem aumentar significativamente as medições da PIA.[2][21][22] Não deve haver contrações dos músculos abdominais, o que pode ser obtido com o uso de sedativos e, em casos raros, paralisia farmacológica. Além disso, a utilização de pressão expiratória final positiva não parece afetar a PIA medida.[23]
Modificações deste sistema permitem medições contínuas.[24][25][26] Atualmente encontram-se disponíveis comercialmente dispositivos que permitem a medição da pressão transvesical sem o uso de punção com agulha e sem os riscos associados às perfurações com agulha.[27] A PIA pode ser avaliada com base em outros pontos relacionados à região intra-abdominal, como a veia cava inferior, o reto ou a própria cavidade abdominal.[28][24] No entanto, esses métodos não são recomendados como rotina.
Monitorização das funções orgânicas
Os pacientes desenvolvem função dos órgãos prejudicada que deve ser monitorada. É importante monitorar a adequação da perfusão, as alterações no estado ácido-básico e a função dos órgãos. Acidose inexplicada ou agravada, função pulmonar prejudicada e alterações na função renal são as manifestações mais comuns da disfunção de órgãos associadas à SCA. As investigações a seguir são necessárias:
Eletrólitos séricos, ureia e creatinina são necessários para o monitoramento da função renal e do equilíbrio eletrolítico associado.
As medições da gasometria arterial são necessárias para o monitoramento dos distúrbios no equilíbrio ácido-básico. A acidose é comum e, geralmente, ela é metabólica ou mista metabólica e respiratória.
A PA deve ser monitorada regularmente; pode ser necessário um monitoramento invasivo. É importante observar que o aumento na PIA pode desacreditar as medições da pressão venosa central ou da pressão de oclusão da artéria pulmonar.
A saturação do oxigênio deve ser monitorada em todos os pacientes.
No caso dos pacientes ventilados mecanicamente, é possível medir diretamente a intensidade máxima da pressão nas vias aéreas; o aumento na intensidade máxima da pressão nas vias aéreas é um sinal tardio.
Investigações radiológicas
Tomografia computadorizada (TC) abdominal
É usada com frequência para identificar afecções patológicas intra-abdominais subjacentes. Não é usada para avaliar uma elevação na PIA. Entretanto, uma interpretação cuidadosa do estudo da TC pode revelar sinais associados de PIA elevada. O principal sinal é a "circularização" do contorno abdominal transversal, definida pelo aumento da razão entre os diâmetros anteroposterior:transversal, em decorrência do aumento da pressão. Se esse sinal for encontrado, a medição e o monitoramento da PIA devem ser considerados para que se obtenha um diagnóstico definitivo.[29][30][31][32]
Ultrassonografia abdominal
É usada para identificar afecções patológicas intra-abdominais subjacentes e, cada vez mais, avaliar o volume intravascular no ambiente da UTI. Se a ultrassonografia mostrar a presença de líquido intra-abdominal, compressão de veia renal ou de veia cava inferior, a medição e o monitoramento da PIA devem ser considerados para que a hipertensão intra-abdominal e a SCA sejam descartadas.[33]
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