Etiologia
A hipertensão intra-abdominal e a síndrome compartimental abdominal (SCA) compartilham a mesma etiologia, e as distinções clínicas são pontos ao longo de um continuum. As afecções subjacentes que produzem o aumento da pressão intra-abdominal (PIA) estão divididas em causas primárias e secundárias.
As causas primárias se devem à complacência abdominal diminuída, presença de uma lesão intra-abdominal ou retroperitoneal ou um processo patológico. São menos comuns que as causas secundárias.
Diminuição da complacência abdominal: processos que diminuem a complacência abdominal (isto é, a elasticidade da parede abdominal e do diafragma), como obesidade grave, queimaduras com escaras na parede abdominal e assincronia ventilatória grave com uso de músculos acessórios, podem aumentar significativamente a PIA.[5]
Infecção/inflamação intra-abdominal: infecções causando peritonite generalizada podem gerar inflamação intensa das superfícies peritoneais e do intestino. Ressuscitação fluídica significativa e intervenção cirúrgica são necessárias com frequência, que podem resultar em edema intestinal e produção de líquido peritoneal. Isto é particularmente proeminente na população pediátrica, em que a enterocolite infecciosa é um fator de risco significativo para o desenvolvimento de SCA em crianças.[6] A resposta inflamatória em pancreatite aguda grave resulta em SCA em aproximadamente 40% dos casos, com um aumento significativo na mortalidade.[7][8]
Hemoperitôneo: pode ser produzido por ruptura de um aneurisma roto da aorta abdominal, trauma venoso ou arterial ou ruptura de tumores hepáticos. Estes pacientes precisam de ressuscitação fluídica e transfusão maciça, razão pela qual também apresentarão edema intestinal e ascite. O hemoperitônio pode provocar PIAs suficientemente altas para causar SCA. No entanto, como a ressuscitação fluídica é tentada inicialmente, o hemoperitônio é mais frequentemente observado em associação com ascite e edema intestinal.
Íleo paralítico: qualquer processo que diminui ou prejudica o trânsito normal de conteúdos intestinais (íleo paralítico, obstrução mecânica ou íleo pseudo-obstrutivo) pode levar ao acúmulo de conteúdo luminal, o que causa distensão intestinal e aumento da PIA.
Pneumoperitôneo: pode ser resultado da progressão de um processo fisiopatológico, como úlcera péptica ou diverticulite, que provoca perfuração da víscera. Também é induzido intencionalmente antes da laparoscopia; porém, a SCA só se desenvolverá se o limite superior da pressão for inadequadamente alto.
Cirrose hepática: pacientes com maior quantidade inicial de ascite apresentam maior risco de evoluir para SCA se houver aumento da pressão abdominal por outra causa.
As causas secundárias se devem a ascite tensa ou edema de um intestino de outra forma normal.
A ressuscitação fluídica excessiva é a causa mais comum de SCA, geralmente com um componente cristaloide significativo.[9] Nesse contexto, define-se "excessiva" como a administração de mais de 3 L na ressuscitação fluídica intravenosa em um período de 24 horas. Tal nível de ressuscitação é frequentemente necessário quando o paciente apresenta sepse, trauma grave, sangramento, queimaduras ou coagulopatias.[10][11]
Protocolos de transfusão de sangue maciça (>10 unidades em 24 horas) também são causas comuns; estes geralmente são administrados quando o paciente apresenta lesão traumática grave ou coagulopatia pós-traumática.
Na prática, muitas causas primárias requerem ressuscitação fluídica e/ou transfusão maciça, o que aumenta o edema intestinal e a produção de líquido peritoneal. Por essa razão, os pacientes apresentam um misto de causas primárias e secundárias para o aumento de PIA.
Fisiopatologia
O compartimento intra-abdominal é delimitado inferiormente pelo assoalho pélvico, circunferencialmente pela parede abdominal e superiormente pelo diafragma. Embora divida o tórax e o abdome anatomicamente, o diafragma não é uma barreira rígida, motivo pelo qual permite que pressões sejam transmitidas do abdome para o tronco. Em circunstâncias normais, a pressão intra-abdominal (PIA) é de 5 a 7 mmHg. No entanto, certos estados fisiológicos estão associados a uma PIA maior, sem consequências adversas. Isto pode ser observado em pacientes grávidas e pessoas com IMC igual a 30 ou acima.[2][12] O compartimento abdominal não é expansível, e um aumento na PIA, portanto, afeta o fluxo sanguíneo para os tecidos intracompartimentais. A patogênese da síndrome compartimental abdominal (SCA) evolui em diversos estágios:
Um processo subjacente aumenta a PIA, prejudicando o fluxo sanguíneo para os tecidos intra-abdominais.
O limite de pressão é alcançado quando a resistência venosa começa a aumentar, provocando congestão venosa e um aumento adicional na pressão intracompartimental. Trata-se de um ciclo de autopropagação.
Quando a PIA é maior que 20 mmHg, a perfusão capilar cai, o que provoca isquemia tecidual. A isquemia causa extravasamento capilar, causando o aumento da perda de líquido extravascular, o aumento adicional do volume intra-abdominal, e maior elevação da PIA. Também é um ciclo de autopropagação.
A diminuição da perfusão capilar resulta em órgãos com função prejudicada no compartimento abdominal. As funções renal e hepática são prejudicadas. O débito urinário diminui, progredindo da oligúria à anuria.
A expansão do volume abdominal desloca o diafragma, diminuindo a complacência pulmonar e aumentando a pressão nas vias aéreas necessária para manter o volume corrente.
Uma PIA elevada prejudica o retorno venoso ao coração, o que diminui o débito cardíaco e afeta a perfusão sistêmica.
O débito cardíaco prejudicado e o aumento da pressão intratorácica decorrentes da PIA elevada podem provocar a diminuição do fluxo venoso cerebral e da pressão de perfusão cerebral.[13]
Uma perfusão tecidual inadequada provoca a insuficiência de múltiplos órgãos e óbito.
Classificação
Classificação de acordo com a causa
Primária
Decorrente de complacência abdominal diminuída (isto é, a elasticidade da parede abdominal e do diafragma), presença de uma lesão intra-abdominal ou retroperitoneal ou um processo patológico.
Secundária
Deve-se a ascite tensa ou edema do intestino de outra forma normal. Essa é a forma mais comum.
Recorrente
Recorrência da síndrome compartimental abdominal (SCA) após o tratamento de SCA primária ou secundária.
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