Abordagem

O ABC (vias aéreas, respiração, circulação) deve ser implementado conforme exigido em pacientes instáveis. Em pacientes estáveis ou estabilizados, a remoção de um corpo estranho pode ser obtida após a investigação inicial por vários métodos; a escolha de qual deles dependerá do local do corpo estranho, risco e estabilidade hemodinâmica do paciente.

O manejo do corpo estranho deve ser feito caso a caso. A probabilidade de que o corpo estranho atravesse de forma espontânea e seja evacuado nas fezes, sem causar lesão enquanto atravessa o canal alimentar, depende do tamanho, forma, composição e do fato de o paciente possuir anormalidades anatômicas que possam predispor à retenção.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Algoritmo de diagnóstico e tratamento para ingestão de corpo estranhoDo acervo de Juan Carlos Munoz [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@77e7393c

Manejo inicial de um paciente instável

Pacientes devem ser considerados instáveis se apresentarem comprometimento das vias aéreas, sialorreia, incapacidade de tolerar fluidos, evidência de sepse, perfuração ou sangramento ativo. A avaliação diagnóstica inicial envolve uma avaliação da instabilidade hemodinâmica e tentativas de ressuscitação. Se necessário, a abordagem do ABC (vias aéreas [Airway], respiração [Breathing] e circulação [Circulation]) deve ser implementada.

A intubação endotraqueal eletiva deve ser considerada nos pacientes com comprometimento ou sofrimento respiratório, estado mental alterado ou sangramento ativo. A intubação endotraqueal eletiva protegerá as vias aéreas e facilitará a endoscopia. Deve-se obter acesso intravenoso central ou periférico bilateral para a ressuscitação fluídica apropriada. Devem-se instituir medidas de ressuscitação adequadas, incluindo ressuscitação volêmica (infusão de cristaloides), oxigênio (se a saturação de O₂ for <90%), reposição de hemoderivados com transfusão de concentrado de eritrócitos para sangramento persistente (hemoglobina <70 g/L [<7 g/dL] ou <80 g/L [<8 g/dL com problemas cardíacos]), e correção da coagulopatia.

Assim que o paciente estiver estável, anamnese e exame físico completos (da boca ao ânus) podem ser realizados com intervenções relevantes se necessário de acordo com os grupos de pacientes estáveis. Pode haver suspeita de perfuração e a confirmação ser realizada pela presença de enfisema subcutâneo, pneumomediastino, pneumotórax ou derrame pleural em radiografias cervicais e torácicas laterais e posteroanteriores, tomografia computadorizada cervical ou torácica ou ingestão de gastrografina. Em pacientes com sinais ou sintomas de septicemia ou contagem de leucócitos elevada na apresentação, deve-se iniciar a antibioticoterapia de amplo espectro intravenosa.

A cirurgia de emergência é obrigatória nos pacientes com perfuração por obstrução, com o objetivo de limpar a contaminação intra-abdominal por irrigação, remover a área de perfuração e abordar o problema subjacente.

A ingestão de múltiplos ímãs é grave e exige atenção e acompanhamento especiais.[43] Ímãs em alças intestinais adjacentes podem atrair uns aos outros com força significativa, causando obstrução intestinal e necrose da parede intestinal por pressão, causando perfuração ou formação de fístulas.[3][19]​ Intervenções cirúrgicas ou endoscópicas precoces são cruciais, especialmente se o paciente estiver sintomático ou se radiografias abdominais sequenciais sugerirem não ter havido mudança na posição dos ímãs.[3][19][54]

Remoção de corpo estranho de urgência x emergência

Uma endoscopia de urgência (dentro de 24 horas) deve ser considerada nas seguintes situações: alimento ou corpo estranho no esôfago que não passa espontaneamente, mas não causa obstrução esofágica completa; objetos irregulares afiados ou pontiagudos observados no esôfago ou estômago; ou um objeto grande (>6 cm de comprimento e/ou >2.5 cm de diâmetro) no estômago. Deve-se considerar a avaliação de um otorrinolaringologista para uma possível laringoscopia e extração de objetos observados ou impactados na orofaringe. Deve-se considerar uma avaliação cirúrgica se a extração endoscópica do corpo estranho falhar ou for contraindicada, ou se um objeto grande (>10 cm) for observado no reto. A European Society of Gastrointestinal Endoscopy recomenda uma endoscopia digestiva alta terapêutica (dentro de 2 a 6 horas) nas seguintes situações: corpos estranhos que induzam obstrução esofágica completa, objetos pontiagudos ou pilhas no esôfago.[34]

Considerações especiais se aplicam à ingestão de pequenas pilhas tipo botão. Apesar de a maioria das pilhas tipo botão passar pelas vísceras sem intercorrências e ser eliminada nas fezes, as pilhas que se alojam ou ficam impactadas no esôfago podem causar complicações com risco de vida em 2 horas.[56] As complicações (que podem demorar até 18 dias após a remoção da pilha para surgir) incluem perfuração esofágica, fístula traqueoesofágica, fístula aortoesofágica com exsanguinação subsequente derivada de fistulização arterial, descarga elétrica, lesão química com estenose esofágica subsequente, abscesso retrofaríngeo, mediastinite, paralisia das pregas vocais e estenose traqueal. Essas complicações devem ser monitoradas vigorosamente após a remoção da pilha, e os pacientes aconselhados a relatar sintomas com urgência.

Acredita-se que a lesão seja secundária às queimaduras eletroquímicas das descargas elétricas. Queimaduras químicas por vazamento de eletrólitos alcalinos e necrose por pressão também podem contribuir.[16]​​​ A bateria tipo botão de lítio de 3 volts e 20 mm de diâmetro (tipo CR/BR) é particularmente propensa a alojar-se no esôfago, especialmente em crianças. Uma radiografia imediata deve ser realizada para estabelecer a localização e diâmetro da pilha, e a composição química e o tipo de pilha devem ser estabelecidos através de embalagens ou pilhas semelhantes quando possível. A impactação esofágica de uma pilha exige remoção endoscópica ou cirúrgica de emergência.[43]

Para pacientes sem impactação esofágica, uma intervenção conservadora é recomendada na ausência de sintomas e sinais de lesão.[57][58]​ A retirada é indicada apenas se dois ou mais ímãs forem ingeridos ao mesmo tempo, se sintomas se desenvolverem ou uma pilha de diâmetro grande (>15 mm) falhar em atravessar o piloro em 4 dias. Todas as outras pilhas além do esôfago podem ser manejadas em casa com dieta e atividade regulares. Se a passagem não for documentada dentro de 10 a 14 dias, radiografias repetidas podem ser realizadas para confirmar a passagem da bateria.[56]

A ingestão de múltiplos imãs constitui um problema único. A remoção endoscópica precoce deve ser o tratamento de primeira escolha quando os objetos estão alojados no esôfago ou estômago. Se eles já ultrapassaram o piloro, a remoção pode ser mais difícil, se não impossível. Deve-se realizar uma consulta cirúrgica emergencial.[19]

Remoção de corpo estranho em pacientes estáveis

Passagem espontânea sem intervenção (vigilância ativa)

  • A decisão de "esperar e observar" dependerá de diversos fatores: idade do paciente, características físicas do objeto, localização e sintomas da obstrução. Esta opção pode ser considerada em crianças com ingestão de moeda única e em adultos com objetos estranhos distais ao esôfago. Esses pacientes podem ser observados (inspeção das fezes ou realização de radiografias seriadas) para se determinar se o objeto avançará até o reto.

Nasofaringolaringoscopia com fibra óptica

  • Deve-se considerar a avaliação de um otorrinolaringologista para os pacientes com um objeto na orofaringe que não puder ser observado durante o exame físico.

  • A remoção de corpos estranhos pode ser feita com o uso de um abaixador de língua e por laringoscopia.[13][59]

Endoscopia digestiva alta por fibra óptica, sigmoidoscopia e colonoscopia flexíveis

  • O endoscópio flexível de visualização frontal tornou-se o instrumento de escolha no tratamento da maioria dos corpos estranhos impactados. A endoscopia de emergência é indicada para os pacientes com as vias aéreas comprometidas, aqueles com sinais de complicações, ou se uma pilha estiver impactada no esôfago. A endoscopia é necessária para corpos estranhos não progressivos, pontiagudos ou não radiopacos; pilhas; corpos estranhos múltiplos; corpos estranhos no estômago >2.5 cm de diâmetro ou >6 cm de comprimento; ou com formas irregulares, como alfinetes de segurança abertos. O endoscópio flexível de "visualização lateral" tem sido utilizado para diagnosticar e manejar corpos estranhos no ducto colédoco.[60] A enteroscopia (balão simples ou duplo) pode permitir a remoção de corpos estranhos no intestino delgado, quando indicada.[45]

  • As seguintes ferramentas podem ser usadas para auxiliar na remoção endoscópica de corpos estranhos: fórceps, pinças, Roth net (rede coletora para corpo estranho), cestas Dormia, balões, sobretubos e tampa protetora de látex. Apesar dos potenciais desafios técnicos, a endoscopia tornou possível a remoção de corpos estranhos sem intervenção cirúrgica (que só é necessária em aproximadamente 1% dos casos); além disso, surgiu como um dos métodos mais seguros de manejo de corpos estranhos no trato gastrointestinal.[59][61][62]

  • Para corpos estranhos encobertos, a extração pode ser difícil ou impossível. Nesse caso, pode ser útil adiar a extração e iniciar um ciclo curto de corticosteroides intravenosos por 12 a 24 horas. Isso pode reduzir a inflamação e facilitar a extração do corpo estranho posteriormente.[21]

Remoção com cateter de Foley

  • A remoção com cateter de Foley é outra técnica muito utilizada na remoção de corpos estranhos radiopacos, arredondados, lisos e únicos do esôfago ou reto. Essa técnica só deve ser realizada por pessoas familiarizadas com seu uso. A remoção é realizada sob orientação fluoroscópica com disponibilidade imediata de equipamento e de pessoas especializadas no manejo emergencial das vias aéreas. Frequentemente, a remoção endoscópica por um gastroenterologista é uma opção bem mais segura.

  • A extração com cateter de Foley esofágico é contraindicada nas seguintes situações: pacientes com um corpo estranho impactado que esteja presente há mais de 72 horas, história de cirurgia esofágica ou pacientes instáveis ou não cooperativos.

  • O procedimento consiste em colocar o paciente em uma posição com a cabeça para baixo e passar um cateter de Foley através da boca até que ele fique situado atrás/distal do objeto. O balão é então inflado; finalmente, o cateter e o objeto são puxados para fora como uma unidade. Foi relatada uma taxa de sucesso de 85% a 100%.[63][64]

  • As complicações relacionadas a esse procedimento incluem epistaxe, desalojamento do objeto causando laringoespasmo, hipóxia e aspiração.[63][64][65]

Remoção endoscópica: eventos adversos

Eventos adversos atribuíveis à remoção endoscópica de corpos estranhos são raros. Os eventos relatados mais comumente são lacerações superficiais da mucosa (≤2%), sangramento gastrointestinal (≤1%) e perfuração (≤0.8%). O risco de aspiração durante a remoção do corpo estranho é raro e pode ser minimizado pelo uso de um sobretubo esofágico e/ou intubação endotraqueal para proteger as vias aéreas.[66]

Cirurgia

Para uma extração malsucedida ou objetos de >10 cm no reto, pode ser necessária intervenção cirúrgica. A laparoscopia pode ser uma ferramenta valiosa no manejo de corpos estranhos gastrointestinais, particularmente quando um objeto não estiver progredindo ou a endoscopia for malsucedida ou perigosa. As outras indicações para intervenção cirúrgica incluem perfuração e complicações que não puderem ser resolvidas por via endoscópica, como sangramento excessivo.

A ingestão de múltiplos ímãs é um caso especial, uma vez que eles podem causar a atração de alças intestinais adjacentes umas às outras com força significativa e provocar obstrução intestinal, formação de fístulas ou necrose da parede intestinal por pressão, ocasionando perfuração.[3][19] Intervenções cirúrgicas urgentes, como laparotomia exploratória para remover os objetos e reparar qualquer lesão, são vitais, especialmente se o paciente estiver sintomático ou radiografias abdominais sequenciais não sugerirem nenhuma mudança na posição dos ímãs.[3][19][54]

A maioria dos corpos estranhos retais pode ser removida pela via transanal. Após confirmação radiológica da presença, tamanho e localização do objeto, o paciente é sedado (frequentemente com um sedativo intravenoso e/ou bloqueio dos nervos perianais) e, então, colocado na posição lateral esquerda ou litotômica. Diversos retratores e braçadeiras comumente utilizados rotineiramente na cirurgia anorretal têm sido usados com sucesso para agarrar e remover objetos dessa área.[67]

Tratamentos adjuvantes em pacientes estáveis e instáveis

Os antieméticos são úteis no controle de náuseas e vômitos. Os agentes comumente prescritos incluem a prometazina, a ondansetrona ou a proclorperazina. Naqueles com corpos estranhos esofágicos, o glucagon pode ser administrado por via intravenosa para se tentar a passagem espontânea de um corpo estranho impactado. Ele deve ser administrado lentamente para se prevenirem náuseas e vômitos.[68][69][70][71]​ Se não houver resposta, ele pode ser repetido após 20 a 30 minutos.[69]

Antibióticos intravenosos devem ser considerados em certos casos de complicações infecciosas, após a realização de hemoculturas. Em casos de obstrução completa, um curto ciclo (12-24 horas) de um corticosteroide intravenoso pode reduzir a inflamação e facilitar a extração do objeto posteriormente.[21]

Cuidados durante o manejo de obstrução por corpo estranho

Durante o manejo de pacientes com ingestão de corpo estranho, os seguintes conselhos devem ser observados:

  • Os sintomas dos pacientes com obstrução por corpo estranho não devem ser ignorados.

  • Nenhuma tentativa para remover objetos grandes, pontiagudos ou duros deve ser realizada sem o uso de equipamentos adequados.

  • Enzimas orais como a tripsina, papaína ou quimotripsina não devem ser usadas na remoção de alimentos impactados no esôfago. Em geral, isso não é efetivo, tem sido associado a hipernatremia e implica um risco de perfuração esofágica induzida pelas enzimas.

  • O glucagon é contraindicado em pacientes com feocromocitoma ou insulinoma.

  • Enemas, laxativos e catárticos não devem ser usados rotineiramente para ajudar na remoção de um corpo estranho.

  • O bário não deve ser usado para detectar corpos estranhos. A maior parte dos especialistas acredita que o bário auxilia muito pouco na avaliação da obstrução por corpo estranho e apenas protela o tratamento definitivo.[72]

  • Se houver suspeita de ingestão de metal ou ímã, a ressonância nuclear magnética é contraindicada.[54]

  • O manejo endoscópico é contraindicado em certas circunstâncias:

    • As contraindicações absolutas incluem hipotensão/choque grave, perfuração aguda, infarto agudo do miocárdio, peritonite e ingestão de pacotes de drogas (cocaína; devido ao risco de ruptura).

    • As contraindicações relativas incluem pouca cooperação do paciente e arritmias cardíacas ou isquemia miocárdica recente.

  • A extração com cateter de Foley esofágico é contraindicada nas seguintes situações: pacientes com um corpo estranho impactado que esteja presente há mais de 72 horas, história de cirurgia esofágica ou pacientes instáveis ou não cooperativos.

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal