Abordagem

O tratamento deve ser planejado em três dimensões:

  • Grau de sangramento: nenhum, leve a moderado, intenso

  • Presença ou ausência de trabalho de parto

  • Duração da gestação: primeiro trimestre, segundo trimestre, mas não viável, viável mas não a termo (pré-termo), a termo (a idade de viabilidade varia dependendo dos recursos locais).

Cada uma dessas dimensões deve ser considerada separadamente, e depois em conjunto, na tomada de decisões sobre o tratamento. Como o grau de sangramento muitas vezes é de controle variável, ele é útil na abordagem do tratamento de acordo com a intensidade do sangramento.

Incompatibilidade de Rh

Para todos os casos, deve ser avaliada a indicação da imunoglobulina anti-D.[55] Caso a mulher seja Rh-negativa, um teste de Kleihauer-Betke ajudará a determinar o grau de hemorragia e a necessidade e a quantidade de imunoglobulina anti-D necessária para a profilaxia da doença do Rh nas gestações subsequentes.[5][46]

Na prática, a imunoglobulina anti-D deve ser administrada na 28ª semana de gestação (quando o tipo sanguíneo fetal for desconhecido ou sabidamente Rh-positivo) ou em até 72 horas pós-parto de um bebê Rh-positivo de mulher Rh-negativa não sensibilizada.[46]

No Reino Unido, o National Institute for Health and Care Excellence e a British Society for Haematology aconselham que a imunoglobulina anti-D seja administrada em dose única às 28 semanas de gestação ou em duas doses às 28 semanas e 34 semanas de gestação.[56][57]

Pode ser necessária imunoglobulina anti-D adicional para a hemorragia feto-materna (HFM) de >15 mL de eritrócitos fetais ou >30 mL de sangue total fetal.[46] Uma dose adicional de imunoglobulina anti-D de 10 microgramas deve ser administrada para cada perda adicional de 0.5 mL de eritrócitos fetais. O teste quantitativo de HFM pode ser considerado após eventos potencialmente associados a trauma placentário e à ruptura da interface materno-fetal (por exemplo, descolamento da placenta, traumatismo contuso do abdome, cordocentese, PP com sangramento).[46]

Manejo inicial de sangramento na placenta prévia

Uma metanálise realizada em 2017 determinou que 52% das mulheres com PP terão sangramento do trato genital na segunda metade da gestação.[58]

Posição da placenta desconhecida

  • Nem todas as mulheres terão sido submetidas a ultrassonografias durante a gestação que tenham identificado a posição da placenta, e algumas mulheres se apresentam no final da gestação sem cuidados pré-natais prévios.

  • Na presença de sangramento e caso a mulher esteja hemodinamicamente estável o suficiente para permiti-la, deve ser realizada uma ultrassonografia de urgência para definir a anatomia placentária.[37] Em caso de sensibilidade uterina, isso pode sugerir descolamento da placenta, que pode coexistir com PP.

  • O tratamento varia com a condição subjacente; em caso de PP (sem descolamento), deve-se seguir a abordagem correspondente de tratamento indicada abaixo.[44][45]

PP conhecida

  • O objetivo primário e imediato da terapia é estabilizar a mãe hemodinamicamente. O objetivo secundário é garantir a sobrevida fetal.

  • Um exame vaginal por toque digital não deve ser realizado, pois pode transformar sangramento intenso em sangramento maciço.[1][15][44] O sangramento pode aumentar de leve para intenso em poucos minutos, sendo, portanto, melhor superestimar o grau de sangramento. O sangramento intenso é geralmente óbvio, mas o sangue pode, ocasionalmente, se concentrar na vagina (e se apresentar como grandes coágulos).

  • O monitoramento eletrônico contínuo do coração do feto deve ser realizado enquanto continuar a ocorrer sangramento significativo; comprometimento fetal (traçado cardíaco fetal anormal) geralmente é uma indicação de sangramento intenso.[5][44]

  • Prossiga para parto cesáreo imediato caso o sangramento não diminua ou apresente evidências de comprometimento fetal significativo.[1][2] Antibióticos profiláticos intraoperatórios são indicados rotineiramente em partos cesáreos.[2][15][39][44][59]

Como para todos os casos de hemorragia significativa na gestação, o ABC das diretrizes de ressuscitação essenciais deve ser seguido.

  • Deve-se obter um acesso intravenoso.

  • A administração de um antifibrinolítico (como ácido tranexâmico) deve ser considerada assim que possível, pois demonstrou um benefício de sobrevida.[60]

  • Cristaloides e hemoderivados devem ser administrados conforme indicado; considere os riscos de transmissão de doenças infecciosas (que variam com o local) ao decidir a realização de transfusão sanguínea.

  • Realize a tipagem sanguínea, o rastreamento e a prova cruzada de, pelo menos, 4 unidades de eritrócitos concentrados (e informe o serviço de transfusão sobre a possibilidade da necessidade de transfusão maciça). Acompanhe com hemogramas completos em série (a frequência depende do grau de sangramento). Considere avaliar a razão normalizada internacional (INR)/tempo de tromboplastina parcial (TTP), fibrinogênio e produtos de degradação do fibrinogênio se houver evidências de coagulação intravascular disseminada.

  • Deve ser considerada transfusão de plasma fresco congelado e de plaquetas, dependendo do nível de hemoglobinas (Hb), da contagem plaquetária e do nível de coagulopatia.

Após a estabilização inicial do sangramento:

  • Deve-se realizar uma consulta urgente com um profissional adequadamente treinado para a obtenção de tratamento adicional. Se o sangramento ceder e se for adequado, a mãe deve ser transferida para um centro em que estejam disponíveis serviços obstétricos e neonatais adequados. Deve-se fazer uma ultrassonografia (ou, possivelmente, em caso de cicatrização uterina prévia, uma RNM) para definir a anatomia placentária. Após a estabilização, cuidados ambulatoriais podem ser adequados, em algumas circunstâncias. Essa decisão deve ser deixada para o especialista.[39][61]

Controle pré-natal da placenta prévia

O objetivo primário da terapia é observar a mãe e o feto rigorosamente, de forma que uma intervenção urgente possa ser providenciada caso ocorra deterioração do quadro clínico.[1][2][15][39][44][59]

Conduta expectante

  • As mulheres devem ser aconselhadas a fazerem repouso pélvico (por exemplo, não manter relações sexuais com penetração nem usar absorventes higiênicos internos) e a buscar atendimento médico em caso de sangramento significativo (ou seja, qualquer sangramento além de uma mancha).[1][4][15]

  • As mulheres devem ser informadas de que podem apresentar sangramento súbito e intenso e que devem ter acesso fácil a atendimento clínico avançado.[1][4][5][15][44]

  • Muitas placentas de inserção baixa migram durante a gestação e apresentam resolução espontânea. Se a PP ou uma placenta baixa forem detectadas no exame anatômico de rotina (normalmente 18 a 22 semanas de gestação) e não houver sangramento significativo, deve-se repetir a ultrassonografia aproximadamente na 32ª semana.[1][2][38] Se a placenta estiver atualmente na posição normal, não são indicadas investigações adicionais. Se uma placenta baixa ou uma PP for detectada, no entanto, é muito improvável que ela se resolva espontaneamente, devendo-se providenciar uma ultrassonografia adicional às 36 semanas para auxiliar no planejamento do parto.[1][2] Se houver risco de espectro da placenta acreta (por exemplo, cicatrização uterina prévia), deve ser realizada uma ultrassonografia com dopplerfluxometria colorida.[2][3][4] Além disso, a RNM também pode ser usada para definir a anatomia placentária exata. A decisão quanto ao método e à calendarização do exame de imagem deve ser deixada para o especialista.

  • Dependendo da experiência e dos recursos locais, pode ser feito o encaminhamento apropriado para um centro em que estejam disponíveis serviços obstétricos e neonatais adequados.

  • Se o parto for planejado ou esperado antes das 34 semanas de gestação, recomenda-se sulfato de magnésio intravenoso para neuroproteção do bebê.[62][63]​ Os médicos que optarem por usar sulfato de magnésio para neuroproteção fetal devem desenvolver diretrizes específicas sobre critérios de inclusão, esquemas de tratamento e tocólise concomitante.[63] Não há evidências de que o sulfato de magnésio tenha algum valor como agente tocolítico, e seu uso deve ser destinado apenas à neuroproteção em grupos apropriados de mulheres.[64]

  • Caso seja adequado (entre a 24ª e a 34ª semana de gestação), a mãe deverá receber corticosteroides para acelerar a maturidade do pulmão fetal.[65][66][67] A Society of Obstetricians and Gynaecologists of Canada (SOGC) recomenda a administração de corticosteroides somente se for determinado um risco muito alto de parto dentro de 7 dias.[1]

  • Nas mulheres que tiverem apresentado sangramento anteriormente ou que tiverem alto risco de apresentar sangramento (encurtamento ou dilatação cervical), pode ser indicada hospitalização até o parto. Essa decisão deverá ser tomada dependendo das circunstâncias individuais do caso (época do ano, distância do hospital, disponibilidade de transporte etc.) e da disponibilidade dos recursos local.[1][2][15]

  • Atualmente, não há evidências suficientes para apoiar o uso rotineiro da cerclagem cervical em mulheres com PP. No entanto, a cerclagem pode ser considerada individualmente em pacientes com <24 semanas de gestação, por exemplo, naquelas com encurtamento cervical ou hemorragia pré-natal.[1]

Trabalho de parto pré-termo

  • Deve-se tentar interromper o trabalho de parto, embora a eficácia desse procedimento não tenha sido bem estabelecida.

  • O principal objetivo da terapia tocolítica é prolongar a gestação para permitir a administração de corticosteroides.[68][69]​ O objetivo secundário é permitir que haja tempo para transferência para um centro de encaminhamento secundário ou terciário (se for indicado e se a condição da mãe for estável).

  • O American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) não recomenda o uso de tocólise no período prematuro tardio (34 semanas a 36 semanas mais 6 dias) com o objetivo de permitir a administração de corticosteroides.[66]

  • Se apropriado, após a estabilização inicial, a mãe deve receber sulfato de magnésio intravenoso (para neuroproteção do bebê) e corticosteroides pré-natais (para amadurecer os pulmões fetais).[63]​​[65][66][67]​​​​ A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA recomenda contra o uso de injeções de sulfato de magnésio por mais de 5 a 7 dias para interromper o trabalho de parto pré-termo em gestantes (um uso off-label), pois isso pode causar a diminuição dos níveis de cálcio e problemas ósseos no feto ou bebê. A Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency (MHRA) do Reino Unido também recomenda contra o uso do sulfato de magnésio durante a gestação por mais de 5 a 7 dias. Caso ocorra uso prolongado ou recorrente durante a gestação (por exemplo, vários ciclos ou uso por >24 horas), considere monitorar o neonato em relação a níveis anormais de cálcio e magnésio e a efeitos adversos esqueléticos.[70][71]​​ A SOGC recomenda a administração de corticosteroides somente se for determinado um risco muito alto de parto dentro de 7 dias.[1]

  • Considere uma repetição da dose de corticosteroides se a mãe permanecer em risco de nascimento pré-termo 7 ou mais dias após o ciclo inicial de corticosteroides. [66][67][68][72] A repetição das doses de corticosteroides no período pré-natal parecem reduzir a necessidade de suporte respiratório neonatal, no entanto, em comparação com uma dose única, pode não haver diferença nos desfechos graves de morbidade ou mortalidade para o bebê. Há também um aumento do risco de baixo peso ao nascer com a repetição de corticosteroides que são dose-dependentes.[67]

  • Se a tentativa de interromper o trabalho de parto não for bem-sucedida, deve ser realizado um parto cesáreo.

Placenta prévia a termo

Em geral, a PP depois da 36ª semana é uma indicação de parto cesáreo.[1] A decisão quanto ao agendamento do parto cesáreo se baseia na idade gestacional (que pode ser incerta) e na presença de fatores de risco, tais como grau de sangramento, no início do trabalho de parto (e no grau associado de dilatação cervical), no perigo de transfusão de sangue (que varia com o local) e na presença de cuidados neonatais adequados.[1][2] Na presença de fatores de risco, o parto cesáreo é recomendado entre 36 semanas e 36 semanas mais 6 dias.[1][2][5] Na ausência de fatores de risco, o parto cesáreo é recomendado entre 37 semanas e 37 semanas mais 6 dias.[1][2][5] Antibióticos profiláticos intraoperatórios são indicados rotineiramente em partos cesáreos.[2][15][39][44][59]

Se a mulher estiver em trabalho de parto, é indicado um parto cesáreo de urgência, pois o sangramento pode piorar subitamente. Se possível, é preferível um cirurgião com experiência no controle de hemorragias uterinas maciças e em histerectomia puerperal.[1][2]​ A mãe deve ser avisada quanto à possibilidade de complicações operatórias, incluindo histerectomia puerperal.[1][2]​ Deve estar disponível sangue adequado (possivelmente autólogo), e o serviço de transfusões deve ser informado de que pode haver necessidade de grande transfusão.[1][2]​ A equipe neonatal deve ser alertada sobre a situação.

Placenta baixa a termo

A distância entre o óstio e a borda placentária observada na ultrassonografia na 36ª semana de gestação é valiosa para o planejamento da via de parto.[1][2] Quando a borda placentária estiver a 11 a 20 mm de distância do óstio cervical interno, pode-se oferecer à mulher a opção de uma tentativa de trabalho de parto com alta expectativa de sucesso.[1] A tentativa de trabalho de parto pode ser considerada em mulheres cuidadosamente selecionadas cuja distância do óstio à borda placentária seja ≤10 mm, desde que ocorra em uma instalação com acesso imediato a um obstetra, anestesista, neonatologista e transfusão de sangue.[1]

A mulher assintomática a termo e em trabalho de parto pode continuar com o trabalho de parto cuidadosamente monitorado e realizado em uma situação de "configuração dupla" (que possa ser imediatamente convertida em parto cesáreo se o sangramento se tornar significativo ou se o feto entrar em sofrimento).[2][15][39][44][59]

Se as mulheres cuja borda placentária esteja a 11 a >20 mm de distância do óstio cervical interno optarem pelo parto cesáreo, o momento ideal para o procedimento é de 39 semanas a 40 semanas mais 6 dias.[1] Em mulheres cuja distância do óstio cervical à borda placentária seja ≤10 mm, o parto cesáreo deve ser agendado por 37 semanas a 37 semanas mais 6 dias, na presença de fatores de risco, ou 38 semanas a 38 semanas mais 6 dias, na ausência de fatores de risco.[1] O parto urgente e mais cedo pode ser necessário em circunstâncias extenuantes, como, por exemplo, se a hemorragia pré-natal resultar em comprometimento hemodinâmico materno ou frequência cardíaca fetal anormal ou se houver hemorragia pré-natal significativa com ≥34 semanas de gestação.[1]

Aborto espontâneo/interrupção da gestação

O aborto espontâneo não é tratado diferentemente na presença de PP. A interrupção eletiva (clínica ou cirúrgica) no primeiro trimestre não é diferente na presença de PP. No segundo trimestre, entretanto, pode ser preferida a interrupção cirúrgica.

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