Abordagem

Os principais objetivos do tratamento de uma ruptura isolada do ligamento cruzado anterior (LCA) são os seguintes:

  • aliviar os sintomas

  • restaurar função

  • minimizar complicações.

O tratamento inicial consiste de sustentação de peso protegida, repouso, gelo, compressão, elevação e suporte. Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) ou analgésicos podem ajudar a controlar a dor e o edema, mas não alteram a evolução da lesão. O tratamento deveria ser personalizado em função das preferências individuais, junto com a natureza exata da lesão. O acrônimo PRICEM define o tratamento inicial para todos os pacientes.

  • P = Exercício de sustentação de peso protegido ("protected weight-bearing") com muletas ou bengalas, com auxílio de um imobilizador de joelho ou suporte similar. Evitar o uso prolongado do imobilizador, uma vez que rigidez grave e desconforto podem desenvolver-se

  • R= Repouso ("rest") relativo

  • I= gelo: útil nos primeiros dias, pois ajuda a minimizar a dor e o edema

  • C = Compressão ("compression")

  • E = Elevação ("elevação")

  • M = Medicamentos ("medicines") (analgésicos e AINEs, conforme necessário).

Os pacientes podem ser divididos de modo geral nos três grupos seguintes:

  • sedentário

  • demandas de intensidade moderada

  • demandas dinâmicas intensas

Objetivos da fisioterapia

Exercícios de amplitude de movimento ativos e leves (indolor) podem ser iniciados nos primeiros dias após a lesão. A fisioterapia (em casa ou formal) pode então prosseguir, com frequência de tratamento baseada na situação específica do paciente.

Os objetivos iniciais da terapia incluem aliviar a dor e o edema e reestabelecer a completa amplitude de movimento. Objetivos subsequentes incluem recuperar força, propriocepção e estabilidade dinâmica. Não existem evidências metodologicamente sólidas que mostrem a superioridade de nenhum programa de reabilitação em particular.[68][69]

Observe que se o paciente sofrer episódios recorrentes de subluxação tibiofemoral, isso pode causar rupturas do menisco e dano da cartilagem articular.

Indivíduos sedentários

O primeiro grupo consiste de pessoas sedentárias que têm demandas físicas baixas, são maus candidatos à cirurgia e/ou não estão interessados em seguir um tratamento de alto nível. Esses pacientes podem ser tratados melhor com exercícios de fisioterapia em casa, suporte no joelho e modificação da atividade para minimizar o risco de episódios de instabilidade.

Demandas de intensidade moderada

Este grupo inclui indivíduos com estilos de vida que incluem atividade física leve a moderada, com demandas de estabilidade dinâmica do joelho relativamente baixas. Essas pessoas podem gostar de atividades recreativas como golfe, natação, ciclismo, corrida, tênis em duplas e atividades similares nas quais a instabilidade leve a moderada do joelho pode não provocar problemas significativos.

Dependendo da gravidade da lesão e das demandas do estilo de vida específico, fisioterapia formal e suporte personalizado para o LCA podem funcionar melhor para esse grupo. Modificação da atividade também pode ser necessária se eles continuarem apresentando episódios de instabilidade apesar dessa abordagem.[70][71]

Demandas dinâmicas intensas

No outro lado do espectro, estão pacientes com altos níveis de atividade e demandas físicas intensas (como os atletas profissionais) que requerem estabilidade dinâmica do joelho. Os exemplos incluem atletas de alto nível em esportes que exijam movimentos de corte, giro, salto e desaceleração (como futebol, basquete, rúgbi, esqui competitivo, ginástica) e pessoas cujo trabalho seja manual ou exija estar em um cenário no qual a instabilidade do joelho pode proporcionar risco (por exemplo, carpinteiros, pedreiros, policiais ou militares). Esses pacientes geralmente são atendidos melhor com uma reconstrução cirúrgica do LCA.

Há evidências que sugerem que o manejo não cirúrgico pode ser uma escolha apropriada para alguns pacientes com nível de atividade moderado a alto, e que a reabilitação deveria ser considerada como a opção de tratamento primária para esses pacientes.[72][73] Estudos comparando reabilitação associada à reconstrução precoce do LCA com reabilitação associada à reconstrução opcional protelada do LCA não encontraram diferenças nos desfechos entre essas duas abordagens em adultos jovens ativos com uma ruptura aguda do LCA.[72][73][74]

Alguns indivíduos, independentemente da gravidade da lesão ou do nível de atividade, tendem a não tolerar uma abordagem conservadora e podem beneficiar-se de uma abordagem cirúrgica. Isso pode estar relacionado com a personalidade ou com a maneira de lidar com as dificuldades. A decisão de escolher reconstrução ou tratamento não operatório, deve ser individualizada.

Reconstrução do ligamento cruzado anterior (LCA)

As rupturas do LCA devem ser tratadas com reconstrução em preferência ao reparo devido ao menor risco de cirurgia de revisão com a reconstrução.[42]

A reconstrução do LCA é realizada principalmente para restaurar a estabilidade funcional do joelho, mas também pode ser considerada para diminuir o risco de futuras patologias ou procedimentos do menisco, particularmente para pacientes mais jovens e/ou mais ativos.[42]​ A cirurgia pode ser realizada logo após a lesão, geralmente assim que houver a remissão do edema e uma boa restauração da amplitude de movimentos (geralmente nas primeiras 1-2 semanas após a lesão em pacientes motivados que receberem um tratamento inicial apropriado, conforme mencionado acima). A reconstrução precoce é recomendada, pois o risco de lesão da cartilagem e do menisco começa a aumentar em 3 meses.[42]

Apesar de as lesões do LCA serem mais comuns em pessoas na faixa etária entre 15 e 45 anos, a idade avançada somente não impede necessariamente uma abordagem cirúrgica agressiva.[75] Mesmo artrose preexistente não exclui reconstrução do LCA.

As cirurgias geralmente são realizadas como procedimentos ambulatoriais sob anestesia geral ou espinhal, com ou sem anestésico intra-articular. O tempo da cirurgia varia de 1 a 3 horas. Os riscos da cirurgia incluem infecção, trombose venosa profunda/tromboembolismo venoso, lesão neurovascular, perda de movimento, dor patelofemoral, dor no local de coleta do enxerto, fratura patelar, ruptura do tendão e dor proveniente dos componentes de próteses ou implantes.

Procedimento cirúrgico específico

Em geral, não existe superioridade definitiva de um procedimento específico de reconstrução do LCA em relação a outro.[76][77][78][79]​ A escolha do tipo de enxerto deve ser individualizada. Dados disponíveis e pareceres de especialistas indicam que a proficiência e experiência do cirurgião do paciente determinam qual procedimento deve ser realizado. A American Academy of Orthopaedic Surgeons recomenda um autoenxerto, em vez de um aloenxerto, com base na melhora dos desfechos dos pacientes e diminuição da falha do enxerto do LCA, especialmente em pacientes jovens e/ou ativos.[42]​ Nos casos em que um aumento do risco de dor patelofemoral seria inaceitável, pode ser considerado um enxerto de isquiotibiais para reduzir o risco de dor anterior ou ao ajoelhar, ou um enxerto osso-tendão patelar-osso para reduzir o risco de falha ou infecção do enxerto.[42]

A reparação primária do LCA é raramente realizada atualmente em decorrência dos desfechos desfavoráveis. As lesões por avulsão óssea do LCA podem ser tratadas com redução fechada, aberta ou artroscópica.[80] A revisão dos enxertos rotos e da lesão bilateral do LCA requer decisões mais complexas e frequentemente implica o uso de aloenxertos. Discussão detalhada dessas questões está fora do escopo deste tópico.

Evolução pós-operatória

A evolução pós-operatória inicial depende do procedimento, das características do paciente e das preferências do cirurgião.

O paciente pode esperar ficar de pé com muletas e usar um suporte nesse dia. Frio, elevação e outras modalidades são comumente empregadas. A fisioterapia começa nos primeiros dias do pós-operatório. O uso do imobilizador, do suporte e os regimes específicos de fisioterapia variam.[81][82][83] Cuidados contínuos com o uso de suporte, repouso, exercícios sem sustentação de peso e anti-inflamatórios não esteroidais podem ser considerados após a intervenção cirúrgica. A reconstrução frequentemente permite o retorno às atividades de alta demanda, mas não reduz de modo definitivo o risco de artrose pós-traumática.[84][85]

Recomendações relativas à atividade pós-operatória

Essas recomendações variam de acordo com o tipo exato e gravidade da lesão, presença ou ausência de lesões associadas, técnica cirúrgica específica, protocolo de reabilitação, motivação e estado físico do paciente e com o tipo e/ou intensidade da atividade física preferida. Retorno a esportes sem contato ou de contato baixo (por exemplo, ginástica, basquete) pode ser mais rápido que retorno a esporte de contato (por exemplo, rúgbi). O retorno à atividade integral em menos de 3 meses já foi documentado, mas geralmente varia entre 6 e 12 meses.[86] O retorno à corrida geralmente é alcançado em 4 meses, à atividade esportiva moderada em 6 meses e à atividade extenuante em 8 meses de pós-operatório.[87][88]

O retorno seguro à atividade depende de uma rotina de fisioterapia sequencialmente gradual e dedicada. Acompanhamento ortopédico apropriado e avaliações fisioterápicas são necessários para garantir que o ritmo da recuperação seja correto para cada paciente. Uma revisão sistemática e uma declaração de evidências recomendam a pré-reabilitação, seguida de 9 a 12 meses de reabilitação pós-operatória após a reconstrução do LCA. A evolução durante a reabilitação, o preparo para voltar a praticar esportes e o risco de novas lesões são avaliados em testes de força, testes de salto, qualidade do movimento e testes psicológicos.[89]

O monitoramento psicológico pode ser particularmente relevante, para aqueles que desejam voltar ao esporte competitivo. Os resultados de uma revisão sistemática revelaram uma taxa relativamente baixa de retorno pós-operatório ao esporte competitivo após cirurgia do LCA, apesar de uma alta taxa de sucesso em termos de função baseada em deficiência do joelho, sugerindo assim que outros fatores além da normalização do joelho podem contribuir para desfechos de retorno ao esporte (por exemplo, fatores psicológicos).[90] Programas de retorno muito ambiciosos ou fisioterapia inadequada podem causar lesão e/ou falha do enxerto.[91]

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