Abordagem
O diagnóstico de granulomatose com poliangiite (GPA; anteriormente conhecida como granulomatose de Wegener), com base nos sinais e sintomas descritos abaixo, deve ser considerado em qualquer paciente com suspeita de doença inflamatória em vários sistemas. Embora anamnese e exame físico criteriosos sejam essenciais para estabelecer a extensão da doença, não existe sintoma ou sinal único que seja característico dessa enfermidade. É necessário também avaliar os sistemas de órgãos que são frequentemente afetados pela GPA na ausência de sintomas ou sinais evidentes. Essa avaliação inclui, no mínimo, imagens do tórax, urinálise e microscopia de urina.
Teste positivo para anticorpo anticitoplasma de neutrófilo (ANCA) pode dar um forte suporte ao diagnóstico nos pacientes com probabilidade pré-teste de GPA moderada a alta. Um teste de ANCA positivo no contexto da tríade clássica usual, de comprometimento otorrinolaringológico, pulmonar e renal, é, em geral, suficiente para estabelecer o diagnóstico, mesmo na ausência de confirmação histológica. Entretanto, um teste negativo de ANCA não exclui o diagnóstico, e resultados falso-positivos podem ocorrer.
A observação de vasculite necrosante e inflamação granulomatosa em biópsia de tecido pode confirmar o diagnóstico no contexto clínico apropriado. O diagnóstico diferencial de GPA varia significativamente com o padrão, a extensão e a gravidade do comprometimento dos órgãos.
Fatores de risco
A GPA afeta homens e mulheres igualmente. A GPA é mais comum em pessoas brancas, mas pode ocorrer em quaisquer grupos raciais e étnicos.[7][9][10] É raro haver uma história familiar especificamente de GPA, mas pode haver uma história de doença autoimune.[14] Sílica e outras exposições ocupacionais foram propostas como possíveis fatores desencadeantes da GPA, mas isso ainda não foi comprovado.[16]
História
Como a GPA é uma doença multissistêmica, é necessário fazer uma profunda revisão dos sistemas para avaliar a extensão do comprometimento dos órgãos. Mais de 90% dos pacientes apresentam sinais e/ou sintomas que envolvem o trato respiratório superior ou inferior.[10] Os sintomas sobre os quais se deve perguntar incluem:[1][2][3][21][22]
Manifestações do trato respiratório superior:
Otorreia
Dor/sensação de abafamento nos ouvidos
Surdez
Dor sinusal
Secreção nasal
Crostas nasais
Epistaxe
Rouquidão
Úlceras orais e nasais.
Manifestações do trato respiratório inferior:
Dispneia
Tosse
Hemoptise
Dor torácica.
Manifestações constitucionais:
Febre
Sudorese noturna
Mal-estar
Anorexia
Perda de peso.
Manifestações neurológicas:
Dormência/disestesia
Fraqueza focal
Cefaleia.
Manifestações oculares:
Vermelhidão
Dor
Diplopia
Lacrimejamento
Turvação/perda visual.
Manifestações cutâneas:
Lesões cutâneas purpúreas
Lesões cutâneas nodulares
Lesões cutâneas hemorrágicas
Lesões cutâneas ulcerativas.
Manifestações musculoesqueléticas:
Artralgias
Mialgias
Edema nas articulações
Fraqueza muscular.
Com menor frequência, podem ocorrer sintomas relacionados a comprometimento gastrointestinal, endócrino, cardíaco, das mamas, do trato geniturinário inferior ou de outros órgãos. A grande maioria dos pacientes apresentará comprometimento de pelo menos dois sistemas de órgãos na ocasião do diagnóstico. Uma história de dor e inchaço nas pernas também deve ser investigada, pois há uma grande incidência de sinais ou sintomas de tromboembolismo venoso entre os pacientes com GPA, especialmente nos períodos em que a doença está ativa.[4][5] Assim, a embolia pulmonar constitui um diagnóstico diferencial importante nos pacientes com suspeita de GPA e sintomas respiratórios, como dispneia e hemoptise.
Pacientes com doença subglótica têm, geralmente, uma história de rouquidão, tosse e sibilo.
Exame físico
Devido à natureza multissistêmica da GPA, é necessário fazer um exame físico detalhado para avaliar a extensão do comprometimento dos órgãos. Os achados físicos que devem ser buscados incluem:[1][2][3][21][22]
Manifestações do trato respiratório superior:
Sangramento das mucosas
Inflamação
Ulceração
Crostas
Perfuração do septo em uma rinoscopia anterior
Nariz em sela
Sensibilidade do seio nasal
Drenagem aural
Perfuração do tímpano.
Manifestações do trato respiratório inferior:
Dispneia
Macicez focal à percussão
Estertores
Roncos
Redução focal da expansibilidade na ausculta.
Características constitucionais:
Febre
Evidência de perda de peso.
Manifestações neurológicas:
Achados consistentes com mononeurite múltipla (ou seja, preservação dos reflexos e da função motora e sensorial geral, exceto nas regiões servidas pelos nervos específicos afetados)
Neuropatia periférica motora e sensorial ou neuropatia craniana
Com menor frequência, deficits focais do sistema nervoso central (por exemplo, hemiparesia).
Manifestações oculares:
Esclerite
Proptose devido a massas granulomatosas retro-orbitais
Acuidade visual reduzida
Fraqueza muscular extraocular
Hemorragia retiniana/exsudatos retinianos.
Manifestações cutâneas:
Púrpura palpável
Nódulos
Lesões cutâneas hemorrágicas e ulcerativas.
Características musculoesqueléticas:
Sensibilidade ou inchaço nas articulações
Fraqueza muscular
Sinais de trombose venosa (inchaço/sensibilidade/eritema dos membros).
Com menor frequência, podem ocorrer sinais físicos compatíveis com comprometimento gastrointestinal, endócrino, cardíaco, das mamas, do trato geniturinário inferior ou de outros órgãos.
Os pacientes com estenose subglótica podem ter estridor.[23] A laringoscopia revela um depósito circunferencial de tecido friável vermelho com estenose da subglote.[24]
A GPA também pode provocar lesões maciças/granulomas focais em qualquer parte do corpo; por exemplo, já foram relatados comprometimento das glândulas salivares, do fígado e do baço.[25][26][27] Essas lesões são, com frequência, assintomáticas.
Exames laboratoriais
Urinálise e microscopia:
Realizados em todos os pacientes com suspeita de GPA.[22] É o primeiro indicador de comprometimento renal, com detecção anterior à elevação da creatinina sérica. Os achados típicos incluem hematúria, proteinúria, eritrócitos dismórficos e cilindros de eritrócitos.
ANCA:
O imunoensaio específico para antígeno para proteinase 3 (PR3)-ANCAs e mieloperoxidase (MPO)-ANCAs é o método de rastreamento de primeira escolha para vasculites associadas a ANCA.[28] Os pacientes com GPA são predominantemente positivos para PR3-ANCA.[29]
Caso os resultados do imunoensaio sejam negativos ou inconclusivos e persista uma forte suspeita de GPA, a imunofluorescência indireta pode ser realizada.[28] A imunofluorescência pode revelar c-ANCA (padrão citoplasmático), p-ANCA (padrão perinuclear) ou um padrão de coloração atípico. Um padrão de coloração citoplasmática é típico para GPA.[21]
Um teste de ANCA positivo no contexto de sintomas típicos geralmente é suficiente para estabelecer o diagnóstico de GPA, mesmo na ausência de confirmação histológica. Contudo, um teste positivo de ANCA também pode ocorrer em outras situações, como outros distúrbios inflamatórios sistêmicos, distúrbios gastrointestinais (por exemplo, doença inflamatória intestinal, hepatite autoimune), infecções (por exemplo, endocardite infecciosa, e infecções micobacterianas e parasitárias), malignidade e exposições a drogas e medicamentos (por exemplo, cocaína, propiltiouracil, minociclina). Sendo assim, essas condições devem ser consideradas no diagnóstico diferencial e, em caso de dúvida, a confirmação histológica deve ser feita.[28]
Um teste de ANCA negativo não descarta GPA.[28] Entre 9% e 16% dos pacientes com GPA têm imunoensaio de ANCA negativo.[30][31]
Embora o teste de ANCA auxilie no diagnóstico de GPA, não há evidências que corroborem o uso de ANCA no monitoramento da atividade da doença.[32]
Hemograma completo e diferencial:
Frequentemente, os pacientes com GPA são anêmicos.[22] Esse fato pode estar relacionado a diversos fatores, como atividade da doença, insuficiência renal ou hemorragia pulmonar. Trombocitopenia ou leucopenia podem levar a se considerar diagnósticos alternativos, como lúpus eritematoso sistêmico ou púrpura trombocitopênica trombótica, dependendo do quadro clínico.
Creatinina sérica:
Geralmente elevada nos pacientes com GPA, embora um resultado normal não descarte possibilidade de glomerulonefrite.[22] Deve-se ter em mente que a creatinina sérica também pode estar elevada por outros fatores, como sepse intercorrente, efeitos de medicamentos ou, raramente, devido à uropatia obstrutiva causada pela GPA. A creatinina sérica pode variar com rapidez na fase aguda da doença; assim, recomenda-se monitoramento frequente.
Velocidade de hemossedimentação (VHS) ou proteína C-reativa:
Normalmente elevada em pacientes com GPA, mas trata-se de um achado inespecífico.[22] O resultado pode estar normal, especialmente nos quadros menos graves da doença. Os resultados de VHS em série podem ajudar a monitorar a resposta ao tratamento e a evolução da doença, mas não devem ser usados como base isolada para decisões relativas ao tratamento, já que podem ser influenciados por diversos outros fatores (por exemplo, anemia, insuficiência renal, infecção intercorrente e malignidade).
Testes da função hepática:
Costuma estar normal ou quase normal; anormalidades sugerem um diagnóstico alternativo, como câncer ou infecção. A albumina sérica pode estar baixa em decorrência de proteinúria e/ou inflamação.[22]
Cálcio sérico:
Costuma estar normal ou quase normal; anormalidades sugerem um diagnóstico alternativo, como câncer ou infecção.[22]
Exames de imagem
Imagens do tórax devem ser obtidas de todos os pacientes com suspeita de GPA, já que o comprometimento pulmonar é assintomático em um terço dos pacientes.[22] A tomografia computadorizada (TC) do tórax é preferível à radiografia torácica, dada a sua maior sensibilidade.[33][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Nódulos pulmonares cavitários na granulomatose com poliangiite (anteriormente conhecida como granulomatose de Wegener)Do acervo do Dr. Eamonn Molloy, usado com permissão [Citation ends].
Se forem detectadas manifestações respiratórias superiores ou otorrinolaringológicas, ou houver suspeita delas, uma TC dos seios nasais é indicada. O espessamento das mucosas é observado com frequência na GPA, mas é inespecífico. Pansinusite ou mucocele também podem ser observadas. Se a doença for crônica, alterações ósseas reativas podem ser notadas.[34] A perfuração de uma estrutura óssea, que não a lâmina papirácea, implica diagnóstico alternativo, como infecção ou malignidade.
Biópsia
A biópsia pode ser indicada para dar suporte ao diagnóstico, dependendo da presença de outros critérios clínicos, laboratoriais e de imagem.[21] As biópsias dos órgãos afetados são recomendadas para pacientes com teste de ANCA com resultado negativo.[28] Achados patológicos típicos incluem inflamação granulomatosa, necrose e vasculite, com imunodepósitos mínimos ou ausentes na imunofluorescência e na microscopia eletrônica.
O rendimento das biópsias respiratórias superiores e transbrônquicas é pequeno (<10%); por isso elas não devem ser usadas para descartar um diagnóstico. A biópsia pulmonar a céu aberto tem um rendimento mais alto.
As lesões provocadas por biópsia renal são indistinguíveis das lesões da poliangiíte microscópica e da glomerulonefrite pauci-imune limitada ao rim.
A biópsia de pele evidencia vasculite leucocitoclástica.
Outros testes
Dependendo da natureza exata do quadro e do possível comprometimento de órgãos, vários outros exames podem ser importantes para o diagnóstico de GPA.
Teste de função pulmonar:
Uma capacidade de difusão elevada e/ou uma curva de fluxo volume semelhante a caixa anormal indicam hemorragia pulmonar e estenose subglótica das vias aéreas, respectivamente.
Broncoscopia:
Pode ser útil para detectar hemorragia pulmonar subclínica e estenose das vias aéreas. Estudos microbiológicos de lavagem broncoalveolar ± espécimes de biópsia transbrônquica podem ser usados para descartar infecção, especialmente nos pacientes tratados com imunossupressores. As biópsias transbrônquicas têm um rendimento baixo (<10%) para diagnóstico de GPA, mas podem ajudar a identificar diagnósticos conflitantes, como infecção e malignidade.
Eletromiografia e estudos da condução nervosa:
Esses testes são indicados apenas em pacientes que apresentam sinais e sintomas neurológicos. Os achados que podem corroborar um diagnóstico de GPA incluem polineuropatia periférica sensório-motora e mononeurite múltipla.
Endoscopia das vias aéreas superiores:
Nos pacientes com manifestações envolvendo o trato respiratório superior, a visualização direta das vias aéreas superiores pode revelar características, como crostas nasais e inflamações, perfuração do septo, sinusite e estenose subglótica. Além da sua função diagnóstica, esse exame também facilita o manejo local (por exemplo, dilatação e injeção de corticosteroide na estenose subglótica) e permite o desbridamento de crostas nasais extensas, bem como a coleta de espécimes para testes microbiológicos.
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal