Abordagem

Esta seção descreve o manejo da gravidez ectópica tubária, que representa a maioria das gestações ectópicas. Vale ressaltar que a abordagem de manejo mais adequada pode diferir para a gravidez ectópica não tubária.[67][68]

O tratamento da gravidez ectópica depende de o risco de ruptura tubária da mulher ser baixo ou médio. Na presença de ruptura, o tratamento depende da estabilidade hemodinâmica da mulher.

Conduta expectante

A conduta expectante é adequada para mulheres de baixo risco, hemodinamicamente estáveis e assintomáticas (ou com dor mínima), quando houver evidências objetivas de resolução - geralmente, demonstrada por um platô ou diminuição dos níveis de gonadotrofina coriônica humana (hCG).[46][59][69] No Reino Unido, o Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG) recomenda que a conduta expectante seja uma opção quando a diminuição do nível de hCG for inicialmente <1500 UI/L (1500 MUI/mL).[59] Em mulheres com hCG inicial <200 UI/L (<200 MUI/mL), 88% terão resolução espontânea, sendo esperada uma taxa mais baixa mediante níveis mais elevados de hCG.[46][70] O National Institute for Health and Care Excellence (NICE) do Reino Unido, assim, fez uma recomendação forte para a conduta expectante se o hCG sérico for <1000 UI/L, mas uma recomendação condicional para a conduta expectante se o hCG sérico for >1000 e <1500 UI/L.[62][Evidência C]

Um ensaio clínico randomizado e controlado (ECRC) realizado com mulheres com gravidez de localização desconhecida ou gravidez ectópica relatou uma taxa de sucesso de 59% com conduta expectante, em comparação com 76% após uma única dose de metotrexato.[71] Um ECRC realizado em 2021 com mulheres com gravidez de localização desconhecida persistente relatou uma taxa de sucesso de 51.5% com manejo ativo versus 36.0% com conduta expectante.[64] O insucesso da conduta expectante é seguido pelo tratamento médico ou cirúrgico. Deve-se interromper a conduta expectante se a dor da mulher aumentar, os níveis de hCG não diminuírem ou houver sinais de ruptura tubária.[46]

Terapia medicamentosa

O metotrexato é um antagonista do ácido fólico que interrompe rapidamente as células trofoblásticas em divisão. O tratamento clínico com metotrexato se reserva a mulheres hemodinamicamente estáveis com confirmação ou forte suspeita clínica de gravidez ectópica, massa não rota e sem contraindicações absolutas ao metotrexato.[46][69] No Reino Unido, o RCOG e o NICE também recomendam que um bom candidato a este tratamento teria uma hCG preferencialmente abaixo de 1500 UI/L (1500 MUI/mL), mas podendo atingir 5000 UI/L (5000 MUI/mL), e sem atividade cardíaca fetal na ultrassonografia com certeza de não haver nenhuma gravidez intrauterina.[59][62]

Sugere-se que níveis séricos iniciais de hCG >5000 UI/L (5000 mUI/mL) indicam aumento da taxa de falha do tratamento clínico, particularmente com esquemas de dose única, e o American College of Obstetricians and Gynecologists afirma que uma concentração de hCG inicial alta é uma contraindicação relativa à terapia com metotrexato.[46][72] Características da ultrassonografia que sugerem desenvolvimento gestacional precoce ou que indicam potencial ruptura tubária também são fatores de risco para o fracasso do tratamento.[69] Isso inclui saco vitelino ou embrião visualizado e líquido livre pélvico significativo.[69] A gravidez ectópica com tamanho >4 cm é considerada uma contraindicação relativa ao tratamento clínico, mas a ruptura tubária é improvável caso o tamanho ectópico seja <2 cm e o nível de hCG seja <1855 UI/L (1855 mUI/mL).[46][73] Outras contraindicações relativas são atividade cardíaca embrionária na ultrassonografia transvaginal, alta concentração inicial de hCG e a recusa em aceitar transfusão de sangue.[46][59] A maioria dos médicos usa o cenário clínico específico, em associação com os achados da ultrassonografia e dos valores de hCG, para determinar se o tratamento clínico é uma opção adequada para aquela mulher em particular.

Certas condições impedem uma mulher de se submeter a um tratamento com metotrexato, incluindo evidência de imunodeficiência, doença hepática (com transaminases mais que o dobro do normal), doença renal (creatinina >132.6 micromoles/L [1.5 mg/dL]), úlcera péptica ativa, doença pulmonar significativa ou anormalidades hematológicas (por exemplo, anemia significativa, trombocitopenia ou leucopenia).[46][56][69]​ As outras contraindicações incluem uma gravidez intrauterina, aleitamento materno, sensibilidade ao metotrexato e incapacidade para participar do acompanhamento.[46]​​[62][59][69]

Os protocolos para a terapia com metotrexato incluem regimes de doses únicas, duplas e múltiplas fixas.[46] Embora os regimes não tenham sido todos comparados entre si, estudos de metanálise demonstraram que a opção de dose única é ligeiramente menos eficaz (88%) que a opção de dose múltipla (93%), embora cause menos efeitos adversos.[46][69][74] Uma metanálise demonstrou que o protocolo de duas doses foi associado a uma taxa de sucesso do tratamento maior que o protocolo de dose única (razão de chances [RC] 1.84, IC de 95% 1.13 a 3.00). O protocolo de duas doses teve mais sucesso em mulheres com hCG alto (RC 3.23, IC de 95% 1.53 a 6.84) e em mulheres com massa anexial grande (RC 2.93, IC de 95% 1.23 a 6.9). A duração do acompanhamento foi 7.9 dias mais curta para o protocolo de duas doses (IC de 95% -12.2 dias a -3.5 dias).[75] O American College of Obstetricians and Gynecologists aconselha que o regime de dose única seja uma opção adequada para mulheres com hCG inicial baixa ou valores estabilizados, e que o regime de doses duplas seja uma alternativa que pode ser particularmente adequada para mulheres com hCG inicial alta.[46] Uma série de casos-controle demonstrou que a injeção de metotrexato guiada por ultrassonografia em uma gravidez ectópica, em associação com metotrexato sistêmico, pode ser uma alternativa segura à cirurgia em casos em que há um risco mais elevado de fracasso do tratamento (por exemplo, níveis mais elevados de hCG ou atividade cardíaca fetal).[76]

Uma vez que o metotrexato tenha sido administrado, os níveis de hCG devem ser monitorados em série até que alcancem um nível não gestacional.[46][62] O processo geralmente leva de 2 a 4 semanas, mas pode chegar a 8 semanas.[74] Doses adicionais de metotrexato poderão ser necessárias de acordo com o regime e a resposta ao tratamento; os níveis de hCG devem ser monitorados para avaliar a resposta. A qualquer momento, se uma mulher se tornar clinicamente instável, será indicada uma intervenção cirúrgica.[46]

Durante o tratamento com metotrexato, atividades vigorosas e relações sexuais devem ser evitadas para não causar possível ruptura da gravidez ectópica; exames pélvicos e ultrassonografias devem ser limitadas; e as mulheres devem evitar ácido fólico e anti-inflamatórios não esteroidais, pois eles reduzem a eficácia do metotrexato. Alimentos formadores de gás devem também ser evitados, pois podem causar dor, que pode ser confundida com sintomas de ruptura. A exposição à luz solar pode causar dermatite por metotrexato.[46] Após a conclusão do tratamento com metotrexato, pode ser aconselhável que a mulher protele a tentativa de conceber por 12 semanas ou mais, para permitir a máxima depuração.[69]

Terapia cirúrgica

Em mulheres clinicamente estáveis com gravidez ectópica não rota, a cirurgia laparoscópica e o tratamento clínico são opções razoáveis de manejo, devendo a decisão basear-se nas investigações iniciais e em discussão com a mulher.[46][69] Se a mulher apresentar sinais de instabilidade hemodinâmica, sintomas de massa ectópica rompida ou sinais de sangramento intraperitoneal, será necessária uma intervenção cirúrgica. A intervenção cirúrgica será também necessária se a mulher apresentar contraindicações absolutas à terapia medicamentosa.[46][69]

O método preferido é a laparoscopia com salpingostomia ou salpingectomia, dependendo do estado da trompa contralateral e do desejo de fertilidade futura.[46][59][77][78][79][80][Figure caption and citation for the preceding image starts]: extração cirúrgica de gravidez ectópicaDo acervo do Dr. Sina Haeri; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@4913aad8[Figure caption and citation for the preceding image starts]: extração cirúrgica de gravidez ectópicaDo acervo do Dr. Sina Haeri; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@39d23e38

A salpingostomia deve ser considerada para mulheres com dano na trompa contralateral, pois isso é um fator de risco para infertilidade.[62][69] Não há evidências para recomendar a salpingostomia em vez da salpingectomia se a trompa contralateral estiver normal.[69] A fertilidade futura e as taxas de desobstrução tubária em mulheres tratadas por laparoscopia são semelhantes às das pacientes submetidas à terapia medicamentosa.[46][56] Medições de hCG em série são necessárias após a salpingostomia para detectar qualquer tecido trofoblástico persistente, com consideração para a administração de metotrexato se os níveis se estabilizarem ou se elevarem.[46][59]

A instabilidade hemodinâmica associada a uma gravidez ectópica rota resulta de hipovolemia grave secundária ao sangramento. Portanto, o manejo dessas mulheres envolve a estabilização com ressuscitação fluídica de emergência e a transferência imediata para a sala de cirurgia. A rápida reposição volêmica com solução isotônica e hemoderivados é de suma importância para evitar a lesão isquêmica e o dano a múltiplos órgãos.

Embora a laparoscopia seja a abordagem cirúrgica padrão para o tratamento de uma gravidez ectópica em uma paciente hemodinamicamente estável (mesmo na presença de um hemoperitônio), nas mulheres hemodinamicamente instáveis o tipo de cirurgia usado depende da experiência e do julgamento do cirurgião e é decidido em consulta com o anestesista. O tratamento laparoscópico da gravidez ectópica em mulheres com obesidade (índice de massa corporal >30) é viável e seguro com a seleção adequada do paciente e experiência adequada do cirurgião.[81]

É razoável realizar uma laparotomia com base na disponibilidade de recursos (incluindo uma equipe adequadamente treinada), com o procedimento específico dependendo da localização do sangramento.[69]

Mulheres com fator Rh negativo

A análise do American College of Emergency Physicians' Clinical Subcommittee não encontrou evidências suficientes favoráveis ou contrárias ao tratamento com imunoglobulina anti-D em mulheres com fator Rh negativo com gravidez ectópica.[82] Contudo, o NICE recomenda a imunoglobulina anti-D para todas as mulheres com fator Rh negativo que se submetem à cirurgia para gravidez ectópica, mas não para aquelas que são tratadas com medicamentos.[62]

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal