Abordagem
O tratamento inicial depende da gravidade e das manifestações clínicas da hipocalcemia. No período pós-operatório imediato dos pacientes com hipoparatireoidismo cirúrgico, o tratamento dos pacientes agudamente sintomáticos com determinações bioquímicas confirmatórias é orientado pelo cirurgião, pelo anestesiologista ou pelo intensivista, pois o paciente geralmente requer monitoramento cardíaco e bioquímico contínuo e rigoroso, bem como infusões de cálcio intravenoso. Para estabelecer um regime ambulatorial para a alta, é apropriado realizar uma consulta com um endocrinologista experiente no tratamento do distúrbio. Para o tratamento ambulatorial de hipoparatireoidismo permanente, o paciente deve ser encaminhado a um endocrinologista experiente para cuidados contínuos.
A abordagem descrita abaixo é um guia geral para o médico sobre quais sintomas monitorar e quais tratamentos podem ser necessários se o cálcio sérico estiver em uma meta de intervalo específica. A abordagem final do tratamento deve envolver uma revisão cuidadosa dos achados clínicos e laboratoriais em cada paciente.
Hipocalcemia sintomática grave (cálcio total sérico corrigido para albumina <1.88 mmol/L [<7.5 mg/dL])
Qualquer das seguintes situações clínicas geralmente requer reposição intravenosa de cálcio em caráter emergencial:
Cãibras intensas e/ou tetania; letargia ou estado mental alterado; laringoespasmo, sibilância ou dispneia; convulsões; insuficiência cardíaca.
Tetania, sinal de Trousseau fortemente positivo, sinal de Chvostek positivo. Trousseau's sign: video clip Opens in new window Chvostek's sign: a video demonstration Opens in new window
Intervalo QT prolongado.
Para o alívio de sintomas agudos, o objetivo tratamento é alcançar um nível de cálcio sérico total corrigido pela albumina de aproximadamente 2 mmol/L (8 mg/dL) ou de cálcio sérico ionizado de 1 mmol/L (4 mg/dL).
O cálcio deve ser administrado lentamente através de um acesso intravenoso de calibre grosso, preferencialmente um cateter venoso central, para minimizar a dor.[1][27][30] É necessário monitoramento contínuo por eletrocardiograma; o nível de cálcio sérico total corrigido pela albumina ou de cálcio sérico ionizado deve ser monitorado de maneira frequente. O extravasamento subcutâneo de cálcio pode causar necrose tecidual, e deve ser evitado. Além de verificar os níveis séricos de magnésio e de fosfato, é necessário realizar a gasometria arterial para descartar a alcalose, uma condição que pode reduzir a fração ionizada de cálcio sérico ao favorecer a ligação do cálcio à albumina. A alcalose pode contribuir para um quadro clínico pior do que o que o cálcio sérico total corrigido pela albumina pode sugerir. Se a causa da alcalose for tratada (por exemplo, dor, vômitos ou estresse), a recuperação da hipocalcemia poderá ser acelerada.
A taxa de evolução da hipocalcemia influenciará a presença ou a ausência de sintomas.[27][30][31] Quedas rápidas no cálcio sérico (por exemplo, para <1.88 mmol/L [<7.5 mg/dL]) geralmente produzem sintomas, embora os pacientes possam apresentar-se no ambulatório com níveis inferiores a esse e sem sintomas, porque eles já estão há muito tempo acostumados com esse nível.[27]
A reposição de cálcio por via oral é o tratamento de primeira linha; a infusão intravenosa de cálcio é usada quando os sintomas são graves, e com precauções apropriadas. Portanto, o médico responsável deve ser judicioso ao selecionar a terapia para o paciente.
Hipocalcemia temporária pós-cirúrgica assintomática
A reposição de cálcio de rotina é frequentemente administrada após cirurgia de tireoide ou paratireoide. Este é o caso mesmo quando se espera que as paratireoides se recuperem após um período inicial de atividade diminuída ou ausente.[24] Se o cálcio sérico estiver baixo nas primeiras 24 horas após a cirurgia, uma dose baixa de calcitriol é adicionada ao esquema terapêutico.
Essas doses são temporárias e inferiores às necessárias para o hipoparatireoidismo permanente. Observe que doses mais altas são recomendadas se não for esperado que as paratireoides se recuperem.
Hipoparatireoidismo crônico
Quando a hipocalcemia é leve a moderada, os sintomas são mínimos ou ausentes e não há sinais de hipocalcemia; nesse caso, um regime de manutenção de cálcio, calcitriol, vitamina D e/ou magnésio por via oral pode ser adotado.[27][30] A forma biologicamente ativa da vitamina D, o calcitriol (1,25-di-hidroxivitamina D), é preferível à vitamina D2 ou D3 porque o calcitriol tem um início de ação mais rápido e uma meia-vida mais curta, o que torna menos provável o risco de intoxicação crônica com o calcitriol.[27][30]
Terapias adjuvantes
O paratormônio humano recombinante (PTH [1-84]) como terapia injetável diária pode ser considerado uma terapia adjuvante nos pacientes com resposta insatisfatória a suplementos de cálcio e calcitriol. O PTH (1-84) só está disponível em alguns países.[32][33] Nos EUA, a Food and Drug Administration (FDA) fez um recall do PTH recombinante (1-84) (conhecido como Natpara®) em outubro de 2019 devido à possível presença de partículas de borracha originárias do septo do cartucho. No entanto, ele ainda está disponível nos EUA (como parte de um programa de uso especial) para os pacientes que enfrentam complicações com risco à vida como resultado da descontinuação. Não houve um recall semelhante na Europa.[1]
As doses orais de cálcio e/ou calcitriol podem ser reduzidas quando o PTH (1-84) é iniciado. Estudos abertos de longo prazo em adultos com hipoparatireoidismo indicam parâmetros bioquímicos estáveis e melhoras modestas na qualidade de vida ao longo do tempo com a terapia com PTH (1-84).[34][35]
Se houver deficiência de magnésio, a reposição de magnésio permitirá que as glândulas paratireoides secretem PTH normalmente, o que restaurará o cálcio sérico para o nível normal.[1][20][27] Os pacientes com hipoparatireoidismo geralmente precisam de suplementos modestos de magnésio para atingir níveis plasmáticos normais de magnésio.
Os sintomas de hipocalcemia flutuam de tal forma que os pacientes com hipoparatireoidismo crônico podem se tornar mais agudamente sintomáticos. Pacientes com hipocalcemia grave e sintomática podem necessitar de terapia intravenosa de cálcio. (Consulte a Seção de tratamento de hipocalcemia sintomática grave.)
Monitoramento pós-operatório de pacientes
A frequência do monitoramento pós-operatório de pacientes submetidos à cirurgia de tireoide ou paratireoide dependerá de vários fatores:
Extensão da cirurgia (os riscos variam dependendo do caso: por exemplo, remoção de adenoma isolado, lobectomia não complicada ou tireoidectomia total com dissecção de linfonodos)
Níveis de paratormônio (PTH) intraoperatórios no final da cirurgia de tireoide (após tireoidectomia total)
Níveis de cálcio sérico após várias horas da cirurgia
Presença e gravidade de sintomas de hipocalcemia, se houver, após a cirurgia.
Se o paciente permanecer internado, os níveis de cálcio sérico deverão ser verificados pelo menos duas vezes durante as primeiras 24 horas, sendo que a última medição deverá ser realizada na manhã seguinte à cirurgia. Se os níveis de cálcio sérico estiverem normais ou apenas leve e temporariamente reduzidos, o paciente poderá receber alta com suplementos de cálcio prescritos conforme a necessidade. Se o paciente permanecer assintomático e estiver tomando apenas uma dose profilática de cálcio, a suplementação de cálcio poderá ser interrompida 2 semanas após a cirurgia.
Em pacientes tratados para hipocalcemia sintomática ou que exigem tratamento com calcitriol, os níveis séricos de cálcio e de PTH deverão ser verificados 4 semanas após a cirurgia e o esquema deverá ser reduzido gradualmente. Monitoramento adicional de paciente hospitalizado ou ambulatorial poderá ser necessário, dependendo das circunstâncias. O calcitriol poderá ser prescrito para uso ambulatorial com suplementos de cálcio.
Doença subjacente e fatores atenuantes
Aproximadamente 25% de todos os adultos com hipoparatireoidismo têm uma etiologia não cirúrgica.[1][27] Nesses pacientes, os problemas clínicos concomitantes devem ser abordados, além do hipoparatireoidismo.
Por exemplo, em pacientes com síndrome poliendócrina autoimune tipo 1 (APS1), é obrigatória a reposição cuidadosa de glicocorticoide, bem como o rastreamento regular e o tratamento de outras doenças (como a doença celíaca), as quais podem afetar o sucesso do tratamento do hipoparatireoidismo.
Medicamentos que interferem na absorção de magnésio ou de cálcio (por exemplo, inibidores da bomba de prótons, corticosteroides), ou que aumentam a excreção de cálcio (por exemplo, diuréticos de alça), podem ser reduzidos gradualmente ou descontinuados em todos os pacientes, conforme apropriado, para alcançar um controle mais estável da hipocalcemia.
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