Etiologia

O perfil bioquímico (cálcio sérico baixo, fosfato sérico alto) pode ser observado no hipoparatireoidismo, bem como no pseudo-hipoparatireoidismo, um defeito na ativação do receptor de paratormônio (PTH) ou resistência ao PTH. Em geral, os níveis plasmáticos de PTH intacto estão acentuadamente elevados no pseudo-hipoparatireoidismo e distinguem clinicamente os dois distúrbios.

Hipoparatireoidismo pós-cirúrgico

  • A principal etiologia, responsável por aproximadamente 75% dos casos em adultos.[1]

  • Durante a cirurgia de tireoide, pode ocorrer a remoção ou desvascularização acidental de uma ou mais glândulas paratireoides.

  • Dependendo da extensão da cirurgia para tratar o hiperparatireoidismo urêmico primário ou secundário, o suprimento de sangue nas glândulas restantes pode ficar comprometido e a função secretora nunca mais se recuperar no pós-operatório. Isso é particularmente preocupante caso tenham ocorrido explorações no pescoço que tiverem resultado em cicatrização ou distorção de pontos anatômicos de referência.

  • Paratireoidectomias subtotais para tratar hiperplasia colocam o tecido remanescente sob risco de vulnerabilidade no pós-operatório.

  • Hipocalcemia transitória pós-operatória pode ser observada quando tecidos paratireoidianos restantes são cronicamente suprimidos pelos altos níveis de cálcio sérico de hiperparatireoidismo primário ou de hiperparatireoidismo terciário em pacientes com doença renal em estágio terminal. Dias a semanas podem ser necessários para que essas glândulas recuperem a capacidade secretora.

  • A hipocalcemia transitória pós-operatória, geralmente acompanhada por hipofosfatemia, deve levantar suspeita para "síndrome do osso faminto". Isso pode ocorrer após cirurgia de tireoide, quando há tireotoxicose, ou após paratireoidectomia para hiperparatireoidismo primário ou secundário moderado a grave.

Etiologias genéticas[1][7]

  • A síndrome de DiGeorge, estimada em 1/4000 a 1/6000 nascidos vivos, é causada pela deleção heterozigótica de genes no cromossomo 22 (22q11.2), que causa defeitos de desenvolvimento do coração, timo, glândulas paratireoides e outros tecidos.[8][9] Defeitos no gene TBX1 constituem uma das etiologias mais proeminentes dessa síndrome. A síndrome apresenta um espectro variado de gravidade. Os defeitos cardíacos podem incluir tronco arterioso, defeitos do septo atrial ou ventricular, tetralogia de Fallot, anéis vasculares e outros. A imunodeficiência pode ser leve ou grave. A hipocalcemia pode apresentar-se no nascimento, com o perfil bioquímico refletindo hipoplasia da glândula paratireoide, ou a hipocalcemia pode ser leve, com níveis de PTH apenas modestamente diminuídos e presentes em idade mais avançada. A síndrome pode até mesmo ser diagnosticada na idade adulta.

  • As mutações em dois genes críticos na via do receptor sensor do cálcio extracelular pelas células paratireoides são subjacentes ao hipoparatireoidismo autossômico dominante dos tipos 1 e 2. Os tipos 1 e 2 decorrem de mutações de ganho de função nos genes, respectivamente, do receptor sensor de cálcio (CASR) extracelular e da subunidade de proteína G (G-alfa 11).[10][11] As mutações no CASR são as causas mais prováveis de hipoparatireoidismo isolado (não cirúrgico).[11] Esses distúrbios geralmente causam hipocalcemia leve com níveis de PTH inadequadamente baixos. As mutações em CASR podem causar uma apresentação na primeira infância com hipocalcemia grave, convulsões, um quadro de perda de sal e síndrome de Bartter tipo V.[11]

  • Mutações em fatores de transcrição importantes, necessários ao desenvolvimento das glândulas paratireoides, como GATA3 ou GCM2, são as outras etiologias genéticas. Com mutações de perda de função em GATA3, anomalias renais e surdez geralmente acompanham o hipoparatireoidismo em um padrão de herança autossômica dominante.​​​[7]​ O hipoparatireoidismo causado por mutações em GCM2 é isolado; observa-se tanto herança autossômica recessiva quanto dominante.

  • A síndrome poliendócrina autoimune tipo 1 (APS1) é causada por mutações de perda de função no gene regulador autoimune (AIRE) e é geralmente de herança autossômica recessiva. A apresentação inicial do distúrbio envolve candidíase mucocutânea nos primeiros anos de vida, seguida por hipoparatireoidismo e/ou insuficiência adrenal, geralmente com início na infância.[12]

  • O hipoparatireoidismo ocorre na síndrome de osteocranioestenose (ossos pequenos e densos, baixa estatura, mortalidade perinatal elevada) e na síndrome de Kenny-Caffey, que são ambas distúrbios alélicos causados por mutações heterozigotas em FAMIIIA.[13]

  • Os distúrbios mitocondriais associados ao hipoparatireoidismo incluem a síndrome de Kearns-Sayre e a síndrome mitocondrial de encefalomiopatia, acidose láctica e episódios semelhantes a AVCs (MELAS).[7]

  • A síndrome de Sanjad-Sakati inclui hipoparatireoidismo, baixa estatura e deficiência mental decorrente de mutações autossômicas recessivas no cofator E de dobramento da tubulina.[7]

  • Mutações no gene que codifica PTH são muito raras, mas bem descritas, ocorrendo com herança autossômica recessiva ou dominante.

Outras etiologias

  • Tanto a hipomagnesemia quanto a hipermagnesemia são estados funcionais do hipoparatireoidismo.[14][15][16] Em pacientes com hipomagnesemia, os níveis plasmáticos baixos de PTH são prontamente revertidos com reposição de magnésio. Vários fatores de risco, como terapia com inibidor da bomba de prótons, podem contribuir para a hipomagnesemia crônica, e um grande número de distúrbios genéticos do metabolismo do magnésio podem causá-la.[14][15][16] Alcoolismo crônico, desnutrição, diarreia e má absorção podem produzir hipomagnesemia.[16][17]

  • Casos de hipoparatireoidismo autoimune isolado (sem outra endocrinopatia ou disfunção imunológica) podem ocorrer em qualquer idade.[12]

  • Pacientes com tireoidite de Riedel podem desenvolver hipoparatireoidismo. Acredita-se que isso decorra de fibrose acentuada e de respostas inflamatórias da doença mediada por IgG4, o que pode causar a destruição da tireoide.[18][19]

  • Doenças infiltrativas como hemocromatose (incluindo sobrecarga de ferro secundária a transfusões de sangue na talassemia), doença de Wilson e metástase podem causar hipoparatireoidismo.[20]

  • Danos induzidos por radiação (incluindo tratamento com iodo radioativo) podem ocorrer, mas são muito raros.[20]

Fisiopatologia

A hipocalcemia resulta das ações deficientes do paratormônio (PTH) em reabsorver cálcio da urina, gerar 1,25-di-hidroxivitamina D suficiente no rim para absorver cálcio do intestino e reabsorver cálcio dos ossos. A hipocalcemia, aguda e crônica, produz irritabilidade nervosa, causando cãibras e rigidez musculares, tetania, parestesias, alterações no estado mental e até mesmo convulsões. A hipocalcemia crônica prejudica a contratilidade do ventrículo esquerdo.

A hiperfosfatemia resulta da ausência de ação de PTH no transporte de fosfato renal para depurar o fosfato através do rim. Níveis cronicamente elevados de fosfato, acompanhados de níveis próximos aos normais de cálcio sérico, elevam o produto cálcio x fosfato, o que pode contribuir para cataratas e calcificações de tecidos moles.

A hipocalcemia, em estados de depleção de magnésio e hipomagnesemia, resulta de níveis insuficientes de PTH bem como da insuficiência de PTH em ativar seus receptores nos tecidos-alvo dos rins e dos ossos, uma forma de resistência reversível ao PTH.

Mutações constitutivamente ativas ou de ganho de função em dois genes na via de transdução de sinal sensor de cálcio da paratireoide (CASR e G-alfa 11) mediam a supressão da secreção de PTH, mesmo sendo baixas as concentrações de cálcio sérico, produzindo um estado de hipoparatireoidismo funcional.

A hipermagnesemia, uma causa infrequente de hipoparatireoidismo hipocalcêmico (por exemplo, com terapia tocolítica), resulta da supressão da secreção de PTH induzida por magnésio por meio de ativação do receptor sensor de cálcio.

O consumo crônico de álcool causa perda de magnésio por mecanismos renais.

Classificação

Classificação por mecanismo

  • Iatrogênica: pós-cirúrgica

  • Congênito: muitas síndromes e defeitos genéticos isolados

  • Funcional: supressão reversível da secreção de paratormônio por depleção de magnésio, hipercalcemia materna, pós-paratireoidectomia por adenoma paratireoidiano ou hiperparatireoidismo secundário urêmico e hipermagnesemia

  • Destruição do tecido paratireóideo: autoimune, deposição de metais pesados, danos por radiação e fibrose

  • Idiopática: muitos casos, mesmo com testes genéticos, não têm uma mutação identificada.

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