Abordagem

Embora haja diferenças relacionadas às taxas de cura no tratamento da doença de Chagas, há um consenso quanto à utilidade do tratamento, dependendo de vários fatores como a fase clínica e a forma da doença de Chagas, a idade do paciente e outras condições clínicas relacionadas.[34][159][160]​ Apesar da importância da doença de Chagas em termos de saúde pública, poucos ensaios clínicos rigorosos foram realizados até o momento. Os objetivos do tratamento clínico para o Trypanosoma cruzi são eliminar os parasitas nos hospedeiros humanos com o tratamento antiparasitário e realizar o manejo da síndrome clínica resultante das lesões irreversíveis associadas à doença. Podem ser necessárias intervenções cirúrgicas para o manejo das complicações da doença de Chagas, especialmente nos estágios avançados da doença (por exemplo, megaesôfago, volvo ou falência da função cardíaca).

A fase da infecção pelo T. cruzi determina os tipos de consultas (medicina de família, clínica médica, doenças infecciosas, cardiologia e cirurgia cardíaca, gastroenterologia ou cirurgia geral) necessários. Porém, todos os casos requerem uma abordagem multidisciplinar.

Tratamento antiparasitário: princípios gerais

Devem ser administrados medicamentos antiparasitários assim que possível após a infecção, para obter uma melhor chance de cura.[127] Atualmente, há apenas dois medicamentos antiparasitários disponíveis com eficácia estabelecida para o tratamento da doença de Chagas: benzonidazol e nifurtimox.[34][131][161][162][163] Os mesmos tratamentos são recomendados nos pacientes com HIV.[7]​ O benznidazol é recomendado como tratamento de primeira linha, pois está amplamente disponível, é bem tolerado e tem mais dados de eficácia disponíveis. O nifurtimox pode ser usado caso o paciente seja intolerante ao benznidazol, ou caso ele não esteja disponível.[2][127]

Os efeitos adversos são comuns com ambos os medicamentos e tendem a ser mais frequentes e graves em pacientes com idade mais avançada. Benzonidazol está associado à dermatite alérgica, neuropatia periférica, perda de peso e insônia. Pode ocorrer leucopenia; portanto, recomenda-se fazer um hemograma completo aproximadamente 21 dias após o início do tratamento. A dermatite leve a moderada pode ser controlada com o uso de um corticosteroide oral. Nifurtimox está associado à polineuropatia, náusea/vômito, cefaleia, tontura/vertigem e perda de peso.[2] CDC: Chagas disease: antiparasitic treatment Opens in new window Pode ser necessário interromper o tratamento e reiniciá-lo, terminá-lo permanentemente ou reduzir a dose e depois aumentá-la de acordo com a tolerância, caso o paciente relate efeitos adversos, dependendo da gravidade desses efeitos.

Os medicamentos antiparasitários não são recomendados durante a gravidez ou em pacientes com insuficiência renal ou hepática grave; no entanto, eles podem ser usados após o parto ou se a insuficiência hepática/renal for resolvida. É necessário apresentar resultado negativo no teste de gravidez antes de iniciar o tratamento em mulheres em idade fértil.[2] Geralmente, o aleitamento materno não é contraindicado em mulheres com doença crônica; no entanto, não é recomendável em casos de doença em fase aguda ou reativada, ou se a mãe apresentar fissuras perimamilares ou sangramento nos mamilos.[164]

A disponibilidade desses medicamentos varia de acordo com o país, e o formulário local deve ser consultado. Nos EUA, benzonidazol é aprovado para uso em crianças de 2-12 anos de idade e está disponível comercialmente com o fabricante após concluir um pedido de acesso rápido. Exeltis: benznidazole tablets Opens in new window O nifurtimox está agora também comercialmente disponível nos EUA, e não precisa mais ser obtido junto aos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).[165] Em outros países, os medicamentos estão disponíveis em agências reguladoras locais da área de saúde, como a Organização Mundial da Saúde.[166]

Tratamento antiparasitário: indicações para tratamento

A eliminação do parasita e a cura são alcançadas em 60% a 90% dos pacientes com infecção aguda, e mais de 90% das crianças tratadas durante o primeiro ano de vida ficam curadas.[2] Segundo estudos recentes, a taxa de cura para o tratamento etiológico da doença de Chagas aguda é menor nos casos de transmissão oral com alimentos contaminados em comparação com a transmissão vetorial tradicional.[167] Portanto, o tratamento antiparasitário é indicado aos seguintes grupos de pacientes, após a confirmação do diagnóstico, contanto que não haja contraindicações:[2][127][168]

  • Infecção em fase aguda (independentemente do modo de transmissão)

  • Crianças com infecção congênita

  • Mulheres em idade fértil (para evitar a transmissão vertical)

  • Todos os casos de reativação em pacientes imunocomprometidos

  • Contaminações acidentais de alto risco (por exemplo, contato com parasitas vivos ou culturas por meio de feridas na pele ou membranas mucosas em ambientes laboratoriais/clínicos/necropsia).

O tratamento não é recomendado para exposições de baixo risco (por exemplo, contato com o sangue de um paciente infectado de maneira crônica); no entanto, recomenda-se o monitoramento sorológico. O monitoramento também é recomendado para pacientes com exposições de alto risco que não podem tomar medicamentos antiparasitários.

O papel da terapia antiparasitária na fase crônica da doença é menos certo.[127]

  • Pacientes pediátricos: tratamento recomendado para todos os pacientes pediátricos <18 anos de idade.[2][159][169]

  • Adultos: o tratamento pode ser considerado para pacientes >18 anos de idade com doença indeterminada (isto é, sorologia positiva sem evidência de danos a órgãos-alvo) cardiomiopatia leve a moderada (isto é, sem insuficiência cardíaca congestiva), e doença gastrointestinal.[2][34][170][171][172] O CDC recomenda fortemente o tratamento em adultos ≤50 anos de idade que não apresentam cardiomiopatia de Chagas avançada, mas devido ao aumento do risco de toxicidade medicamentosa, recomenda o tratamento para adultos >50 anos após ponderar os riscos e benefícios do tratamento, levando em consideração fatores como idade, quadro clínico, saúde geral e preferência do paciente. CDC: Chagas disease: antiparasitic treatment Opens in new window

  • Mulheres em idade fértil: geralmente, o tratamento deve ser oferecido (após descartar a gravidez) para reduzir o risco de transmissão vertical.[173]

Em um estudo com acompanhamento de longo prazo, o benznidazol foi associado à redução da ocorrência de progressão da forma indeterminada para a forma cardíaca e também foi associado a uma diminuição do risco de eventos cardiovasculares, em comparação com a ausência de tratamento.[174] Entretanto, os dados mostram que é improvável que o tratamento altere os desfechos clínicos nos pacientes com doença cardíaca estabelecida.[127][175]​​​ Portanto, não é recomendado o tratamento antiparasitário nos pacientes com cardiomiopatia dilatada estabelecida. Ele também não é recomendado para os pacientes com doença gastrointestinal avançada (por exemplo, megaesôfago ou megacólon).[34]

Não há evidências suficientes para apoiar a eficácia do benznidazol e do nifurtimox na doença sintomática em estágio avançado.[176]

Tratamento paliativo

A terapia de suporte é indicada para todos os pacientes com formas reativadas, crônicas ou agudas da doença. A terapia de suporte é o único tratamento indicado para pacientes que não podem submeter-se ao tratamento antiparasitário (por exemplo, gestantes e lactantes, insuficiência renal/hepática grave) ou indivíduos com doença em estágio avançado.

Pacientes que apresentam manifestações cardíacas requerem correção da obesidade e manutenção de peso ideal, controle do consumo de sal, restrição na ingestão de água (nos casos mais graves), eliminação de fatores complicadores, evitar bebidas alcoólicas, programa individualizado de atividade física (de acordo com o grau de cardiopatia e a idade do paciente), vacinação contra a gripe (influenza) e o pneumococo (em caso de cardiopatia avançada). Pode ser necessário limitar as atividades profissionais, acadêmicas ou esportivas.

Pacientes que apresentam manifestações esofágicas devem ser orientados a mastigar bem os alimentos; a ingerir alimentos líquidos e semissólidos, caso necessário; a evitar a ingestão de alimentos antes de dormir; e a evitar a ingestão de comprimidos à noite. Pacientes que apresentam manifestações colônicas requerem dieta habitual; restrição de alimentos constipantes (por exemplo, banana, goiaba e jabuticaba); ingestão abundante de água (≥2 L/dia na ausência de insuficiência cardíaca); maior ingestão de alimentos que favorecem o trânsito intestinal (por exemplo, papaia, ameixa, laranja e alimentos ricos em fibras); atenção sistemática à vontade de evacuar; laxantes osmóticos ou óleo mineral (evitando-se a administração noturna devido ao risco de aspiração); enema duas vezes por semana; evitar o uso de medicamentos constipantes (por exemplo, opiáceos, diuréticos, antidepressivos, anti-histamínicos, anticonvulsivantes e antiácidos com hidróxido de alumínio), se possível.

A prática de exercícios é um aspecto importante da reabilitação cardiovascular, pois aumenta a capacidade funcional e a qualidade de vida; contudo, há poucos estudos sobre esse assunto na literatura.[177] A reabilitação cardiovascular individualizada baseada em treinamento aeróbio simples supervisionado pode ser realizada com segurança em pacientes com doença de Chagas crônica.[178][179][180][181]

Tratamento farmacológico da insuficiência cardíaca

As recomendações para o tratamento clínico da cardiomiopatia de Chagas baseiam-se em dados extrapolados de outras formas de insuficiência cardíaca, e a segurança e eficácia desses medicamentos em pacientes com doença de Chagas não foi estabelecida. Medicamentos como inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) ou antagonistas do receptor de angiotensina II, betabloqueadores, antagonistas do receptor de aldosterona, diuréticos, digoxina, anticoagulantes, agentes antiplaquetários e amiodarona são recomendados dependendo da apresentação (por exemplo, insuficiência cardíaca, arritmias, AVC). A discussão detalhada do tratamento clínico da cardiomiopatia de Chagas vai além do escopo deste tópico.[2] Uma revisão Cochrane constatou evidências de qualidade muito baixa sobre o uso de intervenções farmacológicas, tais como a rosuvastatina e o carvedilol, em pacientes com doença de Chagas e insuficiência cardíaca.[182]

Intervenção cirúrgica

Pacientes que apresentam cardiopatia podem necessitar de colocação de marca-passo para tratamento de disfunções dos ritmos atrial e ventricular; procedimentos de ablação para tratamento de taquiarritmias; implantação de desfibriladores; ressecção de aneurismas apicais ventriculares esquerdos ou transplante de coração.[4]​​[26]​​[136][137][169][183]

Pacientes que apresentam megaesôfago podem necessitar de esofagocardiomiectomia da junção gastroesofágica anterior (combinada com valvoplastia) para reduzir o refluxo nos casos em que não haja resposta à dilatação esofágica; miotomia laparoscópica para manejo do megaesôfago grave; ou ressecção esofágica parcial com reconstrução por esofagogastroplastia em casos graves. Pacientes que apresentam megacólon podem necessitar da operação de Duhamel-Haddad, enquanto pacientes que apresentam volvo de sigmoide podem necessitar de sigmoidoscopia com ressecção do segmento necrosado.[4]​​[26][151]

Insuficiência de órgão em estágio terminal

Os pacientes com insuficiência orgânica chagásica em estágio terminal podem necessitar de transplante de órgãos.[184][185][186][187][188] Nesse caso, a condição sorológica do doador e do receptor deve ser verificada, já que é preciso avaliar o risco de transmissão da infecção e da reativação da doença de Chagas com relação a ambos.[13][90][158][169][189] Caberá à equipe cirúrgica responsável pelo transplante determinar qual deles requer farmacoterapia antiparasitária.

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