Abordagem

O tratamento de indivíduos com síndrome de Peutz-Jeghers (SPJ) é expectante e baseado em resultados de rastreamento e exames de vigilância. O objetivo do manejo é reconhecer a extensão da doença e iniciar estratégias de tratamento para prevenir complicações e minimizar a ocorrência de câncer e a necessidade de cirurgia emergencial em consequência de obstrução do intestino delgado.

Vigilância gastrointestinal

A vigilância gastrointestinal é recomendada para todos os pacientes.[14][19][20][22][33] Obstrução do intestino delgado é uma das maiores causas de cirurgias e pode ser minimizada pela remoção de pólipos no intestino delgado.[35][36][37] Uma série retrospectiva sugere que o rastreamento de rotina e a polipectomia do trato gastrointestinal podem evitar a necessidade de uma cirurgia de emergência.[38]

As diretrizes europeias e dos EUA, junto com declarações de consenso de especialistas, fazem as seguintes recomendações relativas à vigilância gastrointestinal.[14][19][20][22][33]

  • A videoendoscopia por cápsula (VEC) ou a enterografia por ressonância magnética (ERM) do intestino delgado deve começar aos 8 anos de idade (ou antes, se o paciente estiver sintomático). A endoscopia por cápsula é segura para uso em indivíduos com SPJ e polipose do intestino delgado que não apresentam sintomas obstrutivos. Se houver preocupação relativa à retenção de cápsula, uma cápsula biodegradável deve ser utilizada. Caso não sejam encontrados pólipos no exame inicial, as diretrizes dos EUA recomendam que a vigilância do intestino delgado seja restabelecida aos 18 anos de idade e continue a cada 2-3 anos ao longo da vida, enquanto as diretrizes europeias recomendam repetir a vigilância a cada 3 anos desde o início.[13][14][19][20][22][33]

  • A endoscopia digestiva alta (EDA) e a colonoscopia para procurar pólipos do trato gastrointestinal superior ou colorretais devem ser realizadas aos 8 anos de idade. Se forem encontrados pólipos, ambos os exames são repetidos a cada 3 anos; se nenhum pólipo for detectado, um exame basal subsequente é realizado aos 18 anos de idade e a cada 3 anos a partir de então.[13][14]​​[19]

Excisão de pólipo

As diretrizes diferem em relação ao limiar e tamanho no qual os pólipos assintomáticos do intestino delgado devem ser removidos, embora todas concordem que qualquer pólipo sintomático deva ser removido, independente do tamanho. As diretrizes dos EUA recomendam a remoção de pólipos assintomáticos ≥10 milímetros de diâmetro, enquanto as diretrizes europeias recomendam um limiar maior de >15-20 milímetros.[13][14][19][20][22][33] A polipectomia é realizada via endoscopia alta ou enteroscopia por balão simples ou duplo, dependendo da localização dos pólipos. Uma série de 34 pacientes com polipose hamartomatosa no intestino delgado revelou que a enteroscopia por balão duplo foi bem-sucedida em mais de 80% dos pacientes e teve uma margem de segurança aceitável.[39] A cirurgia pode ser necessária na presença de neoplasia, ou se o tamanho do pólipo ou o número impedir a remoção endoscópica. Ela também pode ser necessária em pacientes com intussuscepção ou obstrução do intestino delgado. Algumas autoridades recomendam uma tentativa de depurar o intestino delgado de pólipos durante a laparotomia, por meio de uma endoscopia intraoperatória com polipectomia ou, para pólipos maiores, por meio de enterotomia. Essa abordagem agressiva no diagnóstico e ressecção de pólipos do intestino delgado ("limpeza completa") foi associada a um maior intervalo entre cirurgias subsequentes e a uma diminuição no total de operações.[14][35][36][37]

Há dados limitados para orientar sobre o tamanho dos pólipos que devem ser submetidos à polipectomia no estômago ou no cólon.[13] A US Multi-Society Task Force on Colorectal Cancer é a única organização que fornece uma recomendação específica; ela orienta a remoção de pólipos >5 milímetros de diâmetro e a tentativa de remoção de todos os pólipos, caso seja endoscopicamente viável.[14] Às vezes, a colectomia é necessária e deve ser considerada se o manejo colonoscópico for difícil e, especialmente, se for encontrada alteração neoplásica em pólipos cólicos.[4][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Pólipo hamartomatoso identificado no intestino delgado por endoscopia por cápsulaDo acervo de Dra. Carol A. Burke, usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7cb2b563[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Massa polipoide no intestino delgadoDo acervo do Dr. James Church, usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@10395810[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ondulação serosa característica resultante de hamartoma pedunculado no intestino delgado de paciente com síndrome de Peutz-Jeghers (SPJ)Do acervo do Dr. James Church, usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@3e7ff7ba[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Endoscopia intraoperatóriaDo acervo do Dr. James Church, usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@3424f789[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Coleta de pólipo hamartomatoso após 'limpeza completa'Do acervo do Dr. James Church, usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7b3c5faa

Vigilância para cânceres extraintestinais

Em pacientes com SPJ, o risco de desenvolvimento de qualquer forma de câncer ao longo da vida é estimado em até 93%.[1] Os riscos de ocorrência de cânceres específicos ao longo da vida incluem câncer de mama (40% a 85%), de pâncreas (11% a 36%), de ovário (21%), pulmonar (7% a 17%), cervical (10% a 23%) e de útero (9%).[14] Meninos e adolescentes do sexo masculino e, menos comumente, jovens, também correm risco de desenvolver câncer de testículo.[16] As diretrizes de vigilância para cânceres extraintestinais em pacientes com síndrome de Peutz-Jeghers foram publicadas.[14][19][20][33]

Câncer de mama

O risco de câncer de mama em mulheres com SPJ é similar aos portadores de mutações do gene BRCA1 ou BRCA2 (risco vitalício de 40% a 85%).[14] A US Multi-Society Task Force on Colorectal Cancer recomenda o autoexame da mama mensal a partir dos 18 anos de idade, exame da mama clínico a cada dois anos a partir dos 25 anos de idade, ressonância nuclear magnética (RNM) da mama anual a partir dos 25-29 anos, e mamografia com consideração de tomossíntese (mamografia tridimensional) alternando a cada 6 meses com RNM da mama com contraste a partir dos 30-75 anos.[14]​​ A National Comprehensive Cancer Network (NCCN) recomenda mamografia e RNM anualmente, juntamente com um exame clínico das mamas a cada 6 meses, começando aproximadamente aos 30 anos de idade.[33]​ A mastectomia profilática pode ser considerada de acordo com o caso.[14]

Câncer de pâncreas

O câncer de pâncreas é a terceira neoplasia maligna mais comum (depois do câncer de mama e colorretal) em indivíduos com SPJ, com risco vitalício de 11% a 36% de adenocarcinoma ductal pancreático.[14][33]​ Recomenda-se vigilância por ultrassonografia endoscópica (USE) e/ou RNM ou colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM).O International Cancer of the Pancreas Screening Consortium recomenda exames de imagem do pâncreas a cada 1-2 anos a partir dos 40 anos.[14][34]​ A NCCN recomenda exames de imagem anuais do pâncreas com USE ou RNM/CPRM iniciando aos 30-35 anos de idade.[33]

Cânceres ginecológicos

Os riscos vitalícios para câncer de ovário, útero e cervical são estimados em 21%, 9% e 10% a 23%, respectivamente.[14] As diretrizes diferem em relação à idade recomendada para iniciar o rastreamento com exame pélvico, esfregaço cervical e ultrassonografia transvaginal; a NCCN recomenda o início aproximadamente aos 18-20 anos, e outras sociedades recomendam o início mais tardiamente, aos 25 anos.[4][33]

Quase todos os cânceres de ovário em pacientes com SPJ são tumores do cordão sexual com túbulos anulares (TCSTA). Tais tumores podem causar menstruação irregular e puberdade precoce. Recomenda-se realizar um exame físico anual para verificar a presença de puberdade precoce a partir dos 8 anos de idade, bem como um exame pélvico e uma ultrassonografia pélvica anuais a partir dos 18-25 anos.[4][33]

Para vigilância de câncer uterino, recomenda-se realizar um exame pélvico anual a partir dos 18-25 anos. O American College of Gastroenterology (ACG) recomenda a ultrassonografia transvaginal anual a partir dos 25 anos de idade.[4] A NCCN não recomenda o rastreamento por ultrassonografia de rotina, mas recomenda a realização de uma biópsia do endométrio caso haja sangramento anormal.[33]

Uma grande proporção de câncer cervical em pacientes com SPJ é adenocarcinoma com desvio mínimo (antes conhecido como adenoma maligno), um adenocarcinoma raro e bem diferenciado de difícil detecção com citologia em meio líquido, que tem prognóstico desfavorável. As diretrizes recomendam o exame pélvico anual e a citologia em meio líquido a partir dos 18-25 anos de idade (novamente, as diretrizes diferem em relação à idade em que os exames devem ser iniciados).[4][14][33]​ A NCCN também defende a consideração de uma histerectomia total após a mulher ter uma família completa.[33]

Câncer de testículo

Pacientes do sexo masculino com SPJ têm risco vitalício de 9% de desenvolver tumor de células de Sertoli, com idade média de 9 anos no diagnóstico.[14][33]​ Recomenda-se o exame testicular anual e a observação quanto a alterações feminizantes, com ultrassonografia testicular de acompanhamento se forem detectadas anormalidades. A idade em que isso deve começar é controversa; a Multi-Society Task Force on Colorectal Cancer dos EUA aconselha o rastreamento desde o nascimento, enquanto a NCCN recomenda uma idade inicial mais alta de aproximadamente 10 anos.[14][33]

Câncer pulmonar

O risco vitalício estimado de câncer pulmonar em pacientes com SPJ é de 7% a 17%.[4] As diretrizes diferem em relação às recomendações de vigilância. A US Multi-Society Task Force on Colorectal Cancer e a NCCN recomendam simplesmente educar os pacientes sobre os sintomas e o abandono do hábito de fumar.[14][33] No entanto, o American College of Chest Physicians, a American Society of Clinical Oncology e a American Cancer Society aconselham a tomografia computadorizada (TC) de baixa dose anualmente dos 55 aos 74 anos (com base no nível de risco cumulativo em pacientes com SPJ, que é semelhante a pessoas com história de tabagismo de mais de 30 anos-maços que abandonaram o hábito de fumar por 10-15 anos).[14]

As evidências que dão suporte a essas recomendações não são robustas. Na opinião dos autores, essa vigilância deve ser individualizada com base no fenótipo, na idade e incidência esperadas da doença, e na história familiar.

Tratamento da pigmentação mucocutânea

Quando a aparência cosmética for significativa ou aflitiva, pigmentações mucocutâneas podem ser tratadas com terapia a laser ou com fonte de luz intensa.[5][40][41]

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