Abordagem

A apresentação após a intoxicação por plantas depende inteiramente da planta consumida. Em geral, grandes quantidades da planta têm de ser consumidas (ou a planta tem de estar concentrada em forma de extrato ou chá) a fim de afetar os sintomas. Os médicos devem se esforçar ao máximo para identificar a planta envolvida, mas o tratamento deve focar os sintomas manifestos, não as consequências esperadas ou previstas do consumo da planta.​[1]​​ Os pacientes assintomáticos que se apresentam para avaliação após o consumo de uma planta potencialmente venenosa devem ficar em observação por várias horas após a ingestão, e deve haver esforços a fim de se identificar corretamente a planta. Algumas plantas altamente tóxicas podem exigir avaliação e observação mais intensivas (por exemplo, cicuta ou cicuta venenosa, lírio-do-vale, açafrão-do-prado, gloriosa, maçã-de-maio, ervilha do rosário, folhas de teixo).

Fatores históricos

Ao coletar a história, é útil determinar a quantidade de planta ingerida e o método de ingestão, bem como o tipo da planta. Por exemplo, pequenas quantidades de peiote bastam para produzir sintomas neurotóxicos, ao passo que os mesmos efeitos são obtidos apenas com grandes quantidades de noz-moscada. Em geral, quando crianças são encontradas ingerindo plantas, as doses são pequenas, e as plantas costumam ser conhecidas/identificáveis.[1]​ Quando adultos forrageiam/coletam e ingerem plantas selvagens, as doses geralmente são grandes, e as plantas costumam ser erroneamente identificadas. Quando criam-se concentrados de plantas para ingestão em forma de chás ou extratos, as doses são muito grandes, e esse é o método de ingestão com maior probabilidade de resultar em toxicidade.​[1]

A descrição dos sintomas é muito importante.

  • Pacientes que ingeriram fitolaca, tintureira, azevinho (geralmente ≥6 bagas), bagas de visco, trevo roxo ou ipeca podem se queixar de cólicas gastrointestinais, vômitos e/ou diarreia.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: AzevinhoDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@6b7c20d5[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Trevo roxoDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@11761a94

  • Pacientes que ingeriram algas azuis, tasnas, outras espécies de Senecio, xiquexique, espécies de Heliotropium, cardo-do-visco, kava kava ou cápsulas de chá verde podem se queixar de sintomas de insuficiência hepática aguda (por exemplo, amarelamento da pele, confusão, falta de memória, alteração de personalidade, letargia).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: SenecioDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@4397303e

  • Pacientes que ingeriram acônito, lírio do vale, dedaleira, oleandro, cebola-do-mar, ginseng azul, cicuta venenosa, chuva-de-ouro, tabaco indiano, tremoço, tabaco, chá verde, erva-mate, malva branca, ma huang (Ephedra) ou khat podem se queixar de sintomas cardiovasculares (por exemplo, desmaios, tontura, dispneia, fadiga, palpitações).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: OleandroDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@2630461b

  • Pacientes que ingeriram, aspiraram ou inalaram sementes de glória-da-manhã, estramônio, sementes de papoula, absinto, maconha, coca, peiote (basta uma pequena quantidade), trepadeira-elefante, Calea, Salvia divinorum, kratom ou quantidades muito grandes de noz-moscada podem queixar-se de alucinações e/ou confusão.

  • Pacientes que ingeriram acônito, capacete-de-júpiter, capuz-de-frade, noz-vômica, noz-vomitória, fava-de-santo-inácio, Chondrodendron tomentosum, Strychnos toxifera, guanxuma, azaleia, fetterbush, espécies de Kalmia ou espinheiro podem queixar-se de fraqueza, dormência ou dor nos membros.

  • Os pacientes que tiverem ingerido cicuta, outras espécies do gênero Cicuta, losna, absinto, tanaceto, sálvia, noz-vômica, noz-vomitória, fava-de-santo-inácio, Carolina jessamine (Gelsemium sempervirens) ou anis-estrelado japonês podem se apresentar após terem tido convulsões. As convulsões são caracterizadas como espasmo muscular generalizado e mioclonia com alterações no estado mental.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: CicutaDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7a5f15b[Figure caption and citation for the preceding image starts]: CicutaDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@2489d163[Figure caption and citation for the preceding image starts]: CicutaDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7f8f47ad[Figure caption and citation for the preceding image starts]: LosnaDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@50a01cc8[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Sálvia azulDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@3bee9740[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Sálvia azulDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@2e5a7d37[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Anis-estreladoDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@5f640f46[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Anis-estreladoDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@22c9714c[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Anis-estreladoDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@20c0887d

  • Pacientes que ingeriram imbé, caládio, trevo roxo, lírio-da-paz, pimenta chili ou pimenta caiena podem se queixar de irritação dermatológica ou dor/ardência na membrana mucosa.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Trevo roxoDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@1e9766b8[Figure caption and citation for the preceding image starts]: CapsicumDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@64c3002c[Figure caption and citation for the preceding image starts]: CapsicumDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@cb6b61b[Figure caption and citation for the preceding image starts]: CapsicumDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@303a087a

  • Pacientes que ingeriram capim-doce, sementes de cumaru, bedstraw, meliloto, trevo vermelho ou castanheiro-da-índia podem queixar-se de sintomas de sangramento intenso. O sangramento pode ser visível (por exemplo, epistaxe, melena, hemorragia vaginal, hematúria, hematêmese, hemoptise, sangramento petequial) ou não visível, manifestando-se de acordo com a origem do sangramento (por exemplo, cefaleia, estado mental alterado, síncope, dispneia, dor torácica, dor abdominal ou dor e inchaço muscular).

  • Pacientes que ingeriram açafrão-do-prado, açafrão-do-outono, vinca-de-madagascar, maçã-de-maio, espécies de Podophyllum, mamona (Ricinus communis) ou a fruta akee podem se queixar de sintomas associados à supressão da medula óssea, cuja manifestação clínica é fraqueza, dispneia, pele pálida, hematomas frequentes, petéquias, dor abdominal, febre, erupção cutânea e diarreia.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: MamonaDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7bb8dbbb

  • Pacientes que ingeriram, aspiraram ou inalaram estramônio, figueira-brava, beladona, meimendro ou mandrágora europeia podem queixar-se de efeitos antimuscarínicos (por exemplo, febre, pele seca, rubor, alucinações, inabilidade para urinar e vômitos).[16]

  • Pacientes que ingeriram noz-de-areca, fava-de-calabar e plantas pilocarpus podem queixar-se de sintomas muscarínicos (por exemplo, sudorese, desmaios, tontura, dispneia, fadiga, palpitações e diarreia).[25]

  • Pacientes que ingeriram ginseng azul, cicuta venenosa, chuva-de-ouro, tabaco indiano, tremoço ou tabaco podem queixar-se de sintomas de vômitos violentos, sudorese, tremores, febre, palpitações, convulsões e dispneia.[8]

  • Pacientes que ingeriram mandioca ou plantas prunus podem queixar-se de náuseas, vômitos, dores abdominais, dispneia, hiperventilação e, dependendo da gravidade, cefaleia e estado mental alterado.[26]

Exame físico

Os sinais no exame físico também são importantes.

  • Pacientes que ingeriram algas azuis, tasnas, outras espécies de Senecio, xiquexique, espécies de Heliotropium, cardo-do-visco, kava kava ou cápsulas de chá verde podem ter sinais de insuficiência hepática (por exemplo, icterícia, diminuição da consciência, asterixis [flapping], ascite, eritema palmar, aranhas vasculares).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: SenecioDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@1232cdca

  • Os pacientes que ingeriram acônito, lírio-do-vale, dedaleira, oleandro ou cebola-do-mar podem apresentar pulso fraco, bradicardia e/ou hipotensão.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: OleandroDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@65b0efff

  • Pacientes que ingeriram ginseng azul, cicuta venenosa, chuva-de-ouro, tabaco indiano, tremoço, tabaco, chá verde, erva-mate, malva branca, ma huang (Ephedra), laranja amarga ou khat podem estar taquicárdicos e hipertensos.

  • Pacientes que ingeriram acônito, capacete-de-júpiter, capuz-de-frade, noz-vômica, noz-vomitória, fava-de-santo-inácio, Chondrodendron tomentosum, Strychnos toxifera, guanxuma, azaleia, fetterbush, espécies de Kalmia ou espinheiro podem ter fraqueza e sensações diminuídas no exame neurológico.

  • Pacientes que ingeriram, aspiraram ou inalaram estramônio, figueira-brava, beladona, meimendro ou mandrágora europeia podem demonstrar sinais antimuscarínicos, incluindo midríase (pupilas dilatadas), febre, pele seca, rubor, taquicardia e retenção urinária.[16]

  • Pacientes que ingeriram noz-de-areca, fava-de-calabar e plantas pilocarpus podem demonstrar sinais muscarínicos, inclusive miose (pupilas constritas), diaforese, bradicardia, hipotensão e estertores basais na ausculta pulmonar.[25]

  • Pacientes que ingeriram ginseng azul, cicuta venenosa, chuva-de-ouro, tabaco indiano, tremoço, laburnum ou tabaco podem se queixar de sintomas de diaforese, midríase, fasciculação, febre, taquicardia, hipertensão e depressão respiratória.[8][32]

Investigações

O eletrocardiograma (ECG) deve realizado como parte do exame físico de rotina de pacientes que ingeriram plantas venenosas.

  • Os ECGs dos pacientes que ingeriram acônito, lírio do vale, dedaleira, oleandro, cebola-do-mar, ginseng azul, cicuta venenosa, chuva-de-ouro, tabaco indiano, tremoço, chá verde, erva-mate, malva branca ou ma huang (Ephedra) podem exibir disritmias.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: OleandroDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@3e1ea0b

  • Os ECGs de pacientes que ingeriram acônito, lírio-do-vale, dedaleira, oleandro ou cebola-do-mar podem exibir bradiarritmias com ou sem bloqueio atrioventricular.

  • Os ECGs de pacientes que ingeriram ginseng azul, cicuta venenosa, chuva-de-ouro, tabaco indiano, tremoço, tabaco, chá verde, erva-mate, malva branca, ma huang (Ephedra) ou khat podem mostrar taquiarritmias.

  • Os ECGs de pacientes que ingeriram sementes ou folhas de teixo podem mostrar arritmias ventriculares.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: TeixoDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@26ebf753[Figure caption and citation for the preceding image starts]: TeixoDo acervo pessoal de Gerald O'Malley [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@5db459c7

Exames laboratoriais

  • Um hemograma completo pode ajudar a avaliar a supressão da medula óssea induzida por plantas ou oferecer evidências de sangramento interno; eletrólitos séricos, ureia e creatinina podem ser úteis para a avaliação de gastroenterite/nefrotoxinas induzidas por plantas.

  • A gasometria arterial e o lactato sérico podem ser necessários após a ingestão de plantas com glicosídeo cianogênico ou após uma convulsão induzida por plantas a fim de avaliar a acidose.

  • Os níveis de digoxina sérica podem ser positivos após a ingestão de plantas com glicosídeo cardíaco, mas, por diferenças na afinidade de ligação ao ensaio, esses níveis não são úteis, e o tratamento é determinado conforme a gravidade dos sintomas. Pode haver resultados negativos apesar da ingestão de glicosídeos cardíacos.

  • Testes da função hepática são úteis após a ingestão de plantas potencialmente hepatotóxicas, e a razão normalizada internacional (INR) é útil após a ingestão de plantas com o potencial de causar sangramento/hepatotoxicidade.

  • Os níveis de cálcio sérico podem estar diminuídos após a ingestão de plantas com oxalato solúvel (ruibarbo, azedinha, carambola).

  • A glicose sérica pode estar diminuída após a ingestão de akee não maduro.

  • As troponinas podem ser prognósticas de cardiotoxicidade nas ingestões de colchicina.

Pacientes com sintomas respiratórios ou cardiovasculares (por exemplo, dispneia, tosse, dor torácica) exigem uma radiografia torácica.

  • Pacientes que ingeriram noz-de-areca, fava-de-calabar ou plantas pilocarpus podem ter edema pulmonar não cardiogênico. Dependendo da gravidade, ele pode ser visível na radiografia torácica.

Resposta à fisostigmina em pacientes com possível ingestão de planta antimuscarínica

  • A fisostigmina é um inibidor da acetilcolinesterase de curta duração (0.5 a 6 horas) que pode reverter os efeitos antimuscarínicos de certas medicações e toxinas por um curto período.

  • A fisostigmina pode ser útil na intoxicação por plantas antimuscarínicas como um auxílio diagnóstico, quando a etiologia da febre, taquicardia e estado mental alterado é desconhecida. A resposta à fisostigmina pode ajudar a diferenciar entre uma intoxicação antimuscarínica e outra etiologia, como infecção ou intoxicação por um simpatomimético. A fisostigmina pode ser usada como tratamento e pode ser mais eficiente que um benzodiazepínico no controle da agitação.[36]

Identificação da planta

Os pacientes podem saber quais plantas ingeriram ou até mesmo apresentar as plantas (ou fotografias delas) ao médico. Nesses casos, centros toxicológicos locais, universidades, faculdades e arboretos/viveiros/estufas podem ser úteis na identificação da planta.[1]​​​[37] A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA também mantém um banco de dados online que pode ser útil. US FDA: PLANTOX poisonous plant identification database Opens in new window Porém, muito frequentemente, os pacientes estão errados em sua identificação da planta. Os médicos devem fazer anotações e tentar identificar a espécie da planta, mas a atenção deve ser voltada para os sinais e sintomas manifestos.

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