Abordagem

O diagnóstico clássico de tripanossomíase humana africana (THA) envolve uma abordagem em três etapas:

  • Identificação de suspeitos

  • Confirmação parasitológica

  • Estadiamento da doença

Para identificar as pessoas com suspeita da doença, é preciso determinar se elas moraram ou visitaram uma área endêmica, bem como verificar se há sinais e sintomas clínicos ou evidências sorológicas (presença de anticorpos específicos a tripanossomos no sangue).

A detecção do parasita é considerada a confirmação da infecção. Ela é relativamente fácil para T b rhodesiense, mas é frequentemente difícil para T b gambiense, na qual a falha em identificar o parasita não é incomum, mesmo que sejam aplicadas técnicas de concentração. Por essa razão, em algumas situações epidemiológicas, a decisão sobre o tratamento é feita depois da obtenção de evidências clínicas e sorológicas.[27]

Uma vez que os parasitas são detectados, o estágio da doença, em combinação com a subespécie do tripanossoma causador, determina as escolhas terapêuticas para o tratamento.

História e exame clínico

A suspeita inicial deve ser alta em pacientes que tenham visitado uma área endêmica de tripanossomíase humana africana na África subsaariana e que apresentem uma história de picada por tsé-tsé, embora a picada possivelmente não tenha sido notada.

Os sinais e sintomas são inespecíficos e variáveis e, portanto, insuficientes para o diagnóstico e o estadiamento. O início dos sintomas geralmente é mais agudo em indivíduos que se originam de áreas não endêmicas.[7][28]​ Os pacientes frequentemente apresentam uma história de tratamento da malária, sem melhora.[29][30]

Os sinais e sintomas que podem ser observados no primeiro estágio da doença incluem:

  • Fadiga

  • Cefaleia

  • Febre

  • Mal-estar

  • Linfonodos cervicais aumentados (sinal de Winterbottom; principalmente T b gambiense)

  • Cancro no local da inoculação (principalmente T b rhodesiense)

  • Prurido

  • Erupção cutânea

  • Edema

  • Hepatoesplenomegalia

  • Disfunções endócrinas (em mulheres: história de infertilidade, amenorreia e aborto espontâneo; em homens: redução da libido, impotência)

Os pacientes com THA gambiense progridem do primeiro para o segundo estágio após um tempo médio de 500 dias.[31] No segundo estágio da infecção por THA gambiense, os sinais do primeiro estágio persistem e os sinais de envolvimento neurológico tornam-se aparentes, incluindo:[32]

  • Distúrbios da consciência e do sono (embora isso também possa estar presente no primeiro estágio da doença)

  • Funções motoras comprometidas (por exemplo, ataxia, distúrbios da marcha, tremores, movimentos anormais)

  • Distúrbios sensoriais

  • Alterações mentais (por exemplo, desatenção, desorientação no tempo e/ou espaço, processos de pensamento lentos, deficit de memória)

  • Comportamento anormal (por exemplo, desinibição, excitação, euforia, agressividade, indiferença)

Em pacientes com THA rhodesiense, a duração dos sintomas sugere que a doença progride para o segundo estágio entre 3 semanas e 2 meses de infecção.[33] Devido a essa intensidade, o envolvimento neurológico pode demorar para se manifestar. Os pacientes internados geralmente apresentam insuficiência de múltiplos órgãos ou insuficiência cardíaca com resultados anormais no eletrocardiograma.[28][34]

Investigações laboratoriais

Embora não sejam suficientes para estabelecer o diagnóstico da tripanossomíase humana africana, as anormalidades comuns do sangue incluem:[35][36]

  • Anemia: leve para a THA gambiense, mas grave na THA rhodesiense

  • Trombocitopenia: leve para a THA gambiense, pode ser grave na THA rhodesiense

  • Leucocitose moderada

  • Velocidade de hemossedimentação (VHS) aumentada

  • Aumento dos níveis de imunoglobulina (Ig), especialmente IgM

Portanto, um hemograma completo, VHS e imunoglobulinas séricas podem ser solicitados para dar suporte ao diagnóstico.

A presença de uma variedade de anticorpos inespecíficos tem sido relatada durante a infecção por T b gambiense e, consequentemente, constitui um risco para o diagnóstico errado e a não detecção da tripanossomíase humana africana.

Os anticorpos específicos do tripanossomo no sangue são detectáveis pelos seguintes métodos:

  • Teste de aglutinação em cartão para tripanossomíase (CATT) para T b gambiense. Esse teste é aplicado no rastreamento da população de risco em áreas endêmicas do T b gambiense.

  • Ensaio de imunoadsorção enzimática (ELISA) ou ensaio de imunofluorescência para T b gambiense e T b rhodesiense.

  • Foram desenvolvidos exames de sangue rápidos para a detecção de anticorpos específicos do tripanossomo. Eles são uma alternativa ao CATT e oferecem a vantagem de serem exames individuais. Eles são, portanto, particularmente adequados para uso em centros não especializados que são ocasionalmente confrontados com a THA por T b gambiense.[37][38][39][40]

A identificação de um caso suspeito de THA, com base em achados clínicos ou em testes sorológicos, deve ser seguida de exame microscópico para a presença de parasitas:

  • O exame de gota espessa e com coloração do sangue é o exame microscópico mais comumente aplicado e permite o diagnóstico diferencial da malária. A técnica pode se manter negativa em infecções pelo T b gambiense, que são caracterizadas por níveis baixos do parasita no sangue.

  • As técnicas de concentração de sangue, como a técnica de centrifugação de micro-hematócrito, técnica da camada leucoplaquetária, ou técnica de centrifugação de minitroca de ânion (mAECT) são indicadas para a detecção do T b gambiense. Exames repetitivos podem ser necessários para encontrar T b gambiense. A camada leucoplaquetária é considerada o melhor exame, com sensibilidade em torno de 75% a 85%.[41][42] A sensibilidade da mAECT pode ser elevada para 91% a 96% quando a camada leucoplaquetária de maiores volumes de sangue é aplicada na coluna.[43][44]

  • É comumente aceito que os casos de tripanossomíase são definidos pela demonstração microscópica dos tripanossomos em qualquer fluido corporal. Ocasionalmente, casos de THA gambiense têm sido definidos sorologicamente, como o caso de um paciente vivendo em uma área endêmica que apresentou sorologia positiva no CATT, usando diferentes limiares de titulação.[27][45][46]

Outros fluidos corporais que podem ser examinados microscopicamente para a presença de tripanossomos incluem:

  • Aspirado de linfonodos para T b gambiense

  • Aspirado do cancro para T b rhodesiense

  • Líquido cefalorraquidiano (LCR)

Estadiamento da doença

Uma vez que a infecção tenha sido confirmada, ou se houver um alto índice de suspeita de infecção (como um título final de CATT elevado e/ou sintomas neurológicos), uma punção lombar deve ser realizada e o LCR examinado para estadiamento da doença para auxiliar na orientação do tratamento.[32]

Pacientes que podem ser tratados sem punção lombar

  • Pacientes com idade ≥6 anos e peso corporal ≥20 kg que atendam as seguintes condições:

    • Baixo índice de suspeita de doença grave com base no julgamento clínico; e

    • Alta confiança de que o paciente terá acompanhamento adequado para detectar recidivas precocemente.

  • Esses pacientes não necessitam de estadiamento e podem ser tratados preferencialmente com fexinidazol.

Pacientes que necessitam de punção lombar

  • Pacientes que não atendem aos critérios acima

  • Pacientes que rejeitam ou não toleram fexinidazol

Se for necessária punção lombar e exame do LCR, o estadiamento da doença para THA gambiense e rhodesiense é o seguinte:[32]

  • Doença em primeiro estágio (também chamada de estágio inicial ou estágio hemolinfático):

    • ≤5 leucócitos/microlitro E nenhum tripanossoma no LCR

  • Doença em segundo estágio (também chamada de estágio tardio ou estágio meningoencefalítico):

    • >5 leucócitos/microlitro OU tripanossomas no LCR

O segundo estágio da THA gambiense pode ser classificado como grave.

  • Doença em segundo estágio grave (também chamada de estágio meningoencefalítico grave): ≥100 leucócitos/microlitro no LCR com ou sem tripanossomas.

Novas investigações

Apesar da ressonância nuclear magnética (RNM) cranioencefálica não ter nenhum papel no diagnóstico da tripanossomíase humana africana, podem ser observados espessamento meníngeo, sinal hiperintenso em T2 confluente bilateral na substância branca supratentorial, tronco encefálico e cerebelo. As anormalidades continuam presentes mesmo após uma cura bem-sucedida.[47][48]

O teste imunológico de tripanólise é um novo exame no qual os tripanossomos T b gambiense vivos são incubados com soro ou plasma humanos.[49][50]​ A especificidade do teste imunológico de tripanólise é considerada 100%, e um resultado positivo parece ser um indicador do contato com o T b gambiense. O exame pode ser realizado apenas em laboratórios altamente especializados.

Várias proteínas do LCR e marcadores de ativação do sistema imunológico celular, bem como a detecção de RNA, estão sendo investigados como marcadores para estadiamento e avaliação de desfechos de tratamento.[51][52][53][54][55][56]​​

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