Abordagem

O diagnóstico imediato e a intervenção oportuna afetam os desfechos finais e podem prevenir a cegueira. Os profissionais devem reconhecer suas limitações e, quando necessário, buscar aconselhamento adicional ou encaminhar o paciente a um oftalmologista, especialmente para apresentações com lesão ocular significativa, dor ocular ou trauma periocular.​[30][31]

A evidência de patologia ocular potencialmente grave que requer avaliação oftalmológica especializada inclui:

  • Um mecanismo suspeito de lesão (por exemplo, projétil ou corpo estranho intraocular após se martelar metal contra metal ou usar ferramentas elétricas)

  • Achados inexplicáveis (por exemplo, pupila irregular, pressão intraocular assimetricamente baixa, diminuição da visão)

  • Hemorragia subconjuntival significativa que impede a visualização da esclera (devido à possibilidade de lesão ocular aberta).

Quando houver suspeita de lesão no globo ocular, interrompa o exame, cubra o olho afetado com um tapa-olho protetor e não aplique pressão. Encaminhe o paciente para avaliação completa e reparo por um oftalmologista em uma sala de cirurgia.[30][31]

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Os princípios ABC da avaliação de traumasAdaptado de Kroesen CF et al. Mil Med 2020 Jan 7;185(suppl 1):448-53 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@6f70483a

História

Os principais fatores de risco para trauma ocular incluem idades entre 18 e 45 anos, sexo masculino, ausência de óculos de proteção, lesões no local de trabalho, fogos de artifício e exposição excessiva à luz ultravioleta.

Em idosos, as quedas são uma causa importante de lesões oculares graves, principalmente nas mulheres.[9]​ Os pacientes geralmente apresentam história de trauma devido a lesões mecânicas, químicas ou térmicas, ou radiação (ultravioleta ou ionizante). Os sintomas comuns incluem dor, redução da visão, inchaço ao redor do olho e sangramento.

Estabelecer:

  • Se há lesões sistêmicas

  • Se houve perda de consciência

  • Qualquer cirurgia ocular anterior

  • Situação da profilaxia para tétano

  • Possível contaminação da ferida.

Para o trauma mecânico, o mecanismo de lesão pode sugerir uma lesão de globo aberto. Por exemplo, uma lesão com objeto pontiagudo ou projétil em alta velocidade em pacientes sem proteção ocular levantaria a preocupação de uma laceração ou ruptura, respectivamente. Os médicos devem ter um alto índice de suspeita de corpo estranho intraocular se o mecanismo for sugestivo, como uma lesão em alta velocidade envolvendo metal ou madeira, e devem solicitar exames de imagem apropriados. As abrasões da córnea podem ser causadas por unhas, garras de animais, pedaços de papel ou papelão, aplicadores de maquiagem, ferramentas manuais ou corpo estranho alojado sob a pálpebra.

Para um trauma químico (incluindo exposição a radiação), determine a quantidade de exposição e o tipo de agente químico/radiação.

Exame oftalmológico básico

Adote uma abordagem sistemática para o exame do rosto, área orbital, pálpebras e olho inteiro. Anestésicos tópicos podem auxiliar no exame.[32][33]

Os seguintes aspectos devem ser avaliados:

  • Exame externo: rosto, borda orbital, anexos oculares, conjuntiva e esclera

  • Visão e pressão intraocular, se possível

  • Campos visuais confrontantes

  • Movimentos extraoculares

  • Reatividade da pupila à luz e presença de um defeito pupilar aferente.

Quando houver suspeita de lesão no globo ocular, interrompa o exame, cubra o olho afetado com um tapa-olho protetor e não aplique pressão. Encaminhe o paciente para avaliação completa e reparo por um oftalmologista em uma sala de cirurgia.[30][31]

Exame físico

O exame físico é essencial para estabelecer o diagnóstico e orientar o tratamento.

Traumatismo contuso:

  • Geralmente se apresenta com dor intensa e diminuição da visão. Hemorragia subconjuntival significativa e motilidade ocular limitada ao exame físico podem estar presentes. A córnea está envolvida em >50% de todos os traumas oculares graves.[1]​ O exame com lâmpada de fenda pode mostrar edema ou abrasões corneanos.[34]​ Nos casos graves pode haver ruptura da córnea ou da esclera.

  • Hifema, midríase traumática ou iridodiálise (íris separada de sua raiz) podem estar presentes e indicar que o olho sofreu trauma com força significativa. O exame de fundo de olho dilatado deve ser realizado para avaliar para lesões do segmento posterior.

  • Uma avaliação ocular completa é obrigatória e deve incluir a pressão intraocular (PIO), estruturas dentro do ângulo, clareza e estabilidade da lente, polo posterior e retina periférica.

Queimaduras químicas, térmicas ou por radiação

  • Estas podem apresentar envolvimento palpebral, hiperemia conjuntival e quemose (edema da conjuntiva), defeitos epiteliais da córnea, opacificação e edema da córnea, células e flare na câmara anterior, PIO elevada ou catarata.

  • Após uma exposição a radiação, os sintomas ocorrem dentro de 5-12 horas e incluem fotofobia, dor na córnea, lacrimejamento e blefaroespasmo.

Corpos estranhos

  • Corpos estranhos superficiais na córnea geralmente causam irritação significativa, sensação de corpo estranho e lacrimejamento. Eles podem ser visualizados prontamente ao exame de lâmpada de fenda.

  • Para corpos estranhos na conjuntiva, o exame com lâmpada de fenda pode mostrar erosões epiteliais ponteadas ou abrasões da córnea verticais lineares na parte superior da córnea. Um olho dolorido com abrasões da córnea verticalmente lineares pode indicar um corpo estranho alojado na conjuntiva tarsal superior.​ Hiperemia e material incrustado também podem estar presentes.

  • Deve ser realizada uma eversão da pálpebra com exame cuidadoso da conjuntiva tarsal.

  • Deve ser realizada uma oftalmoscopia para examinar o vítreo e a retina quanto a possíveis corpos estranhos.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Corpo estranho subtarsal. Abrasões da córnea verticaisUtilizado com a devida permissão dos Drs. Smith, Severn e Clarke [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@70657604

  • Após abrasões da córnea, a pupila é tipicamente pequena (miose reativa). O exame com lâmpada de fenda pode mostrar um corpo estranho na córnea. A profundidade do envolvimento da córnea e a possível penetração na câmara anterior devem ser determinadas.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Corpo estranho na córneaUtilizado com a devida permissão dos Drs. Smith, Severn e Clarke [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@455d1d5c

  • Lacerações conjuntivais devem levantar a suspeita de lesão de estruturas mais profundas e da presença de lesão ocular aberta ou corpo estranho intraocular. Os pacientes podem apresentar dor, olhos vermelhos, sensação de corpo estranho e história de trauma. O exame de lâmpada de fenda mostra coloração com fluoresceína da conjuntiva. Hemorragias subconjuntivais estão presentes com as lacerações conjuntivais.

  • Qualquer suspeita de corpo estranho penetrante sugere a necessidade de exames de imagem ou exame de fundo de olho totalmente dilatado por um oftalmologista para determinar a presença de um corpo estranho intraocular. Defeitos de transiluminação da íris, pupila irregular, inflamação intraocular, hemorragia do vítreo e PIO diminuída podem sugerir penetração ocular. O cristalino deve ser examinado quanto a integridade capsular, formação de catarata ou algum corpo estranho alojado. A gonioscopia pode ser considerada caso nenhum vazamento por uma ferida puder ser detectado e o globo ocular parecer intacto.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Lesão da córnea penetrante com prolapso da írisUtilizado com a devida permissão dos Drs. Smith, Severn e Clarke [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@3e900d73[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Hemorragias subconjuntivaisUtilizado com a devida permissão dos Drs. Smith, Severn e Clarke [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@446730d9

Lesões oculares abertas

  • Quando houver suspeita de lesão no globo ocular, interrompa o exame, cubra o olho afetado com um tapa-olho protetor e não aplique pressão. Encaminhe o paciente para avaliação completa e reparo por um oftalmologista em uma sala de cirurgia.[30][31]

  • Os pacientes com danos à integridade do globo ocular podem apresentar diminuição da acuidade visual, dor e lacrimejamento. Pode haver hemorragia subconjuntival e uma pupila com pico (isto é, se a íris obstruir o vazamento). Equimose ou outros sinais de dano às estruturas periorbitais (por exemplo, lacerações da pálpebra) podem estar presentes. As áreas mais comuns de ruptura são os locais onde a esclera é mais fina: o limbo (margem da córnea onde ela se encontra com a esclera), a esclera abaixo da inserção dos músculos retos e a cabeça do nervo óptico. As rupturas também podem ocorrer nos sítios de feridas anteriores, como os de cirurgias de catarata ou transplantes de córnea.

  • Um teste de Seidel pode ser usado para investigar a possibilidade de uma lesão ocular aberta.

Hemorragias subconjuntivais

  • Isso pode ocorrer após um trauma contuso ou após uma manobra de Valsalva (por exemplo, tosse, espirros, esforço ou vômitos).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Hemorragias subconjuntivaisUtilizado com a devida permissão dos Drs. Smith, Severn e Clarke [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@325d7c22

  • O tratamento não é necessário e a tranquilização geralmente é suficiente. Se recorrente, descarte problemas sistêmicos, como uma doença hemorrágica subjacente.[35]

  • Note que uma grande hemorragia subconjuntival em um cenário de trauma significativo, especialmente se associada a outros achados oculares, pode ser um sinal de lesão ocular aberta.

Exame oftalmológico completo

Um exame oftalmológico completo deve complementar o exame geral, embora a escolha dependa do tipo de trauma. O exame pode precisar ser realizado sob anestesia tópica ou geral.[30][31][32][33]

Exame com lâmpada de fenda

Os olhos devem ser examinados quanto a possíveis lacerações palpebrais; lacerações superficiais ou da espessura total da córnea e da esclera; e presença de corpos estranhos. Uma pupila irregular ou com pico pode ser sinal de lesão ocular aberta. A presença de hifema indica que o olho sofreu uma lesão significativa. Um exame minucioso é necessário para identificar lesões em outras estruturas dentro dos segmentos anterior e posterior.

  • Teste de Seidel: realizado apenas se houver suspeita de ferida com vazamento (não faça se houver ferida óbvia). Para realizar, aplique uma tira de fluoresceína com algumas gotas de soro fisiológico estéril ou proximetacaína tópica diretamente na córnea e observe os efeitos sob exame de lâmpada de fenda. Uma visualização de corante diluído sob luz azul (um teste positivo) sugere lesão ocular aberta. Uma abrasão da córnea mostrará captação na área do epitélio ausente, mas não mostrará diluição pelo humor aquoso.

  • Tonometria: usada para determinar a pressão intraocular (PIO) registrando a resistência da córnea. O exame da lâmpada de fenda pode incluir aplanação de Goldmann se não houver suspeita de lesão ocular aberta. Instrumentos portáteis estão disponíveis (por exemplo, tonopen, iCare); seu uso dependerá do grau de lesão ocular. A tonometria não é realizada quando há falta de integridade do globo.

  • Gonioscopia: raramente realizada como parte da avaliação inicial de olhos traumatizados no pronto-socorro. Uma goniolente pode detectar lesões nas estruturas de drenagem do olho, como recessão angular, e pode ajudar a descartar a suspeita de corpo estranho no ângulo. A gonioscopia não é realizada na presença de lesões oculares abertas.

Oftalmoscopia

A oftalmoscopia direta raramente é usada após um trauma. Um oftalmologista normalmente realiza oftalmoscopia indireta se uma visualização for possível. A oftalmoscopia pode identificar possíveis danos no segmento posterior, como hemorragia vítrea, lacerações na retina, edema de Berlin (commotio retinae), descolamento de retina, ruptura de coroide, ruptura posterior e corpo estranho intraocular. O exame de fundo de olho dilatado, que usa colírios midriáticos para dilatar ou aumentar a pupila, permite a visualização do vítreo, da retina e do nervo óptico.

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Abrasão da córnea observada com coloração de fluoresceínaUtilizado com a devida permissão dos Drs. Smith, Severn e Clarke [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@46e98c7c

Exames de imagem

A escolha do exame de imagem depende do quadro clínico e da disponibilidade de recursos.[36][37][38]​​​​

Tomografia computadorizada (TC) orbital (sem contraste)

  • Modalidade de imagem preferencial para avaliar o trauma orbitário.[36]

  • Indicada se houver suspeita de corpo estranho intraocular ou intraorbital ou fraturas da parede orbital ou para avaliar a integridade do globo ocular.

  • Sensível para detectar corpo estranho metálico ou vídro intraorbitário.[39] No entanto, a madeira é difícil de detectar na TC.[40][41][42]​​

  • Realize uma TC axial em lâmina delgada com reforma multiplanar se houver suspeita de fratura ou corpo estranho orbitais.[43]

TC do crânio (sem contraste)

  • Tem um papel complementar à TC orbital em caso de trauma cranioencefálico concomitante e suspeita de anormalidade intracraniana, fratura na calota ou fratura no teto da órbita.

Ressonância nuclear magnética (RNM) do crânio

  • Usada de maneira complementar à TC quando é necessário maior contraste de tecidos moles para avaliar trauma orbitário e lesão craniana.

  • Contraindicado se um corpo estranho intraocular metálico estiver presente ou for suspeitado.

  • Pode ser útil na detecção de corpo estranho intraocular de madeira.[44]

Outros exames de imagem

A escolha do exame de imagem depende do quadro clínico e da disponibilidade de recursos.

Radiografia simples

  • Não recomendada em vez da TC ou RNM.

  • Seu uso é necessário onde outras modalidades de imagem não estiverem disponíveis.

  • Podem ser usadas para detectar corpos estranhos ou fraturas da parede orbital. Os corpos estranhos intraoculares compostos de madeira são particularmente difíceis de detectar nas radiografias simples.[44]

ultrassonografia modo B

  • Produz uma visão transversal bidimensional (2D) do olho e da órbita. Pode ser útil para avaliar o globo e seu conteúdo.

  • Indicada para avaliação do polo posterior caso a clareza dos meios oculares não permita um exame do fundo do olho com dilatação.

  • Útil para identificar e localizar corpos estranhos intraoculares.

  • Não recomendada caso haja suspeita de lesão ocular aberta (porque a extrusão do tecido e a contaminação são preocupantes). No entanto, pode ser útil para detectar lesões oculares abertas ocultas.

Biomicroscopia ultrassônica

  • Usa ultrassonografia de frequência muito alta para produzir uma vista transversal bidimensional do olho.

  • Indicada para avaliar corpos estranhos localizados anteriormente, danos angulares (por exemplo, fissura por ciclodiálise), integridade da cápsula do cristalino e a posição do cristalino após o trauma.

  • Não recomendada em caso de suspeita de lesão ocular aberta.

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Reconstrução coronal por TC com algoritmos para ossos (a) e tecidos moles (b) de uma fratura no assoalho orbital isolada. a Fratura do assoalho orbital direito com comprometimento do aspecto medial da ranhura infraorbital (seta branca) e deslocamento de um fragmento ósseo para o seio maxilar (seta vazia). b Leve edema do músculo reto inferior direito (ponta de seta) parcialmente herniado para dentro do defeito ósseo; grande herniação da gordura intraorbital através do espaço da fratura; podem ser reconhecidos hematomas nos tecidos moles herniados (asteriscos)Cellina M et al. Insights Imaging 2022 Jan 12;13(1):4; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@70391f18[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Aquisição axial de TC com algoritmos para ossos (a) e tecidos moles (b) em paciente com uma fratura atual na parede orbital direita medial (seta branca) e uma fratura anterior na parede orbital medial contralateral (seta vazia). a Descontinuação extensiva da lâmina papirácea direita (seta branca). b O músculo reto medial está edemaciado, com desvio medial, e parcialmente encarcerado na fratura (asterisco); presença de hemossinus, visível como uma célula etmoidal posterior direita ocupada por material hiperdenso (sangue) (seta)Cellina M et al. Insights Imaging 2022 Jan 12;13(1):4; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@492b5c14

Imagem ocular

Realize imagens oculares no consultório de um oftalmologista, não no pronto-socorro. Os estudos podem incluir:

  • Tomografia de coerência óptica: para diagnosticar patologia macular resultante do trauma, como um buraco macular.

  • Angiografia com fluoresceína: identifica possíveis complicações após trauma, como neovascularização da coroide.

  • Autofluorescência do fundo: uma técnica rápida e não invasiva que pode ajudar a predizer a função do epitélio pigmentar da retina após um dano por trauma ocular contuso.

Exames laboratoriais

A análise toxicológica pode ser útil, especialmente se uma cirurgia for indicada.

O rastreamento para traço falciforme é indicado para pessoas de ascendência africana ou mediterrânea que apresentam hifema. O teste positivo pode influenciar o manejo e o desfecho.

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