Abordagem

O diagnóstico de febre amarela em um paciente que apresenta uma enfermidade febril compatível depois de viajar para (ou viver em) uma área endêmica baseia-se em testes moleculares ou sorológicos e no descarte de diagnósticos alternativos. É uma doença de difícil diagnóstico, pois as formas mais graves podem ser confundidas com malária, leptospirose, outras febres hemorrágicas ou hepatite viral. A febre amarela é uma doença de notificação compulsória em alguns países.

Quadro clínico

Uma enfermidade febril de início agudo em um paciente não imunizado que more em, ou tenha retornado de um país onde a febre amarela é endêmica (Américas do Sul e Central, Caribe, África), ou em um paciente com suspeita de exposição a uma arma biológica, deve aumentar a suspeita de febre amarela. Os pacientes geralmente se lembram de uma picada de um mosquito. Na ausência de história de vacinação evidente ou confiável, o paciente deverá ser considerado não imunizado.[1]

A infecção é assintomática ou clinicamente inaparente na maioria das pessoas. Nos pacientes sintomáticos, o quadro clínico é caracterizado por 3 fases: infecção, remissão e intoxicação.

  • Após um tempo de incubação de 3 a 6 dias, observa-se um período inicial de infecção com início súbito de sintomas inespecíficos, como febre (temperatura média de 39 °C [102 °F]), cefaleia, mialgias, tontura e mal-estar que duram de 2 a 6 dias.[2] Hiperemia conjuntival, bradicardia relativa (sinal de Faget) e leucopenia são características desse período. A maioria das infecções não avança dessa fase inicial e apresenta resolução espontânea.

  • Após um período de remissão caracterizado por ausência de febre com duração de 24 a 48 horas, 15% a 25% dos pacientes desenvolvem um período de intoxicação.[2] Esse período caracteriza-se por um efeito rebote dos sintomas, frequentemente acompanhados de dor abdominal, vômitos e letargia. Icterícia, transaminite e coagulopatia se desenvolvem e acabam culminando em choque, insuficiência hepatorrenal e óbito em 7 a 10 dias após o início. Manifestações hemorrágicas (ou seja, petéquias, equimoses, ou sangramento evidente das gengivas, nariz, mucosas ou locais de flebotomia) sugerem um prognóstico desfavorável.

Investigações iniciais

Leucopenia, neutropenia e enzimas hepáticas elevadas no início são típicas. Posteriormente, agravamento da transaminite hepática e elevação da creatinina com albuminúria são comuns. O grau de elevação de enzimas hepáticas está correlacionado a um pior prognóstico.[1][2]

Apesar de o diagnóstico preliminar se basear no quadro clínico e nas datas e nos locais de viagem (caso o paciente seja de uma área não endêmica), o diagnóstico é confirmado por exames laboratoriais, seja pela detecção do RNA do vírus da febre amarela por reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa (RT-PCR) ou pela detecção de anticorpos ao vírus da febre amarela (sorologia). Os resultados devem ser interpretados com cautela no contexto de quadro clínico, no contexto epidemiológico e história de vacinação.

As recomendações de testes diagnósticos feitas pela Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde estão detalhadas abaixo.[33]

RT-PCR:

  • A reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa (RT-PCR) é o teste de preferência para o diagnóstico de pacientes com suspeita de infecção por febre amarela.

  • O RNA viral pode ser detectado usando-se a RT-PCR dentro de 10 dias após o início dos sintomas. Ocasionalmente, o RNA viral pode ser detectado por mais de 10 dias (detecção em até 14 dias), particularmente nos casos graves.

  • Um resultado positivo confirma o diagnóstico e não é necessário nenhum outro teste. Se o resultado for negativo, recomenda-se realizar um teste sorológico subsequente.

Teste sorológico:

  • A testagem sorológica com uso de ELISA (ou qualquer outro imunoensaio, como a imunofluorescência indireta) para IgM é recomendada a partir do 6º dia nos pacientes com um resultado de RT-PCR negativo. A confirmação laboratorial requer a soroconversão em amostras agudas e de convalescença pareadas (colhidas com pelo menos uma semana de intervalo) com um aumento de mais de 4 vezes nos títulos de anticorpos entre as amostras. É importante observar que uma reação cruzada significativa com outros flavivírus pode ocorrer nos ensaios para IgM contra febre amarela, especialmente nas infecções secundárias por flavivírus. Atualmente, não há kits comerciais de ELISA para IgM disponíveis.

  • Um resultado de IgM positivo deve ser seguido pelo teste de IgM diferencial que é apropriado para a situação epidemiológica da área, particularmente em locais onde o vírus da febre amarela circula concomitantemente com outros flavivírus, como dengue e Zika. Um resultado de teste diferencial positivo indica infecção recente por flavivírus, mas não exclui a febre amarela e é necessária investigação adicional. Um resultado de teste diferencial negativo indica um provável caso de febre amarela; no entanto, um teste de IgM positivo em uma única amostra não é confirmatório e critérios clínicos e epidemiológicos adicionais devem ser usados para a interpretação final do caso.

  • Um resultado de IgM negativo em uma amostra coletada ≥8 dias a partir do início dos sintomas exclui o diagnóstico de febre amarela; no entanto, os casos devem ser sempre investigados e um diagnóstico diferencial clínico deve ser realizado. Um resultado de IgM negativo em uma amostra coletada <8 dias a partir do início dos sintomas é considerado inconclusivo e uma segunda amostra deve ser testada.

  • ELISA-IgG e teste de neutralização por redução de placas (PRNT) também podem ser usados. O PRNT oferece maior especificidade em comparação com a detecção de IgM e IgG, mas requer um laboratório especializado e a reatividade cruzada com outros flavivírus ainda é um problema.

  • Os resultados devem ser interpretados com cuidado nas áreas em que houver campanhas de vacinação ativa em andamento, pois pode ocorrer a detecção de anticorpos induzidos pela vacina.

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) recomendam que a RT-PCR não seja usada para descartar um diagnóstico de febre amarela, pois o RNA viral pode não ser detectável no momento em que os sintomas são reconhecidos.[10]

Outras investigações

Anormalidades na coagulação, com um tempo de protrombina (TP) elevado, trombocitopenia e produtos de degradação do fibrinogênio definem a coagulação intravascular disseminada (CIVD). Alterações no segmento ST-T do ECG indicam lesão miocárdica.

Recomenda-se análise histopatológica de partes do fígado (e outros tecidos) para o diagnóstico em casos fatais; entretanto, a detecção molecular realizada em amostras de tecido fresco também pode ser usada.

A detecção direta do vírus em culturas de tecido (linhagens celulares Vero, AP-61, SW-13, BHK-21), tecido cerebral (inoculação intracerebral em camundongos), ou células do mosquito é tão sensível quanto específica. No entanto, esse exame não está disponível comercialmente e requer laboratórios de referência especializados.[1][34] Embora esses exames sejam usados na confirmação de casos de surtos e provavelmente venham a ser úteis no diagnóstico de febre amarela no futuro, no momento, sua disponibilidade e tempo de espera limitam sua utilização em investigações epidemiológicas e de surtos.

Há esforços promissores para desenvolver protocolos isotérmicos para detecção do genoma da febre amarela que poderiam ser usados em ambientes com recursos limitados onde não é possível realizar a reação em cadeia da polimerase padrão com um termociclador.[35]

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal