Abordagem

O diagnóstico de deficiência de lactase que se manifesta como intolerância à lactose se baseia em uma história clínica característica de precipitação de sintomas gastrointestinais e/ou sistêmicos em minutos a algumas horas depois do consumo de produtos que contêm lactose (lácteos e não lácteos).

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Produtos que contêm lactoseCriado pelo British Medical Journal (BMJ) usando o conteúdo do Dr. Mohammad Azam [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@27d95471

Um ensaio terapêutico de 2 semanas de eliminação da lactose alimentar, com resolução de sintomas, teste de desafio subsequente e recorrência dos sintomas, é geralmente diagnóstico.[2] Na prática, testes diagnósticos bioquímicos raramente são necessários.

Para os casos mais sutis, o teste do hidrogênio no ar expirado com lactose pode ser usado para confirmar o diagnóstico.​​[2][25]​​ O teste de tolerância ao leite, no qual a glicose sanguínea é medida após a administração de 500 mL de leite, ou uma massa fixa de lactose (12.5 a 50.0 gramas), tem sensibilidade e especificidade relativamente baixas e não é mais realizado.[26]

Fatores históricos

Os pacientes geralmente apresentam sintomas de dor abdominal (normalmente, cólica na área periumbilical), distensão abdominal, "barulho na barriga", ou tinidos altos no abdome (borborigmo), flatulência (a qual pode ajudar a aliviar os sintomas em alguns casos) e diarreia (normalmente explosiva, volumosa, espumosa e aquosa) depois de consumir produtos lácteos.

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Sintomas em pessoas com intolerância à lactoseDr Mohammad Azam adaptado de: Matthews SB, Waud JP, Roberts AG, et al. Systemic lactose intolerance: a new perspective on an old problem. Postgrad Med J. 2005;81:167-173 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@3e8fbcd

Sintomas em pessoas com intolerância à lactose

Náuseas e vômitos também podem estar presentes, especialmente nos adolescentes. A maioria dos pacientes também sente uma melhora sintomática quando evita ingerir produtos que contêm lactose (eliminação da lactose alimentar). Outras manifestações menos comuns incluem constipação, vômitos, deficit de crescimento pôndero-estatural (especialmente com deficiência de lactase congênita) e aumento da frequência de sintomas sistêmicos associados.[1] Evidências, ainda que relativamente limitadas, sugerem que os sintomas sistêmicos podem incluir cefaleia, má memória de curto prazo, baixa concentração, tontura, cansaço grave, dor nas articulações, dor muscular, eczema, ulceração na boca, arritmia e asma.[1] Os sintomas sistêmicos são mais comuns em adultos. Pacientes com sintomas sistêmicos, e aqueles em quem os sintomas aparecem devido a lactose de produtos não lácteos (lactose oculta), geralmente não estão cientes da relação entre seus sintomas e a lactose.

É importante perguntar sobre quando ocorreu o início dos sintomas. Os sintomas normalmente se desenvolvem entre alguns minutos e algumas horas após a ingestão de lactose contida em produtos lácteos e não lácteos. No entanto, alguns pacientes podem levar até 12 horas para desenvolver os sintomas.

Muitos pacientes dizem que foram diagnosticados anteriormente com síndrome do intestino irritável, que tem sintomas muito semelhantes e pode inclusive coexistir com deficiência de lactase.[1][23][24]

Os pacientes com deficiência de lactase secundária podem ter sintomas adicionais; por exemplo:

  • Erupções cutâneas e sarcoma de Kaposi com enteropatia por vírus da imunodeficiência humana (HIV)

  • Anemia e perda de peso com enterite eosinofílica

  • Baixa estatura, anemia e perda de peso com a doença celíaca

  • Esteatorreia e história de residência em áreas endêmicas com espru tropical

  • Dor nas articulações e artrite com doença de Whipple

  • Febre com gastroenterite grave

  • Rubor e palpitações com síndrome carcinoide

  • Deficiência progressiva com fibrose cística

  • Perda sensorial com gastropatia diabética

  • Edema e ulceração cutânea com kwashiorkor

  • Esteatorreia, úlcera péptica e doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) com síndrome de Zollinger-Ellison

  • Queda de cabelos e ulceração oral com uso de quimioterapia

  • Queda de cabelos e erupção cutânea com uso de colchicina (para febre familiar do Mediterrâneo)

  • Queda de cabelos e erupção cutânea com enterite por radiação.

Exame físico

O exame abdominal pode revelar desconforto abdominal e distensão que é timpânica à percussão.

Tentativa de eliminação da lactose alimentar

Uma tentativa de eliminação de produtos lácteos e não lácteos com lactose que resulta na resolução dos sintomas, seguida pela retomada dos sintomas com a reintrodução de lactose alimentar, é sugestiva de deficiência de lactase.[2] O limiar para a lactose varia entre as pessoas. A maioria dos pacientes consegue tolerar um copo de leite (240 mL = 11 g de lactose) por dia, enquanto outros desenvolvem os sintomas com apenas 2-3 g de lactose de uma barra de chocolate.[27] Os pacientes devem ser encorajados a se informar sobre o teor de lactose dos alimentos comuns. University of Virginia Digestive Health Center: lactose content of common dairy foods Opens in new window

Exames de sangue de rotina

Os pacientes com dor abdominal e diarreia devem ser submetidos a um hemograma completo. Os resultados normais não diferenciam a deficiência de lactase; no entanto, se anemia estiver presente, poderá indicar a causa subjacente da deficiência de lactase secundária (por exemplo, doença celíaca).

Teste do hidrogênio no ar expirado com lactose com registro simultâneo dos sintomas

Se a eliminação alimentar e o teste de desafio subsequente não forem conclusivos, investigações adicionais podem ser realizadas com esse teste não invasivo e fácil de realizar (com sensibilidade e especificidade altas).[2][25][28]

Resultados precisos requerem equipamento adequado e preparação. Devem ser usados produtos médicos certificados para a coleta. De preferência, o paciente deve estar em jejum por, pelo menos, 8 horas. O tabagismo e a prática de exercícios podem induzir hiperventilação, e devem ser evitados. As diretrizes recomendam protelar o teste respiratório até 4 semanas após a conclusão da antibioticoterapia e 2 semanas após a limpeza colônica.[28][29]

Os pacientes recebem uma dose de 2 g/kg (até 25 g no máximo) de lactose depois de uma noite de jejum. O hidrogênio no ar expirado é examinado na linha basal e a intervalos de 30 minutos por 3 horas, e os sintomas de intolerância são registrados. Valores entre 10 e 19 partes por milhão (ppm) podem ser indeterminados, a não ser que estejam acompanhados de sintomas, enquanto valores ≥20 ppm são considerados diagnósticos.[28][29]​ Critérios revisados (hidrogênio no ar expirado na sexta hora >6 ppm, ou a soma do hidrogênio no ar expirado na quinta, sexta e sétima horas >15 ppm) foram sugeridos, mas não são amplamente praticados nos EUA nem na Europa.[2][30][31]

A sensibilidade será maior se o teste continuar sendo feito por 6 horas, e as amostras de hidrogênio no ar expirado de hora em hora forem colhidas de 3-6 horas. No entanto, isso ainda não é amplamente aceito como prática clínica padrão.[1][2][31]

A sensibilidade pode ser ainda maior se o gás metano no ar expirado (especialmente em não produtores de hidrogênio) também for medido e os sintomas registrados por 48 horas.[1][32]​ No entanto, nenhum critério de positividade é aceito internacionalmente.

Estudos das fezes

Raramente, coproculturas são realizadas; utilizadas principalmente em pacientes com histórias breves de doença diarreica para ajudar a diferenciar entre infecção e intolerância à lactose. Também é possível examinar as fezes dos pacientes com diarreia e suspeita de intolerância (por exemplo, coprocultura negativa) à lactose, ou outros carboidratos, para verificar a presença de substâncias redutoras e pH fecal baixo.[2]

Substâncias redutoras nas fezes

  • Substâncias redutoras são monossacarídeos gerados como subprodutos do metabolismo do carboidrato.

  • Amostras fecais frescas são necessárias e ensaios devem ser realizados imediatamente.

  • Em bebês, as substâncias redutoras nas fezes mensuráveis estão presentes devido ao metabolismo do carboidrato; no entanto, o teste não consegue diferenciar má absorção de lactose de má absorção de frutose, glicose e galactose, de modo que a especificidade é bem baixa.

  • Isso é relativamente menos sensível que a medição do pH fecal.

pH fecal

  • A medição do pH fecal é um teste especialmente útil em bebês.

  • O pH fecal é reduzido em hipolactasia, por causa da formação de ácidos graxos voláteis resultante da má absorção de carboidrato.

  • Ele tem menor sensibilidade e especificidade que o teste do hidrogênio no ar expirado de lactose, e não diferencia má absorção de lactose de má absorção de outros carboidratos.

  • O pH fecal é mais baixo em bebês que em crianças mais velhas.

Teste de tolerância à lactose

Se os estudos fecais forem inconclusivos, será possível realizar esse teste, que mostra má absorção de lactose decorrente de deficiência de lactase. Isso envolve medição da glicose sérica em jejum, administração de lactose e medições seriadas subsequentes da glicose sérica. Resultados falso-negativos podem ocorrer nos pacientes com diabetes mellitus ou supercrescimento bacteriano. O esvaziamento gástrico anormal também pode afetar os resultados (a glicose sanguínea pode ser relativamente mais elevada com esvaziamento rápido ou menor com retardo do esvaziamento gástrico). Devido ao grande número de resultados falso-positivos e falso-negativos, e à natureza incômoda e demorada do teste, ele tem sido substituído em muitos lugares pelo teste do hidrogênio no ar expirado para lactose.[2]

Biópsia do intestino delgado

Pode ser realizada em pacientes com sintomas persistentes e sorologia celíaca positiva, pacientes com história comprovada de exposição à giardíase (por exemplo, água de poço, acampamento) ou supercrescimento bacteriano (por exemplo, cirurgia prévia), ou se o teste do hidrogênio no ar expirado não estiver disponível. A biópsia envolve endoscopia digestiva alta para colher amostras do intestino delgado para medição direta de lactase (e outros dissacarídeos), e para investigar algumas causas secundárias de deficiência de lactase (por exemplo, doença celíaca, giardíase, supercrescimento bacteriano no intestino delgado).[2] No entanto, as concentrações de lactase intestinais não parecem estar correlacionadas aos sintomas de intolerância à lactose, e os resultados da biópsia poderão ser normais se a anormalidade da mucosa for focal ou irregular.[33]

Esse teste invasivo é menos sensível que o teste do hidrogênio no ar expirado de lactose não invasivo.

Novos exames

O teste respiratório de lactose 13C (que atualmente serve principalmente como uma ferramenta de investigação) poderá ser usado no futuro para aumentar a precisão do teste do hidrogênio no ar expirado com lactose.[34][35]

Novas evidências sobre o papel da genotipagem sugerem que ela pode ser um teste diagnóstico útil. Ela tem alta sensibilidade e especificidade, sendo utilizada na Alemanha e nos países nórdicos.[1][32][36] Ela ainda não está amplamente disponível na prática clínica em outros lugares, mas continua a ser avaliada em todo o mundo. A genotipagem fornece um resultado definitivo de um genótipo de hipolactasia, sem a necessidade de considerar níveis de corte, dosagem da lactose, idade do paciente ou duração do teste.[37] No entanto, o genótipo não persistente da lactase não é acompanhado necessariamente por um fenótipo de má absorção.

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