Abordagem
O tratamento para o câncer de mama é complexo e altamente individualizado e leva em consideração diferentes fatores, como idade, capacidade funcional, estádio da doença, tipo de tumor, biologia do tumor (por exemplo, status de receptor de hormônio) e prognóstico (risco de recidiva).
Devido às complexidades do tratamento, as pacientes são mais bem tratadas por uma equipe multidisciplinar de especialistas em câncer de mama, incluindo oncologistas, cirurgiões, rádio-oncologistas, radiologistas, patologistas e enfermeiros. As pacientes devem ser envolvidas nas decisões e no plano de tratamento durante todo o seu curso.
O principal objetivo do tratamento primário para pacientes com câncer de mama in situ é evitar a evolução para câncer de mama invasivo.
A abordagem do tratamento difere entre o carcinoma ductal in situ (CDIS) de baixo risco e o de alto risco e para o carcinoma lobular in situ (CLIS).
Tratamento primário: carcinoma ductal in situ (CDIS) de baixo risco
As opções primárias de tratamento para as pacientes com CDIS de baixo risco (por exemplo, CDIS detectado ao rastreamento, unifocal, unicêntrico, grau baixo a intermediário e ≤2.5 cm) são a terapia conservadora da mama (que envolve uma excisão cirúrgica local ampla do tumor [lumpectomia] seguida de radioterapia adjuvante), ou a mastectomia total (com ou sem reconstrução da mama). A abordagem preferida é determinada por meio de um processo de decisão compartilhada entre a paciente e os médicos assistentes. Ambas as abordagens apresentaram desfechos equivalentes em termos de sobrevida global.[62][74][75]
Geralmente, as diretrizes recomendam a terapia conservadora da mama associada a radioterapia de mama total adjuvante como tratamento primário para a maioria das pacientes com CDIS de baixo risco.[62][76] A margem pós-cirúrgica preferível após a terapia conservadora da mama para o CDIS é ≥2 mm, se a radioterapia de mama total for planejada.[76][77] Caso uma ou mais das margens pós-cirúrgicas seja <2 mm, recomenda-se realizar uma nova excisão ou a mastectomia.[78]
A reconstrução da mama deve ser discutida com todas as pacientes que planejem se submeter à mastectomia. Pode ser realizada simultaneamente à mastectomia (reconstrução imediata) ou mais tardiamente (reconstrução protelada).
Cirurgia de conservação da mama isolada
Algumas pacientes com CDIS de baixo grau podem ser consideradas para a lumpectomia isolada (por exemplo, se houver margens claras >1 cm em todas as direções).[79][80] No entanto, essa abordagem é controversa, pois a maioria dos estudos mostra que a radioterapia adjuvante reduz o risco de recorrência da doença (local e à distância) em vários subgrupos de mulheres com CDIS.[81][82]
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Há estudos e iniciativas em andamento para identificar pacientes com CDIS de baixo risco, para quem a radiação adjuvante pode trazer algum benefício ou, potencialmente, constituir um tratamento excessivo.[83][84]
As diretrizes alertam que a lumpectomia isolada só é adequada para pacientes com baixo risco de recorrência e após uma discussão entre o médico e a paciente sobre os riscos e benefícios.[62] Caso a cirurgia seja realizada isoladamente, deve-se fazer um acompanhamento frequente nos primeiros 3-5 anos, para detectar de maneira precoce uma possível recorrência da doença.
Estadiamento cirúrgico dos linfonodos axilares
O estadiamento cirúrgico de linfonodos auxiliares é controverso em pacientes com CDIS.
A biópsia do linfonodo sentinela (BLS) deve ser fortemente considerada se a paciente for submetida a mastectomia, ou se a excisão do tumor ocorrer em local anatômico que dificulte a realização de uma BLS futura.[62] Não é viável realizar uma BLS após a mastectomia. As diretrizes não recomendam a BLS de rotina em mulheres com CDIS que são submetidas a cirurgia conservadora da mama.[62][63]
Radioterapia de mama total (RMT) adjuvante
A maioria das pacientes recebe radioterapia de mama total (RMT) adjuvante após a lumpectomia para tratar a doença microscópica e reduzir o risco de recorrência ipsilateral.[62] Aproximadamente 50% das recorrências ipsilaterais são CDIS (isto é, não invasivas) e 50% são invasivas.[85]
Revisões sistemáticas e metanálises relatam risco reduzido de recorrência ipsilateral em mulheres com CDIS que receberam radioterapia adjuvante após a cirurgia de conservação da mama, em comparação com aquelas que não receberam radioterapia.[86][87] Um acompanhamento subsequente de longo prazo de um ensaio clínico de fase 3 dá suporte a esses achados.[82] A radioterapia adjuvante não demonstrou melhorar a sobrevida global em mulheres submetidas a cirurgias conservadoras da mama para CDIS; o efeito da radioterapia sobre a mortalidade específica por câncer de mama não foi estabelecido de maneira definitiva.[74][87][88][89]
Reforço da radioterapia no leito tumoral
Pode ser oferecido em associação com a RMT adjuvante, dependendo dos fatores individuais da paciente e de suas preferências.[62][76] Em um estudo randomizado multicêntrico de fase 3, o reforço do tumor do leito após a RMT reduziu a recorrência local em mulheres com CDIS removido que não era de baixo risco (taxa de 92.7% livre de recorrência local em 5 anos no grupo sem reforço, em comparação com 97.1% no grupo com reforço).[90] O grupo com reforço apresentou taxas mais altas de dor na mama e induração.
Irradiação parcial acelerada da mama/irradiação parcial da mama (IPAM/IPM)
A IPAM/IPM pode ser uma alternativa à RMT em pacientes com CDIS de baixo risco e todos os fatores a seguir:[91]
BRCA negativo
idade ≥40 anos
CDIS de grau baixo a intermediário
tamanho do tumor ≤2 cm
margens negativas
As diretrizes sugerem que IPAM/PAM também pode ser considerada com cautela em alguns pacientes com doença de alto grau (grau 3) ou tamanho do tumor >2 a 3 cm; no entanto, pode haver um aumento do risco de recorrência, especialmente quando ambos os fatores estão presentes.[91]
Técnicas de radioterapia por feixe externo (EBRT), como a radioterapia conformada 3-D (3-D CRT) ou radioterapia de intensidade modulada (IMRT) e braquiterapia multicateter são recomendadas para IPAM/IPM.[91] A braquiterapia com cateter de entrada única pode ser considerada, embora não haja evidências de ensaios clínicos randomizados e controlados (ECRCs).
A IPM aplica radiação especificamente no tumor ou no leito do tumor e ao redor do tecido mamário; além disso, a IPAM aplica doses de radiação maiores que o padrão por um período mais curto. A IPAM/IPM preserva o tecido mamário saudável e reduz o tempo de tratamento e alguns efeitos adversos relacionados ao tratamento (por exemplo, toxicidade cutânea aguda).[91][92]
ECRCs com acompanhamento de longo prazo e uma revisão sistemática e metanálise sugerem que IPAM/IPM usando EBRT ou técnicas de braquiterapia tem taxa de recorrência similar à RMT em pacientes com câncer de mama em estádio inicial.[93][94][95][96][97][98][99] Análises de subgrupos de pacientes com CDIS de dois ECRCs sugerem pouca diferença nas taxas de recorrência em até 10 anos.[93][100]
IPAM/IPM usando radioterapia intraoperatória pode permitir que a radioterapia seja concluída ao mesmo tempo que a cirurgia, mas estudos sugerem que ela pode estar associada a uma maior taxa de recorrência em comparação com a RMT (com mortalidade geral comparável). Assim, deve ser usada apenas como parte de um ensaio clínico.[91][99][101][102][103]
Nenhum estudo comparou diretamente técnicas e esquemas de IPAM/IPM. IPAM/IPM usando EBRT (3-D CRT ou IMRT) administrada uma vez ao dia ou em dias alternados está associada à melhora da cosmese e à redução de toxicidades agudas e tardias em comparação com a RMT.[94][97][104] Esquemas de EBRT duas vezes ao dia estão associados a pior toxicidade tardia e cosmese.[92][93] IPAM/IPM usando braquiterapia com multicateter demonstrou desfechos de toxicidade tardia similares à RMT, com cosmese comparável ou melhorada.[92][95][98][105]
Toxicidade da radioterapia
A radioterapia fornece terapia local ou local e regional, e seus efeitos adversos são restritos à(s) área(s) atravessada(s) pela radiação. Os efeitos adversos agudos mais comuns são alterações na pele (semelhantes a queimaduras de sol) e fadiga. A pele pode escurecer, temporária ou permanentemente. A mama irradiada pode parecer menor, devido ao tratamento cirúrgico e à radioterapia. Em pacientes que recebem RMT, uma pequena parte do pulmão e das costelas recebem radiação, o que pode induzir cicatrização pulmonar e um risco levemente aumentado de fratura de costela. Além disso, o coração é incidentalmente exposto a pequenas doses de radiação ao se tratar câncer de mama do lado esquerdo, o que pode aumentar o risco de cardiopatia isquêmica.[106] O risco de cardiopatia isquêmica pode aumentar com o aumento das doses de radiação ao coração.[106] Técnicas mais novas, como esquemas de RMT hipofracionada e ultra-hipofracionada e IPAM/IPM, minimizam a dose e, portanto, as sequelas.[107]
Tratamento primário: CDIS de alto risco
Geralmente, a mastectomia é recomendada para mulheres com doença de alto risco e para homens com CDIS.[46] Dentre os pacientes de alto risco estão os com:[62][108]
Doença multicêntrica (CDIS em dois ou mais quadrantes)
Doença multifocal (dois ou mais sítios de doença no mesmo quadrante); a mastectomia deve ser considerada, pois pode não ser viável remover a doença e alcançar um bom desfecho cosmético com a terapia conservadora da mama
Uma massa palpável e/ou imagem que mostre uma lesão formada na apresentação
CDIS histológico de alto grau (deve ser considerado para mastectomia).
A recorrência da doença é baixa após a mastectomia total para CDIS.[109][110]
Estadiamento cirúrgico dos linfonodos axilares
A BLS deve ser fortemente considerada para pacientes submetidas à mastectomia.[62] Não é viável realizar uma BLS após a mastectomia. A probabilidade de que o diagnóstico inicial de CDIS evolua para câncer de mama invasivo é maior se a doença for de alto grau e/ou o tumor for grande (>2.5 cm com base no exame de imagem) ou palpável.[62][76][111][112][113][114]
Radioterapia adjuvante
A radioterapia adjuvante não será necessária para o CDIS tratado com mastectomia, a menos que a doença esteja presente perto ou na parede torácica, ou se houver uma margem cirúrgica positiva substancial.
Tratamento sistêmico adjuvante (pós-operatório) para CDIS
O status para receptor hormonal do tumor é determinado para orientar a tomada de decisão sobre tratamento sistêmico adjuvante com terapia endócrina. A maioria das pacientes com CDIS positivo para receptor hormonal recebe terapia endócrina adjuvante por 5 anos para reduzir o risco de câncer de mama invasivo ipsilateral e/ou contralateral.
Para mulheres no período pré-menopausa, o tamoxifeno é considerado a terapia de primeira linha para a redução do risco da mama ipsilateral após a terapia conservadora da mama (isto é, lumpectomia seguida de radioterapia adjuvante) e para a redução do risco da mama contralateral após a realização de mastectomia ou terapia conservadora da mama.[62] O tamoxifeno é eficaz para prevenir a recidiva em pacientes com câncer de mama positivo para receptor estrogênico (invasivo e não invasivo), bem como para reduzir o risco de desenvolvimento de cânceres positivos para receptor estrogênico na mama contralateral.[115]
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Para mulheres no pós-menopausa, o tamoxifeno ou um inibidor de aromatase (por exemplo, anastrozol ou exemestano) pode ser considerado a terapia de primeira linha para redução do risco após a cirurgia. Os inibidores da aromatase são preferíveis para as mulheres <60 anos e para aquelas com um risco elevado de tromboembolismo.[62][76][116] Bifosfonatos ou o denosumabe devem ser considerados para manter a densidade mineral óssea em mulheres no pós-menopausa que recebem inibidores de aromatase.[62]
A eficácia da terapia endócrina adjuvante não depende da idade.[117][118] As diretrizes da European Society of Breast Cancer Specialists sugerem que os inibidores de aromatase são levemente mais benéficos que o tamoxifeno para mulheres >70 anos e são preferíveis para as pacientes de alto risco, embora a escolha do medicamento deva levar em consideração a multimorbidade e o risco de recorrência.[117]
Carcinoma lobular in situ (CLIS)
O CLIS pleomórfico ou florido deve ser tratado como o CDIS.
O tratamento para o CLIS clássico inclui observação e aconselhamento, com ou sem terapia endócrina em longo prazo (como quimioprevenção). A terapia endócrina é recomendada para as pacientes ≥35 anos e é administrada por um período de 5 anos.[35] O tamoxifeno é indicado para as mulheres no pré-menopausa. Para mulheres no pós-menopausa, o tamoxifeno, o raloxifeno, o anastrozol ou o exemestano podem ser considerados.
Observou-se que o tamoxifeno e o raloxifeno reduzem o risco de progressão do CLIS para câncer de mama invasivo.[35][119][120] O anastrozol e o exemestano reduzem o risco de câncer de mama invasivo nas mulheres de alto risco no pós-menopausa.[35][121][122] A NCCN afirma que o tamoxifeno é um agente redutor de risco superior para a maioria das mulheres no pós-menopausa.[35] No entanto, a consideração dos efeitos adversos pode levar algumas pacientes a escolherem o raloxifeno.
A mastectomia bilateral preventiva (profilática) pode ser considerada em pacientes com características de alto risco (por exemplo, mutação genética patogênica ou provavelmente patogênica conferindo alto risco de câncer de mama, histórico familiar convincente ou possivelmente com radioterapia torácica prévia a <30 anos de idade).[35]
Caso haja preocupação relativa à evolução do CLIS em pacientes que estejam sob observação, a abordagem do tratamento deve ser revista, com base nos resultados clínicos, patológicos e de exames de imagem.
O carcinoma lobular, tanto in situ quanto invasivo, é raro em homens.[13]
Recidiva local de CDIS
As pacientes com recorrência local de CDIS após a terapia conservadora da mama e radioterapia adjuvante são tratadas com mastectomia (com ou sem reconstrução mamária) e BLS, se isso não tiver sido feito anteriormente.[62] Uma nova excisão, seguida de radioterapia adjuvante, é uma opção para pacientes que tiverem passado por uma excisão cirúrgica sem radioterapia anterior.[62]
As pacientes com recorrência local de CDIS após a mastectomia podem ser submetidas a uma nova excisão (caso margens claras e cosmese aceitável possam ser obtidas) seguida de radioterapia adjuvante (caso não tenha sido realizada anteriormente).[62] A repetição da radioterapia pode ser considerada nas pacientes com radioterapia prévia, se possível.[62]
A decisão sobre a terapia endócrina é tomada com base no contexto do tratamento prévio recebido pela paciente, o status de receptor de hormônio da doença (caso essa informação esteja disponível) e após uma discussão sobre os riscos e benefícios das opções de tratamento.
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