Etiologia

Atualmente, a etiologia é desconhecida. De fato, a identificação de um processo etiológico/agudo específico em um lactente como causa da morte é suficiente para eliminar o diagnóstico de síndrome da morte súbita infantil (SMSI).

Os frequentes achados de inflamação leve das vias aéreas superiores em autópsias de casos suspeitos de SMSI levantam a possibilidade de que infecções intercorrentes do trato respiratório tenham um papel na SMSI, sobretudo em combinação com o excesso de roupas.[12]

Associações com outros fatores de risco modificáveis, como posição de dormir, superfície do leito, preparo do sono, exposição a fumaça de cigarro, ausência de aleitamento materno e o não uso de chupeta, foram bem estabelecidas, embora os papéis causadores diretos ainda precisem ser determinados.[13]​ Uma revisão sistemática da Cochrane Database em 2017 não encontrou nenhuma evidência de ensaios clínicos randomizados e controlados que apoiem ou refutem o uso de chupetas na SMSI, e outro estudo de 2022 também não encontrou evidências de ensaios clínicos randomizados e controlados para fazer recomendações sobre a segurança ou os perigos do compartilhamento de cama.[14][15]​​ No entanto, deve-se notar que, por considerações éticas, nenhum ensaio clínico randomizado e controlado foi conduzido para estabelecer os fatores de risco da SMSI; em vez disso, são usados dados de casos-controles.

Foram relatadas diferenças genéticas entre os lactentes com SMSI e os que morreram de outras causas.[16][17][18][19][20][21][22][23] Os genes candidatos com possíveis papéis na suscetibilidade à SMSI incluem os relacionados e/ou envolvidos com disritmias, desenvolvimento de controle autonômico, mecanismos de respostas inflamatórias e produção de neurotransmissores.

Os mecanismos pelos quais as diferenças genéticas contribuem para a suscetibilidade à SMSI ainda precisam ser esclarecidos. Mutações nos genes que codificam para canais Na+ ou K+ vinculados à síndrome do QT longo foram reportadas em 5% a 29% das vítimas da SMSI. Embora essa porcentagem seja significativamente maior que a observada na população em geral, as disritmias parecem representar apenas 5% a 10% das mortes decorrentes da SMSI.[16][17]​ A regulação da concentração de serotonina no tronco encefálico também pode ter um importante papel para determinar a suscetibilidade à SMSI. Diferenças nos genes que regulam a concentração de serotonina nas terminações nervosas e a expressão do transportador de serotonina foram encontradas entre lactentes cujas mortes foram atribuídas à SMSI e a controles não SMSI correspondentes.[18][19][20]​ Diferenças genéticas nas vias envolvidas na regulação de respostas pró-inflamatórias (ou seja, interleucina-6, complemento) também foram relatadas em um pequeno número de vítimas da SMSI.[22][23]

Fisiopatologia

Embora a fisiopatologia da síndrome da morte súbita infantil (SMSI) continue só parcialmente definida, há um entendimento cada vez maior de que ela é multifatorial e que a presença de qualquer fator de risco é, por si só, provavelmente insuficiente para causar um evento fatal. Descrito pela primeira vez há mais de 15 anos, o modelo mais comumente utilizado para explicar a SMSI é a hipótese de 'Risco triplo', em que 3 categorias de fatores convergem para resultar na morte do lactente.[24] Essas 3 principais categorias/fatores de risco são:

  • Um lactente vulnerável (por exemplo, prematuridade, baixo peso ao nascer, regulação autonômica desordenada)

  • Um período crítico durante o desenvolvimento de controle homeostático (por exemplo, maturação do mecanismo regulador cardiorrespiratório)

  • Um estressor exógeno (por exemplo, exposição à fumaça de cigarro, ambiente de sono, aquecimento excessivo).

Em lactentes que sucumbem à SMSI, a via final comum parece envolver um controle cardiorrespiratório anormal, especificamente uma habilidade inadequada/incompleta de despertar do sono.[25] Crianças que morrem de SMSI podem ter um padrão de arquejo hipóxico diferente, associado a uma autorressuscitação ineficiente (aumentos na frequência cardíaca [FC] e nas respirações), em comparação com lactentes saudáveis ou que morrem de causas que não a SMSI.[26]

Anormalidades no tronco encefálico envolvendo o sistema serotoninérgico medular (5-HT) foram encontradas em até 70% dos lactentes com SMSI.[27][28][29][30] A serotonina é importante na coordenação de diversas funções autonômicas, respiratórias e de despertar, e acredita-se que a serotonina funcional seja fundamental nas respostas normais de proteção contra estressores que comumente ocorrem durante o sono. As alterações patológicas no tronco encefálico que parecem ser exclusivas de vítimas da SMSI incluem o aumento das alterações apoptóticas e glióticas no bulbo, que tem sido associado a eventos apneicos obstrutivos em vítimas da SMSI.[31][32][33] Alterações consistentes com uma lesão hipóxica-isquêmica medular crônica também foram observadas em vítimas da SMSI, o que sugere que a SMSI pode nem sempre ser o resultado de um único evento distinto, mas sim a culminação de múltiplas perturbações sutis no tronco encefálico que ocorrem por horas ou mesmo dias.[34]

Há um entendimento cada vez maior dos mecanismos que ligam os fatores de risco a uma desregulação cardiorrespiratória, e isso proporciona conhecimentos fisiopatológicos valiosos.[35][36]

  • Prematuridade: esses lactentes apresentam relativa imaturidade da regulação respiratória central, em comparação com lactentes nascidos de termo. No entanto, isso precisa ser diferenciado da apneia de prematuridade, a qual, como uma entidade distinta, não é um fator de risco independente para a SMSI.

  • Exposição à fumaça de cigarro: a exposição pré-natal à fumaça de cigarro altera a variabilidade da frequência cardíaca durante o estresse.[37] Além disso, a nicotina tem efeitos neuroteratogênicos que afetam, entre outras coisas, o despertar ao estresse hipóxico.[38]

  • Reinalação de gases exalados: embora as evidências continuem conflitantes, ainda é postulado que a posição de bruços, superfícies comprimíveis macias, roupas de cama macias e cobrir a cabeça durante o sono estimulam a reinalação de CO2, com implicações para o despertar do sono.[39][40][41][42][43][44]

  • Citocinas pró-inflamatórias: uma resposta inflamatória hiperativa foi implicada como fator de risco para a SMSI e pode agir alterando a regulação cardiorrespiratória.[22] A posição de bruços e as infecções virais do trato respiratório superior aumentam a temperatura nasofaríngea e contribuem para a produção e a liberação de citocinas pró-inflamatórias por bactérias que colonizam a nasofaringe.[45] Relacionada a isso, a produção noturna de cortisol, que reduz os níveis de citocinas inflamatórias, é mais baixa em lactentes entre 2 e 4 meses de idade.[46]

Classificação

SMSI - investigações e classificação padronizadas: recomendações[5]

Não há um sistema de classificação formal. Em 2007, um painel de especialistas propôs uma estratificação do diagnóstico de SMSI com base em achados demográficos, clínicos e de autópsia.[5] No entanto, esse sistema de classificação não foi aceito universalmente, bem como o critério relacionado à possível associação entre o início do evento fatal e o sono.

SMSI categoria IA

  • História: idade >21 dias e <9 meses; história clínica que não contribui para o diagnóstico; gestação a termo (37 semanas ou posterior); crescimento e desenvolvimento normais; e nenhuma morte semelhante envolvendo irmãos/parentes.

  • Circunstâncias da morte: a investigação da cena foi realizada, não foi fornecida uma explicação para a morte; nenhuma evidência de acidente; e ambiente de sono seguro.

  • Autópsia: nenhum achado patológico letal; nenhum trauma/abuso/negligência sem explicação; nenhum estresse tímico substancial; e resultados negativos para toxicologia, microbiologia, radiologia, exame bioquímico do humor vítreo e rastreamento metabólico.

SMSI categoria IB

  • História: idade >21 dias e <9 meses; história clínica que não contribui para o diagnóstico; gestação a termo (37 semanas ou posterior); crescimento e desenvolvimento normais; e nenhuma morte semelhante envolvendo irmãos/parentes.

  • Circunstâncias da morte: cena não investigada por uma equipe forense.

  • Autópsia: nenhum achado patológico letal; nenhum trauma/abuso/negligência sem explicação; nenhum estresse tímico substancial; e resultados negativos para toxicologia, microbiologia, radiologia, exame bioquímico do humor vítreo e rastreamento metabólico; e 1 ou mais desses testes não foram realizados.

SMSI categoria II

  • História: idade 0 a 21 dias ou >9 meses; afecções neonatais/perinatais que tenham remitido por ocasião da morte; e morte(s) semelhante(s) envolvendo irmãos/parentes.

  • Circunstâncias da morte: asfixia mecânica ou sufocamento por excesso de roupas, mas não determinado com certeza.

  • Autópsia: nenhum achado patológico letal; nenhum trauma/abuso/negligência sem explicação; nenhum estresse tímico substancial; resultados negativos para toxicologia, microbiologia, radiologia, exame bioquímico do humor vítreo e rastreamento metabólico; não se acredita que crescimento e desenvolvimento anormais tenham contribuído; e mais anormalidades ou alterações inflamatórias acentuadas que isoladamente são insuficientes para causar morte.

Morte súbita infantil não classificada

  • História: critérios para a SMSI categoria I ou II não preenchidos.

  • Circunstâncias da morte: dúvida no diagnóstico alternativo de morte natural ou não natural.

  • Autópsia: não realizada.

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