Etiologia

A interação entre predisposição genética e fatores ambientais é uma área de pesquisa ativa. Existe a teoria de que a exposição de indivíduos geneticamente suscetíveis a determinados fatores ambientais resulta em muitas anomalias congênitas, incluindo fendas orofaciais.

Fatores genéticos

  • As fendas orofaciais têm sido associadas a mais de 300 síndromes, causadas por mutações genéticas, teratógenos ou anormalidades cromossômicas. A síndrome de Van der Woude é a causa sindrômica mais comum de fendas orofaciais, correspondendo a 2% dos casos.[7]​​ É causada por uma mutação no gene do fator regulador do interferon 6 (IRF6) e é caracterizada por fenda labial +/- fenda palatina, fossas labiais, dobras cutâneas, sindactilia e aderências orais.[11][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Fenda labial bilateral reparada mostrando as depressões labiais da síndrome de van der WoudeDo acervo de Travis T. Tollefson, MD, FACS [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@2334f3af

  • As outras síndromes associadas à fenda orofacial incluem:[12]

    • Espectro óculo-aurículo-vertebral: isso inclui síndrome de Goldenhar, uma doença autossômica dominante caracterizada pela expressão variável de microssomia hemifacial, dermoides oculares, anomalias renais e vertebrais e deformidades auriculares.

    • Síndrome orofacial-digital: doença ligada ao cromossomo X caracterizada por hipoplasia mandibular e fenda palatina.

    • Síndrome de Treacher-Collins: doença autossômica dominante caracterizada por colobomas na pálpebra inferior, fendas palpebrais oblíquas para baixo, arcos zigomáticos hipoplásicos e orelhas de implantação baixa.

    • Sequência de Pierre Robin (ou sequência de Robin): tríade clássica de glossoptose, microgenia e fenda palatina em forma de U causada pela deformação intrauterina do palato por uma língua proeminente (empurrada para cima por uma mandíbula pequena).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Vista lateral de criança com sequência de Pierre RobinDo acervo de Travis T. Tollefson, MD, FACS [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@505eeb39[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Criança com sequência de Pierre Robin com dispositivo de distração osteogênica mandibular externo no localDo acervo de Travis T. Tollefson, MD, FACS [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@47e0aa33

    • Síndrome de Stickler: doença autossômica dominante associada à sequência de Pierre Robin, miopia progressiva, perda auditiva e artropatia.

    • Síndrome velocardiofacial: doença autossômica dominante secundária a uma deleção 22q11.2 caracterizada por expressão variável de defeitos cardíacos, via nasal e base do crânio largas, e dismorfia velofaríngea.

  • Também ocorrem fendas familiares não sindrômicas. Estudos mostraram que gêmeos monozigóticos têm concordância pareada de 43% em comparação com 5% em gêmeos dizigóticos.[13] Pais sem fendas têm uma taxa de recorrência de 4% em futuras gestações após o nascimento de 1 criança afetada.[14] No entanto, o risco para um terceiro filho depois de ter 2 crianças afetadas sobe de 4.4% para 9%.[15] Um dos pais com fenda labial e/ou palatina tem um risco de 4% de ter uma criança afetada. Se mais parentes de primeiro grau são afetados por uma fenda palatina, o risco da criança sobe para entre 10% e 20%.[14]

  • A fenda orofacial mostra gravidade e expressão fenotípica variáveis em familiares afetados, e há evidências limitadas que apoiam a existência de um estado portador. Parentes de primeiro grau de pacientes com fenda labial e fenda palatina muitas vezes demonstram anormalidades faciais menos óbvias que, embora seja difícil de provar, podem agir como um estado portador para este ou outros distúrbios craniofaciais. Muitos indivíduos não afetados têm assimetrias nasais sutis, e os pais de crianças com fenda labial e fenda palatina, às vezes, têm morfologia cefalométrica significativamente diferente em comparação com a população sem fenda.[16][17] No entanto, a falta de consistência no desenho dos estudos cefalométricos dificulta a determinação dos locais exatos dessas diferenças craniofaciais.[18] São necessários estudos genéticos definitivos dessas famílias e documentação antropométrica continuada de eventuais anomalias craniofaciais nos familiares de pacientes afetados a fim de descobrir associações não identificadas previamente. Em um estudo volumétrico de cérebros de meninos com fenda labial, aqueles com fendas do lado direito demonstraram ter mais anormalidades. Esse achado, juntamente com outras diferenças comportamentais e cognitivas encontradas entre homens e mulheres e fendas do lado direito e esquerdo, pode permitir uma subclassificação adicional das fendas orofaciais. Possivelmente a lateralidade e o sexo são importantes nas diferenças embriológicas entre os tipos de fenda, e podem auxiliar na compreensão dos mecanismos fisiopatológicos.[19]

Fatores ambientais

  • Teratogênicos: medicamentos anticonvulsivantes, como a fenitoína, administrados durante a gravidez foram associados a uma série de deformidades congênitas, incluindo fenda labial e fenda palatina.[20]

  • Deficiências nutricionais: relatos conflitantes foram publicados sobre a eficácia da suplementação de ácido fólico no pré-natal para reduzir o risco de fendas orofaciais. Alguns estudos mostram uma diminuição do risco de fendas, enquanto outros não mostram nenhuma redução.[21][22] Uma revisão Cochrane de ensaios clínicos randomizados e controlados demonstrou que o ácido fólico no pré-natal teve um efeito protetor geral contra defeitos do tubo neural. No entanto, não foi encontrada relação com a redução da ocorrência de fenda labial e fenda palatina.[23] Ácido fólico, isolado ou em combinação com vitaminas e minerais, previne defeitos do tubo neural, mas não apresentam um efeito claro em outras malformações congênitas.

  • O uso materno perinatal de polivitamínicos demonstrou ser mais protetor contra fenda labial e fenda palatina em bebês com certos genótipos do fator de transformação de crescimento alfa (TGF-A).[24] Demonstrou-se que as taxas de recorrência de fendas (ou seja, a incidência de fenda se um irmão já tiver nascido com uma fenda orofacial) são significativamente reduzidas com o uso do ácido fólico, embora nenhuma relação dose-dependente tenha sido estabelecida.[25]

  • Tabagismo materno: embora a fisiopatologia por detrás da associação ainda não seja compreendida, o risco de fendas orofaciais é maior no tabagismo materno durante a gestação ou periconcepcionalmente (1 mês antes e 3 meses após a concepção). Há uma série de metanálises que mostram uma ligação dose-dependente estatisticamente significativa entre tabagismo materno e fenda labial com ou sem fenda palatina e fenda palatina isolada.[26][27][28][29][30]

  • Consumo materno de álcool: maiores quantidades de consumo materno de álcool (>5 unidades por sessão de bebida) estão associadas a um aumento da incidência de fendas orofaciais em mulheres com variantes específicas do gene da álcool desidrogenase.[31]

Fisiopatologia

O desenvolvimento embrionário do lábio superior e nariz requer uma sequência de eventos complexos programados geneticamente. Isso envolve a fusão das 5 proeminências faciais mais importantes, que ocorre entre a 3ª e a 8ª semanas de gestação, com o desenvolvimento do lábio entre a 3ª e a 7ª semanas, e o desenvolvimento do palato entre a 5ª e a 12ª semanas.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Diagrama de embrião com 5 semanas com as 5 principais proeminências faciais rotuladas (as proeminências nasais lateral e medial se desenvolveram a partir da proeminência frontonasal)Desenho original de Dr. Amir Rafii [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@252bb195

A complexidade dessa via de desenvolvimento craniofacial e os numerosos pontos de desenvolvimento nos quais as fendas podem ser induzidas são refletidos na heterogeneidade da expressão fenotípica da doença.

  • Fenda labial e/ou palatina: as proeminências maxilar, nasal medial e nasal lateral convergem através de um complicado processo de ponte epitelial, morte celular programada e penetração subepitelial-mesenquimal.[32][33]​​ A fenda labial e/ou palatina é provavelmente secundária a um defeito da fusão epitelial ou crescimento mesenquimal, processos que envolvem muitos possíveis loci genéticos ou vias de sinalização intracelular.[34] Isto resulta em fusão interrompida das proeminências maxilar e nasal mediana. Na fenda labial bilateral com ou sem fenda palatina, a rede arterial e a musculatura dos elementos laterais equivalem à do segmento lateral da deformidade unilateral. A inserção anormal da musculatura da fenda labial segue a margem da fenda até a abertura piriforme, e o segmento prolabial recebe seu suprimento de sangue dos vasos do septo, da columela e do pré-maxilar.

  • Fenda labial unilateral isolada: o músculo orbicular da boca (OB) é um anel de músculo concêntrico que contrai e franze o esfíncter da boca. Na fenda labial unilateral isolada, as fibras do OB no lado da fenda inserem-se na base nasal, e as fibras centrais (não fendidas) do OB inserem-se anormalmente na espinha nasal e no septo. Isso faz com que a base do nariz se abra lateralmente quando a criança sorri.

  • Fenda palatina isolada: o desenvolvimento do palato envolve fusão das prateleiras palatinas laterais e do septo nasal no sentido anteroposterior do forame incisivo até a úvula. A fenda palatina é formada quando o desenvolvimento palatal normal é interrompido antes da 12ª semana de gestação. O grau das fendas pode variar desde uma fenda palatina completa isolada até uma úvula bífida. A fenda palatina deformacional é observada na sequência de Pierre Robin, em que uma pequena mandíbula (micrognatia) limita o espaço da língua, e a língua proeminente (glossoptose) obstrui mecanicamente a fusão palatal, causando a tríade clássica de micrognatia, glossoptose e uma fenda palatina isolada.

  • Fendas na linha média do nariz e/ou lábio: têm mais chances de surgir a partir de uma interrupção na fusão das proeminências nasais medianas emparelhadas durante o desenvolvimento embrionário. A maioria das deformidades faciais medianas representa defeitos do campo de desenvolvimento e é esporádica, com múltiplos fatores etiológicos.

Classificação

Classificação de Veau[1]

Sistema de classificação proposto em 1938.

Grupo I (A)

  • Defeitos do palato mole isoladamente

Grupo II (B)

  • Defeitos que envolvem os palatos duro e mole (não se estendem anteriormente ao forame incisivo)

Grupo III (C)

  • Defeitos que envolvem o palato até ao osso alveolar

Grupo IV (D)

  • Fendas bilaterais completas.

Classificação de Kernahan e Stark[2]

Sistema de classificação baseado na embriologia proposto em 1958 que designa o forame incisivo como a linha divisória entre os palatos primário e secundário.

O forame incisivo é uma abertura em forma de funil através da qual passam feixes neurovasculares. Ele se localiza no palato duro atrás dos dentes centrais superiores (incisivos). Essa estrutura é um importante marco embriológico, usado para definir o limite entre os palatos primário e secundário.

  • O palato primário inclui as estruturas anteriores até o forame incisivo (lábio, pré-maxila, septo anterior).

  • O palato secundário inclui as estruturas posteriores até o forame incisivo (prateleiras palatinas laterais, palato mole e úvula).

Classificação de Kernahan[3]

Sistema de classificação baseado na semelhança de uma visão intraoral de uma fenda labial e fenda palatina com a letra "Y", proposto em 1971.

A área afetada pela fenda é marcada no 'Y' e numerada de 1 a 9, cada um dos quais representa uma estrutura anatômica diferente. As combinações dos valores numéricos representam o aspecto da fenda labial, do osso alveolar ou do palato.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Classificação de fenda em forma de "Y" de KernahanDo acervo de Travis T. Tollefson, MD, FACS [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7bf0d081

  • Áreas 1 e 4 representam os lados direito e esquerdo do assoalho nasal, respectivamente.

  • Áreas 2 e 5 representam os lados direito e esquerdo do lábio, respectivamente.

  • Áreas 3 e 6 representam os lados direito e esquerdo dos segmentos alveolares emparelhados, respectivamente.

  • Área 7 representa o palato primário.

  • Áreas 8 e 9 representam o palato secundário.

Classificação de Harkin[4]

Sistema de classificação proposto em 1962.

  1. Fenda do palato primário

    1. Fenda labial

    2. Fenda alveolar

  2. Fenda do palato secundário

    1. Palato mole

    2. Palato duro

  3. Fendas do processo mandibular

  4. Fendas naso-oculares: que envolvem o nariz em direção à região cantal medial

  5. Fendas oro-oculares: que se estendem desde a comissura oral até a fenda palpebral

  6. Fendas oro-auriculares: que se estendem desde a comissura oral até a aurícula.

Classificação de Spina[5]

Sistema de classificação proposto em 1974.

  1. Fendas pré-forame incisivo (lábio ± osso alveolar)

    1. Unilateral

    2. Bilateral

    3. Mediana

  2. Fendas que atravessam o forame incisivo (lábio, osso alveolar, palato)

    1. Unilateral

    2. Bilateral

  3. Fendas pós-forame incisivo (fenda palatina secundária)

  4. Fendas faciais atípicas (raras).

Classificação de Tessier[6]

Tessier descreveu um esquema de classificação que é universalmente utilizado, em um artigo de referência de 1976.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Classificação de fenda craniofacial de TessierDe: Tessier P. Anatomical classification of facial, cranio-facial, and latero-facial clefts. J Maxillofac Surg. 1976;4:69-92 [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@5c949d05[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Criança com fenda craniofacial direita incompleta atípica Tessier no. 3Do acervo de Travis T. Tollefson, MD, FACS [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@3a71e046

As fendas orofaciais podem se manifestar como:

  • Unilateral ou bilateral

  • Completa, incompleta ou microforma (por exemplo, fenda palatina submucosa)

  • Fenda do lábio com ou sem fenda do palato, ou fenda do palato isoladamente

  • Fendas craniofaciais atípicas.

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