Abordagem
Uma avaliação sistemática do estado ácido-básico do paciente fornece dados relevantes sobre a condição clínica subjacente. As informações clínicas do paciente e os dados laboratoriais ajudam a estreitar o diagnóstico diferencial. Essas condições clínicas com distúrbios ácido-básicos podem ser avaliadas de forma eficaz por uma abordagem fisiopatológica passo a passo.[15][16][17]
Devem ser solicitados uma gasometria arterial e um perfil metabólico completo (CMP). Os dados de medicina laboratorial necessários para abordagem em caso de distúrbios do equilíbrio ácido-básico são obtidos através da gasometria arterial, que fornece valores de pH, PaO₂, PaCO₂ e HCO₃- calculado, e da análise dos valores séricos obtidos no CMP, que fornece Na+, K+, Cl- e a quantidade total de CO₂ (TCO₂). O TCO₂ representa a concentração total de dióxido de carbono no soro, incluindo CO₂ dissolvido, bicarbonato, carbonato e ácido carbônico. O CO₂ dissolvido é uma pequena fração do TCO₂. O TCO₂ no painel eletrolítico sérico representa principalmente a concentração de bicarbonato plasmático.
As etapas a seguir são necessárias para interpretar os dados e determinar a causa da acidose metabólica.
1. Determinar a alteração do pH
O pH arterial indica o distúrbio em questão – acidose versus alcalose.
Ao nível do mar, o pH normal é de 7.42 ± 0.02, com variação de 7.35 a 7.45.
Um pH arterial <7.35 sugere que o principal distúrbio em curso é a acidose.
2. Identificar o distúrbio primário
Para identificar o distúrbio primário, são examinadas as alterações direcionais no HCO₃- sérico e no PaCO₂ arterial em relação aos níveis normais e relação consequente com a alteração observada no pH arterial.
Se o pH for baixo e o HCO₃- também for baixo, o distúrbio primário será acidose metabólica.
3. Avaliar se houve compensação em resposta ao distúrbio primário:
Na acidose metabólica simples, a compensação respiratória normal diminuirá o PaCO₂ arterial em 1 a 1.5 vez a diminuição de HCO₃- sérico.[18][19]
4. Calcular o anion gap (AG) sérico
AG sérico = Na+ - (Cl- + HCO₃-).
No soro, cátions mensurados + cátions não mensuráveis = ânions mensurados + ânions não mensuráveis. O AG sérico, que é calculado como cátion mensurado (Na+) - ânions mensurados (Cl- + HCO₃-), na verdade é um indicador do possível acúmulo de ânions não mensuráveis no soro. Portanto, qualquer processo metabólico que contribua para o acúmulo de ânions não de ânions não mensuráveis irá aumentar o anion gap.
Conceitualmente, na acidose orgânica, acúmulo de ânions ocorre em uma relação de 1:1 relativamente ao consumo de HCO₃-. Portanto, o aumento no AG sérico deve ser aproximadamente igual à diminuição no HCO₃- na acidose orgânica.
Pelo contrário, na acidose sem acúmulo de ânions, não se espera alteração do AG sérico; esses tipos de acidose são conhecidos como acidose metabólica com AG normal ou hiperclorêmica, refletindo o aumento compensatório no Cl- sérico, que mantém o AG sérico em 6 a 12 milimoles/L (6-12 mEq/L).[20]
Valores <12 milimoles/L (12 mEq/L) implicam acidose metabólica com AG normal, enquanto valores >12 milimoles/L (12 mEq/L) implicam acidose metabólica com AG aumentado.[20]
5. Comparar a alteração no AG sérico com a diminuição no HCO₃-
Na acidose metabólica com AG aumentado, o aumento no AG sérico deve ser igual à diminuição no HCO₃-.
Quando o aumento no AG sérico for maior que a diminuição no HCO₃-, pode-se inferir uma combinação de acidose e alcalose metabólicas.
De modo contrário, quando a diminuição no HCO₃- for maior que o aumento no AG sérico (e o AG sérico estiver significativamente aumentado), estão simultaneamente presentes uma acidose metabólica com AG normal e uma acidose metabólica com AG aumentado.
Se a acidose metabólica com AG aumentado estiver presente, calcular o gap osmolar sérico.[9]
Gap osmolar sérico = osmolalidade sérica medida – osmolaridade sérica calculada.
Osmolalidade sérica calculada = 2 x Na+ sérico + glicose/18 + ureia/2.8 (normal <10).
A osmolalidade sérica é oriunda de solutos normalmente presentes no soro. A adição de substâncias como alcoóis, proteínas, lipídeos e manitol aumenta a osmolalidade medida e, portanto, aumenta o gap osmolar sérico. Um gap osmolar sérico elevado na presença de acidose metabólica com AG aumentado pode ser uma indicação indireta de intoxicação por etanol ou ingestão de metanol e etilenoglicol.
6. Na presença de acidose metabólica (hiperclorêmica) com AG normal, deve-se medir o AG urinário[9][21]
AG urinário = (Na+ + K+) - Cl (íons urinários).
Na vigência de acidose metabólica com AG normal, o AG urinário faz a distinção entre a maioria das causas de acidose tubular renal e as causas não renais.[21]
Valores substancialmente negativos (< 0 milimol/L; < 0 mEq/L) sugerem causas não renais.
Como a amônia urinária geralmente não é mensurada em situações clínicas, o AG urinário é usado para inferir a presença (AG urinário negativo) ou ausência (AG urinário positivo) da excreção de grandes quantidades de amônia.
Muito útil para diferenciar as causas renais (principalmente acidose tubular renal), em geral caracterizadas pela insuficiência na produção ou secreção de amônia, das causas não renais de acidose metabólica com AG normal (por exemplo, diarreia).
7. Identificar a doença subjacente
Este é o principal objetivo da análise do distúrbio do equilíbrio ácido-básico e pode ser atingido com a ajuda do quadro clínico e das etapas listadas acima.
De acordo com a apresentação clínica, outros testes podem ainda ser solicitados, como níveis de lactato e corpos cetônicos, bem como rastreamento toxicológico (etanol, metanol, etilenoglicol, propilenoglicol, 5-oxoprolina e níveis de salicilatos).
Caso o paciente tenha diabetes, revise sua medicação em busca de medicamentos que possam causar hiperglicemia. A hiperglicemia, quando não tratada, pode evoluir para cetoacidose diabética (CAD). Os medicamentos que podem causar hiperglicemia incluem:[22]
Fluoroquinolonas
Antipsicóticos atípicos, principalmente clozapina e olanzapina
Corticosteroides
Atenolol, propranolol e metoprolol
Tiazida ou diuréticos semelhantes à tiazida
Inibidores da protease
Inibidores de calcineurina
A cetoacidose diabética é um efeito adverso raro dos inibidores da proteína cotransportadora de sódio e glicose 2 (SGLT2), que estão licenciados para o tratamento da diabetes mellitus do tipo 2. Em caso de suspeita de cetoacidose diabética, descontinue o inibidor da SGLT2 imediatamente.[23][24] A glicose sérica pode não estar significativamente elevada.
8. A abordagem diagnóstica clássica mencionada acima pode não ser aplicável a pacientes gravemente enfermos. Nesses pacientes, vários cátions, como Ca²+ e Mg²+, e ânions, como albumina e PO₄-, podem não permanecer inalterados, conforme assumido no passo a passo diagnóstico.[1]
O AG precisa ser corrigido para concentrações anormais de albumina.[9]
AG corrigido = AG observado + 2.5 x (valor normal de albumina sérica – albumina sérica do paciente).
A “abordagem de íons fortes” (strong ion approach, SID, desenvolvida pelo Dr. Peter Stewart) considera todos os íons dissolvidos no plasma.
Diferença de íons fortes (SID) aparente = ((Na+ + K+ + Ca2+ + Mg2+) - Cl-.
SID efetiva = HCO₃- + albumina medida x (0.123 x pH - 0.631) + fosfato inorgânico x (0.309 x pH - 0.469).
Gap de íons fortes = SID aparente – SID efetiva.
9. Iniciar a terapia apropriada
O princípio fundamental do tratamento da acidose metabólica é identificar e tratar o estado patológico subjacente.
Ocasionalmente pode ser necessário o tratamento direto da acidose metabólica.
A acidose metabólica com AG normal é tratada eficazmente através da administração gradual de bicarbonato, apesar de o tratamento gradual com bicarbonato da acidose metabólica com AG aumentado ser controverso.[9]
Deve ser evitada a correção aguda de qualquer acidose metabólica com doses em bolus de bicarbonato de sódio intravenoso (IV) .[25]
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