Abordagem
O diagnóstico é feito quando fica determinado que o paciente tem um nível elevado de gastrina sérica em jejum na ausência de acloridria, e um teste de secretina positivo ou um tumor neuroendócrino histologicamente comprovado.[8]
Avaliação clínica
Os sinais e sintomas são decorrentes da hipersecreção de gastrina e são geralmente vagos e inespecíficos para a síndrome de Zollinger-Ellison. A apresentação mais comum inclui dor abdominal (de 70% a 100% dos pacientes), diarreia (de 37% a 73% dos pacientes) e doença do refluxo gastroesofágico (44% dos pacientes). De dez a vinte por cento dos pacientes apresentam diarreia como único sintoma.[1][2] A esteatorreia também pode ser uma característica manifesta decorrente da inativação das enzimas pancreáticas por excesso de ácido. Os pacientes que se apresentam com úlcera péptica refratária à terapia medicamentosa associada a diarreia e/ou hemorragia digestiva na ausência de uso de anti-inflamatório não esteroidal ou infecção por Helicobacter pylori devem ser avaliados quanto à síndrome de Zollinger-Ellison. Além disso, a presença de úlceras múltiplas ou úlceras em locais atípicos, incluindo a segunda porção duodenal, deve levantar suspeita de síndrome de Zollinger-Ellison e requerer investigação adicional.
As metástases ocorrem mais comumente no fígado, seguidas pelos ossos, em particular o esqueleto axial, causando lombalgia.
Avaliação laboratorial
Gastrina sérica em jejum e pH gástrico
O diagnóstico de síndrome de Zollinger-Ellison requer a demonstração de um nível inapropriadamente elevado de gastrina sérica em jejum na presença de hipergastrinemia quando há secreção de ácido gástrico.[15]
A avaliação da síndrome de Zollinger-Ellison começa com a medição dos níveis de gastrina sérica em jejum, um exame laboratorial muito sensível mas inespecífico. Este nível é alto em >99% de todos os pacientes com síndrome de Zollinger-Ellison.[15] Na ausência de doença renal, um nível de gastrina sérica em jejum >481 picomols/L (>1000 picogramas/mL; superior a 10 vezes o limite superior do normal) é altamente sugestivo de síndrome de Zollinger-Ellison. Os médicos devem ter conhecimento da variabilidade de medições entre os kits de ensaio disponíveis comercialmente. Foram demonstradas concentrações falsamente altas e falsamente baixas de gastrina quando o grau de hipergastrinemia é leve (24-192 picomoles/L [50-400 picogramas/mL]). Isso pode resultar em investigações desnecessárias em pacientes normais, ou erro diagnóstico e subtratamento de pacientes com síndrome de Zollinger-Ellison.[16][17]
Uma gastrina sérica em jejum elevada sozinha não é adequada para fazer o diagnóstico de síndrome de Zollinger-Ellison em virtude das muitas outras causas possíveis de hipergastrinemia. Portanto, o pH gástrico deve ser verificado juntamente com a gastrina sérica em jejum para excluir hipergastrinemia secundária a outras causas, particularmente hipergastrinemia apropriada devido a hipocloridria ou acloridria (causada por condições como gastrite atrófica, infecções por Helicobacter pylori, anemia perniciosa ou ingestão de inibidores da bomba de prótons [IBP]) . A aspiração por sonda nasogástrica tem sido classicamente usada para estimar o pH gástrico, mas pode ser desconfortável para os pacientes e pode subestimar a produção de ácido gástrico.[18] A endoscopia também pode ser usada para medir os níveis de ácido gástrico, com um estudo indicando que a produção e a concentração de ácido se correlacionam bem entre o conteúdo gástrico recuperado por endoscopia e a recuperação por sonda nasogástrica. Embora tenha sido demonstrado que a amostragem endoscópica superestima o volume total de ácido, ela fornece resultados mais reprodutíveis e oferece maior tolerância ao paciente do que a colocação de sonda nasogástrica.[19]
A interpretação dos resultados do pH gástrico no contexto de gastrina sérica elevada em jejum:[15]
No caso de hipocloridria ou acloridria, o pH gástrico será >2. Um pH >2 descarta de maneira efetiva o diagnóstico de síndrome de Zollinger-Ellison.
Se os níveis de gastrina sérica em jejum estiverem >481 picomoles/L (>1000 picogramas/mL) (isto é, >10 vezes maior) e o pH gástrico for <2, pode-se faze o diagnóstico de síndrome de Zollinger-Ellison (isso se aplica a 40% de todos os pacientes com síndrome de Zollinger-Ellison).
Se a gastrina sérica em jejum estiver entre 48 e 481 picomoles/L (100 e 1000 picogramas/mL) (isto é, <10 vezes elevada), como é o caso em 60% dos pacientes com síndrome de Zollinger-Ellison, e o pH gástrico for <2, são necessários outros testes (veja abaixo).
Manejo de pacientes em terapia com IBP durante a investigação para síndrome de Zollinger-Ellison
Com a introdução de potentes medicamentos antissecretores de ácido gástrico, como IBPs, na última década ficou cada vez mais difícil diagnosticar a síndrome de Zollinger-Ellison. Isso ocorre porque os IBPs têm uma ação prolongada (até 1 semana) e causam hipergastrinemia em 80% a 100% de todas as pessoas sem síndrome de Zollinger-Ellison, confundindo assim o diagnóstico.[15] Os níveis elevados de gastrina sérica em jejum nesses pacientes se devem ao feedback negativo da diminuição dos níveis de ácido basal (isto é, hipergastrinemia apropriada).
Para diferenciar a hipergastrinemia em jejum apropriada da inapropriada, recomenda-se que o nível de gastrina sérica seja repetido 1 semana após a descontinuação da terapia com IBP.[8] No entanto, as diretrizes recomendam que o tratamento com IBP não seja interrompido abruptamente nos pacientes com sintomas clínicos evidentes de gastrinoma e/ou riscos de complicações (por exemplo, doença ulcerosa ativa) devido ao potencial de desenvolvimento rápido de doenças ácido-pépticas graves.[15] Na prática, o diagnóstico de síndrome de Zollinger-Ellison não pode ser facilmente estabelecido sem a interrupção do tratamento com IBP. Recomenda-se, portanto, que, se o diagnóstico não estiver claro (gastrina sérica em jejum aumentada <10 vezes, pH gástrico <2, nenhum tumor observado em imagens), o paciente deve ser encaminhado a um centro especializado para investigação adicional. Se isso não for possível, a retirada do IBP deve ser realizada com cautela (somente em um paciente assintomático no qual uma doença ácido-péptica ativa, ou dano, tenha sido excluído por endoscopia), com cobertura adequada por antagonistas do receptor de histamina 2 (antagonistas H2) e monitoramento cuidadoso do paciente.[15]
Exames adicionais
Em pacientes com baixo pH gástrico (<2) e níveis elevados de gastrina 48-481 picomoles/L (100-1000 picogramas/mL) (ou seja, <10 vezes elevado), deve ser realizado um teste de estimulação com secretina. Um teste de infusão de cálcio (envolvendo infusão intravenosa com gluconato de cálcio) também pode ser usado, pois os tumores secretores de gastrina expressam receptores para cálcio.[20][21] O teste de secretina, no entanto, é o teste mais sensível e específico para o diagnóstico de síndrome de Zollinger-Ellison. Um teste de com secretina positivo é caracterizado pelo aumento da gastrina sérica em jejum após a administração intravenosa da secretina. Diferentes valores de corte para um resultado positivo foram propostos, incluindo um aumento absoluto na concentração de gastrina ≥58 picomoles/L (≥120 picogramas/mL) ou ≥96 picomoles/L (≥200 picogramas/mL), ou um aumento de 50% na concentração de gastrina.[18] No entanto, os dados sugerem que o critério com maior sensibilidade e especificidade é um aumento de ≥58 picomoles/L (≥120 picogramas/mL), com a sensibilidade relatada como 94% e a especificidade como 100%.[22] A secretina estimula a liberação de gastrina pelas células do gastrinoma, com níveis máximos em 10 minutos, enquanto as células secretoras de gastrina normais (células G gástricas) são inibidas pela secretina. O teste de secretina não deve ser realizado em pacientes em uso de IBPs devido ao potencial para falsos positivos. Os IBPs devem, portanto, ser suspensos pelo menos 1 semana antes do teste; quanto à medição dos níveis de gastrina sérica em jejum e aos níveis de pH gástrico, devem ser feitos sob a supervisão de um profissional experiente e somente após a exclusão de uma doença ulcerosa ativa.
O teste do glucagon pode ser uma alternativa adequada ao teste da secretina no diagnóstico da síndrome de Zollinger-Ellison, mas não é rotineiramente realizado na prática clínica.[23] No entanto, o teste do glucagon pode ser considerado uma alternativa se a secretina não estiver disponível.
Teste genético para NEM1.
O teste genético para neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (NEM1) deve ser realizado em um subgrupo selecionado de pacientes, sendo eles 1) pacientes com dois ou mais tumores endócrinos primários associados a NEM1 (por exemplo, adenoma da paratireoide, tumor enteropancreático ou adenoma hipofisário) ou hipercalcemia associada a um tumor endócrino; e 2) pacientes com características relacionadas a NEM1 que têm um parente de primeiro grau com diagnóstico de NEM1.[18]
Exames por imagem
Uma vez que o diagnóstico bioquímico de síndrome de Zollinger-Ellison estiver confirmado, avaliações adicionais devem se concentrar na localização do tumor através de exames de imagem para determinar o local primário, a profundidade de invasão e a presença de doença metastática.
Tomografia computadorizada (TC) e ressonância nuclear magnética (RNM)
Recomenda-se a obtenção de imagens com TC multifásica ou RNM abdominal (com ou sem pelve) com contraste intravenoso; estas continuam sendo as modalidades de imagem inicial mais amplamente utilizadas em pacientes com síndrome de Zollinger-Ellison, devido à sua ampla disponibilidade.[18][24] No entanto, elas deixam passar muitas lesões pequenas <1 cm.[18] A RNM tem demonstrado maior sensibilidade para a detecção de metástases hepáticas em comparação com a tomografia computadorizada (TC).[18]
Cintilografia dos receptores da somatostatina (CRS)
A RE também tem sido usada para localizar gastrinomas. Isto envolve a administração de octreotida radiomarcada com índio, a qual se liga seletivamente aos receptores de somatostatina encontrados nas células do gastrinoma.[18] Além de fornecer informações sobre a carga geral e a localização do tumor, a imagem positiva também confirma a presença de receptores de somatostatina, o que pode ter implicações terapêuticas.[24][25] Ela demonstrou sensibilidade razoável (77% a 78%) e alta especificidade (93% a 94%) para a detecção do tumor primário e de suas metástases, embora a sensibilidade diminua para tumores pequenos (<1 cm).[26] A precisão diagnóstica da RE pode ser melhorada ao se executá-la junto com a TC por emissão de fóton único (RE-SPECT).[27] Estudos demonstraram que essa combinação tem maiores sensibilidade e especificidade na detecção de tumores primários (78% a 88% e 97%, respectivamente) em comparação com a RE isoladamente.[28][29][30]
Tomografia por emissão de pósitrons (PET) com Gálio (Ga)-68 DOTATATE
O Ga-68 DOTATATE é um análogo da somatostatina radiomarcado. Estudos demonstraram que a PET com Ga-68 DOTATATE tem maiores sensibilidade e especificidade (72% a 100% e 83% a 100%, respectivamente) na localização do tumor primário, especialmente tumores pequenos, em comparação com a TC, a RNM e a RE.[31][32][33] A PET com Gálio (Ga)-68 DOTATATE deve ser incluída na conduta diagnóstica de todos os tumores neuroendócrinos, incluindo gastrinomas, tanto para identificar o tumor primário quanto para estadiar a doença.[18] A combinação de radiotraçadores Ga-68 com tomografias computadorizadas tradicionais (PET/CT) aumenta ainda mais a acurácia diagnóstica em comparação com a PET isoladamente, demonstrando sensibilidade de 93% e especificidade de 96% na detecção de tumores primários.[34] A PET/CT com Ga-68 DOTATATE foi aprovada pela US Food and Drug Administration (FDA) em 2016.
Ultrassonografia endoscópica (USE)
Como quase metade dos gastrinomas ocorrem na parede duodenal e tendem a ser pequenos (<1 cm), a USE pode ser uma modalidade de imagem importante para detectá-los, pois também se mostrou muito sensível na detecção de tumores pequenos. A USE também demonstrou altas sensibilidade e especificidade para a detecção de pequenos tumores endócrinos pancreáticos. Outra vantagem dessa técnica é a possibilidade de realizar biópsia por aspiração com agulha fina (AAF/B) para colher amostras citológicas/histológicas a fim de se confirmar o diagnóstico de gastrinoma. Hoje a USE/AAF/B é considerada a principal técnica de amostragem para tumores neuroendócrinos pancreáticos.[18] Um estudo descobriu que a aspiração por agulha fina (AAF) guiada por USE é tão sensível quanto a AAF guiada por TC no diagnóstico de tumores neuroendócrinos pancreáticos; os autores relataram que a principal vantagem da AAF guiada por USE foi o diagnóstico de tumores neuroendócrinos pancreáticos menores na cabeça do pâncreas.[35]
Quando usada como uma modalidade de triagem em pacientes assintomáticos com NEM1, a USE tem sido relatada como mais precisa do que a TC na detecção de tumores menores. Isso levou os especialistas a recomendá-la como uma modalidade de rastreamento anual para todos os pacientes com NEM1, embora as evidências sugiram que a taxa de crescimento de pequenos tumores neuroendócrinos pancreáticos (isto é, <2 cm) é baixa e que a frequência de rastreamento com USE provavelmente pode ser estendida.[36][37]
Endoscopia digestiva alta (EDA)
A endoscopia digestiva alta (EDA) geralmente é realizada para localizar a presença de úlceras gástricas ou duodenais em pacientes com queixas de dor abdominal. A presença de ulcerações pós-bulbares sugere síndrome de Zollinger-Ellison.
A EDA de rotina, com ou sem amostra para biópsia, é bem estabelecida como um procedimento seguro e efetivo. Embora vários eventos adversos estejam associados à EDA de rotina, sua incidência geral é baixa.[38]
Tomografia de tórax
A tomografia computadorizada de tórax (com ou sem contraste) pode ser realizada para se verificar se há metástases pulmonares, se clinicamente indicada.[24]
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