Abordagem

Os antibióticos por via oral são a base do tratamento da infecção do trato urinário.

A escolha do antibiótico deve ser orientada pelas infecções pregressas e pelos os dados associados de suscetibilidade a antibióticos dos últimos 6 meses, exposições a antibióticos nos 30 dias anteriores e padrões de resistência antimicrobiana locais. Isso inclui a possibilidade de infecção por organismos produtores de beta-lactamase de espectro estendido (BLEE), notadamente a Escherichia coli e a Klebsiella pneumoniae.[11]

O racional do tratamento é baseado em se a ITU é complicada ou não complicada. Os casos complicados incluem pacientes com qualquer um dos seguintes fatores: anormalidades anatômicas ou funcionais no trato urinário, sexo masculino, gestação, imunossupressão (por exemplo, transplante renal), diabetes, micção incompleta, sonda vesical de demora, intervenção recente, infecção associada a assistência à saúde, ou história de infecção por organismos produtores de BLEE ou outros organismos resistentes a múltiplos medicamentos.[1]​ Esses pacientes requerem um ciclo de tratamento mais longo e mais agressivo.

Cistite aguda não complicada

O tratamento de primeira linha para a cistite aguda não complicada é nitrofurantoína por 3 a 5 dias, sulfametoxazol/trimetoprima (SMX/TMP) por 3 dias, ou trimetoprima em monoterapia.​[1]​​​[40][41][42]​​​​ Esses agentes têm eficácia similar; no entanto, o SMX/TMP ou a trimetoprima não devem ser usados como tratamento de primeira linha se as taxas locais de resistência de uropatógenos causadores de cistite não complicada excederem 20%.[1][40] A nitrofurantoína e o SMX/TMP são ativos contra várias bactérias resistentes a antibióticos, inclusive organismos produtores de BLEE.[11]​ Os pacientes com deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD) não devem usar a nitrofurantoína devido ao risco de desenvolverem anemia hemolítica.

As diretrizes da European Association of Urology (EAU) recomendam a fosfomicina e o pivmecilinam como alternativas de primeira linha para a cistite aguda não complicada.[1]​A fosfomicina é ativa contra a cistite causada por E coli produtora de BLEE.[11]​​ Uma metanálise demonstrou que a fosfomicina apresentou eficácia semelhante a outros antibióticos na cistite aguda não complicada.[43] No entanto, um estudo comparando um ciclo de 5 dias de nitrofurantoína a uma dose única de fosfomicina observou que a nitrofurantoína levou a maior resolução clínica e microbiológica.[44] Outras alternativas, como cefalosporinas ou aminopenicilinas que não o pivmecilinam, não são recomendadas para terapia empírica, exceto em casos selecionados.[1][40]​​ Em comparação com a nitrofurantoína, o SMX/TMP ou a fosfomicina, os agentes betalactâmicos apresentam maior risco de danos colaterais ecológicos (seleção de organismos resistentes a medicamentos, colonização ou infecção por organismos multirresistentes, maior risco de infecções subsequentes, como Clostridium difficile).[33] As fluoroquinolonas não são adequadas para terapia antimicrobiana na cistite não complicada devido a efeitos ecológicos negativos, e devem ser reservadas para a infecção complicada e/ou grave.[1][40]

Quando se comparam estratégias diferentes no manejo da ITU não complicada (antibioticoterapia empírica, prescrição protelada e prescrição orientada com base nos resultados da cultura de urina de jato intermediário), todas têm demonstrado alcançar um controle sintomático similar.[34] Os antibióticos têm se mostrado superiores ao placebo.[45]

Se o paciente não começar a melhorar dentro de 2 a 3 dias de tratamento, uma avaliação mais detalhada é indicada. Se ainda não tiver sido realizada, o diagnóstico deve ser confirmado pela urinálise e, antes de se mudarem os antibióticos, uma cultura de urina deve ser obtida para auxiliar na orientação do tratamento subsequente.

Se um paciente tiver uma história pregressa de cistite e este for um episódio recorrente, pode ser considerado um tratamento iniciado pelo paciente para este e para possíveis episódios futuros. Essa é a situação em que o antibiótico é prescrito à mulher antes dos sintomas, com instruções detalhadas de como administrá-lo. Folhetos de informação aos pacientes têm demonstrado auxiliar nesse sentido.[46]

A fenazopiridina pode ser usada para o alívio sintomático, como adjuvante da antibioticoterapia. Note-se que pode causar hemólise em pacientes na deficiência de G6PD.

Cistite aguda complicada

Em pacientes com suspeita de cistite aguda complicada, o diagnóstico deve ser confirmado com uma urinálise e uma cultura de urina. Os antibióticos devem ser iniciados e, se necessário, a estratégia de tratamento pode ser modificada posteriormente com base nos resultados da cultura e da sensibilidade.[1]

Geralmente as fluoroquinolonas são indicadas como terapia de primeira linha para a cistite aguda complicada. No entanto, uma fluoroquinolona só pode ser recomendada para o tratamento empírico se os padrões locais de resistência forem inferiores a 10%; o paciente não estiver gravemente doente e todo o tratamento puder ser administrado oralmente; ou o paciente tiver uma anafilaxia a antimicrobianos betalactâmicos.[1] Devido ao seu alto uso em alguns pacientes urológicos, as fluoroquinolonas têm menor probabilidade de sucesso nessa coorte específica e, portanto, não são recomendadas como primeira linha para o tratamento empírico se o paciente tiver usado uma fluoroquinolona nos 6 meses anteriores.[1][47]​​ Nos casos de alergia ou resistência a fluoroquinolonas, uma cefalosporina de terceira geração (como a cefpodoxima) seria uma primeira escolha adequada.

Os pacientes com uma ITU complicada com sintomas sistêmicos que requeiram hospitalização devem ser inicialmente tratados com antibióticos intravenosos. Eles incluem amoxicilina associada a um aminoglicosídeo, uma cefalosporina de segunda geração associada a um aminoglicosídeo, ou uma cefalosporina de terceira geração.[1] Com a melhora do paciente, o seu esquema terapêutico pode ser trocado para um antimicrobiano oral ao qual o organismo seja suscetível para completar o curso terapêutico.[40]

A fenazopiridina pode ser usada para o alívio sintomático, como adjuvante da antibioticoterapia. Note-se que pode causar hemólise em pacientes na deficiência de G6PD.

Cistite aguda na gestação

Naquelas pacientes cuja infecção seja complicada por uma gestação, as fluoroquinolonas, tetraciclinas e o sulfametoxazol/trimetoprima geralmente não são recomendados. Portanto, para essas pacientes, o antibiótico de primeira linha é a nitrofurantoína ou a fosfomicina.[1]​ A nitrofurantoína deve ser evitada no final da gravidez, devido a um risco teórico de anemia hemolítica no neonato.[48] As alternativas incluem as cefalosporinas e penicilinas.[1]

Cistite recorrente

Uma infecção recorrente do trato urinário pode ser complicada ou não complicada, e é definida como pelo menos 3 casos por ano, ou 2 casos em 6 meses.[1]

As pacientes com ITUs recorrentes crônicas recebem profilaxia antibiótica administrada diariamente, ou pós-coito. Assim como para a ITU aguda, a escolha do antibiótico deve ser orientada pelas infecções pregressas e pelos dados de suscetibilidade antibiótica associados dos últimos 6 meses, exposições a antibióticos nos últimos 30 dias e padrões locais de resistência antimicrobiana.[11]​ As opções incluem o SMX/TMP, a trimetoprima isoladamente, a fosfomicina e a nitrofurantoína.[1][8]​​​​​ Deve haver cautela ao se usar a nitrofurantoína durante períodos prolongados devido ao risco de lesão pulmonar.[49]

A micção após uma relação sexual, o aumento do consumo de água e um ciclo de probióticos também podem ser benéficos para a prevenção da cistite recorrente; no entanto, as evidências de alta qualidade são limitadas.​[29]

O hipurato de metenamina funciona como um antisséptico urinário, pois é convertido em amônia e formaldeído no ambiente ácido do trato urinário inferior. Em um ensaio clínico randomizado aberto, o hipurato de metenamina demonstrou ser não inferior à profilaxia com antibióticos em um período de 12 meses, com um perfil de segurança aceitável.[50]​ Estudos adicionais são recomendados; no entanto, o hipurato de metenamina pode ser considerado em algumas pacientes, de acordo com suas preferências individuais e com as iniciativas para manejo direcionado dos antibióticos.​[50]​​​[51]

Uma revisão sistemática e metanálise de ensaios clínicos randomizados e quasi-randomizados constataram que doses altas diárias de oxicoco, normalmente na forma de comprimidos ou concentrados, reduziram as taxas de ITUs sintomáticas verificadas por culturas em não gestantes com ITUs recorrentes (e sem nenhuma anormalidade urológica subjacente).[52]​ Os produtos à base de oxicoco podem ser recomendados para a prevenção de ITU recorrente; no entanto, não há evidências clínicas claras em relação à dose adequada e à duração do tratamento.[1]

Em mulheres no pós-menopausa, os níveis de estrogênios caem, causando atrofia vaginal e aumento do risco de ITU recorrente. A reposição de estrogênio vaginal pode, potencialmente, reduzir o risco de ITUs recorrentes em mulheres no pós-menopausa. As evidências são mais fortes para o estrogênio tópico na forma de creme ou pessário.[1]​ Deve ser usada a menor dose efetiva do estrogênio vaginal.[53]

O tratamento iniciado pelo paciente para possíveis episódios futuros pode ser considerado. Essa é a situação em que o antibiótico é prescrito à mulher antes dos sintomas, com instruções detalhadas de como administrá-lo. Folhetos de informação aos pacientes têm demonstrado auxiliar nesse sentido.[46]

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