Etiologia
A criptosporidiose é contraída pela ingestão de oocistos de Cryptosporidium, que se rompem no intestino delgado, liberando esporozoítos móveis. Os esporozoítos invadem as células epiteliais, iniciando a multiplicação assexuada e a subsequente reprodução sexuada. A esporulação ocorre in situ e facilita a autoinfecção, causando infecção crônica nos pacientes incapazes de produzir uma resposta imune adequada.[40] A ingestão de uma pequena quantidade de oocistos (<10) pode causar a doença. O período de incubação é de, geralmente, 3-11 dias; a mediana é de 5-7 dias.[2]
Os oocistos são encontrados nas fezes de humanos e de animais e em alimentos, água potável, água de atividades recreacionais e fômites contaminados. A transmissão ocorre pela água, alimentos, animal a pessoa ou pessoa a pessoa por via fecal-oral. Os oocistos são robustos e sobrevivem à cloração na água potável e nas piscinas. Foram descritos surtos associados a essas vias de transmissão.[32][41][42]
Duas espécies causam a maioria das criptosporidioses humanas: o C parvum pode ser transmitido antroponoticamente ou zoonoticamente; o C hominis é antroponótico.[38]
Fisiopatologia
O intestino delgado é o principal sítio de infecção, mas todo o trato gastrointestinal e sítios extraintestinais podem ser afetados. Nos pacientes infectados por HIV, infecções na parte mais proximal do intestino delgado geralmente causam uma doença mais grave, tendo também sido relatado comprometimento gástrico.[43][44]
A invasão das células hospedeiras causa a perda do epitélio superficial e o deslocamento das bordas das microvilosidades, causando a alteração da arquitetura vilosa, com atrofia vilosa, embotamento e hiperplasia da cripta celular, e infiltração de células mononucleares na lâmina própria.[45][46]
Os mecanismos causadores da diarreia não são totalmente compreendidos: as fezes aquosas em grande volume assemelham-se à diarreia secretora, que pode indicar uma enterotoxina como um mecanismo específico, porém nenhuma toxina do Cryptosporidium foi isolada.[47][48] O aumento da permeabilidade e da inflamação intercelular na lâmina própria poderia contribuir para a diarreia secretora via citocinas e neuropeptídeos.[49][50] A expressão de um neuropeptídeo e transmissor da dor, a substância P, que está envolvida na secreção do ânion cloreto no intestino, está elevada em voluntários infectados por Cryptosporidium e em pacientes com AIDS e criptosporidiose.[51] A hiperplasia da cripta celular causa aumento da secreção de cloreto, e o aplanamento das vilosidades causa a diminuição da absorção de sódio, resultando também em aumento global da secreção.[52] Os leucócitos fecais estão geralmente ausentes, embora a infecção tenha sido associada a uma resposta inflamatória sistêmica persistente.[53] Nos pacientes com infecção pelo HIV, a histopatologia mostra evidências de lesão na mucosa e resposta inflamatória variável, geralmente associada a coinfecção com outros patógenos.[54]
A diarreia está geralmente associada a má absorção, demonstrada, por exemplo, por testes anormais de D-xilose e estudos radiológicos.[44]
A criptosporidiose em sítios extragastrointestinais ocorre principalmente em pacientes imunocomprometidos. Criptosporidiose biliar e pancreática têm sido relatadas.[11][55][56]O Cryptosporidium causa apoptose de linhagens celulares epiteliais biliares humanas, uma observação que pode ser relevante na patogênese da colangite esclerosante, uma complicação bem descrita da criptosporidiose biliar.[57][58][59][60][61][62][63] Embora muito raros, o comprometimento traqueobrônquico e a sinusite têm sido descritos em pacientes gravemente imunocomprometidos.[64][65] No entanto, a significância clínica precisa de tal fato é incerta, pois a maioria apresenta infecção concomitante com um patógeno respiratório identificado.[64] A criptosporidiose respiratória tem sido investigada em crianças imunocompetentes com diarreia por Cryptosporidium e tosse inexplicada, consideradas sugestivas de transmissão respiratória.[66]
Classificação
Classificação taxonômica[4][5][6]
Filo Apicomplexa: tem-se debatido as afinidades dentro do filo e a relação evolucionária com os coccídeos do gênero Eimeria em particular, e a família Cryptosporidiidae foi colocada em uma nova ordem (Cryptogregarida) dentro de uma nova subclasse (Cryptogregaria); no entanto, análises genômicas e transcriptômicas de células únicas levaram à sugestão de que o Cryptosporidium é evolutivamente distinto.
Delimitação da espécie[7][8][9][10]
A família Cryptosporidiidae contém um único gênero, o Cryptosporidium. Existem 48 espécies, mas os principais patógenos humanos são:
C hominis
C parvum.
Outras espécies e genótipos de Cryptosporidium (isolados para os quais estão disponíveis dados biológicos insuficientes quanto ao status das espécies) são ocasionalmente encontrados em humanos. Embora a maioria seja de patogenicidade incerta, C meleagridis, C felis e C canis foram associados à diarreia em crianças no Peru, e o C cuniculus (anteriormente o genótipo que afeta o coelho) causou um surto de criptosporidiose humana transmitida pela água no Reino Unido.
Manifestações clínicas[1][11]
Criptosporidiose aguda
Presença de oocistos, antígenos ou ácido desoxirribonucleico (DNA) do Cryptosporidium nas fezes de pacientes com diarreia, cólicas abdominais, perda de apetite, febre baixa, náuseas e/ou vômitos. Pode haver recidiva dos sintomas, que podem ser persistentes, durando até 4 semanas. Também pode ocorrer perda de peso significativa.
Criptosporidiose grave, crônica ou intratável
Doença diarreica grave, crônica ou intratável e aumento da morbidade e da mortalidade podem ocorrer em pessoas com imunodeficiência congênita ou adquirida das células T. A diarreia é aquosa, de grande volume (algumas vezes >2 litros por dia) e está frequentemente associada a perda de peso e prostração intensas.
As complicações da infecção nesse grupo incluem a criptosporidiose pancreatobiliar, que raramente pode causar colangite esclerosante e cirrose hepática. A criptosporidiose respiratória também é uma complicação rara.
Doença diarreica moderada a grave com aumento da morbidade e da mortalidade pode ocorrer em crianças pequenas desnutridas.
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