Abordagem

O tratamento visa salvar vidas, salvar os olhos e salvar a visão. Esses objetivos fundamentam a abordagem de tratamento que, em geral, é altamente individualizada e planejada por um oncologista ocular experiente. O diagnóstico precoce e o tratamento imediato em hospitais pediátricos especializados podem salvar a vida e o globo ocular da criança, muitas vezes preservando a visão útil.[21]

As modalidades de resgate do globo ocular são usadas cada vez mais onde há instalações disponíveis (por exemplo, países de renda média a alta; cuidados terciários) e quando a doença está menos avançada (por exemplo, graus A a C Classificação Internacional de Retinoblastoma).[57]

As opções de tratamento variam consideravelmente de acordo com a disponibilidade, mas geralmente incluem:[58]

  • Enucleação cirúrgica (associada a quimioterapia adjuvante se houver aumento do risco de recidiva após a enucleação ou, possivelmente, terapia por feixe externo [EBRT] se houver suspeita de doença microscópica residual)

  • Modalidades com intenção de salvar o globo ocular

    • quimiocirurgia da artéria oftálmica (também conhecida como quimioterapia intra-arterial)

    • quimioterapia intravenosa (com consolidação focal)

    • Quimioterapia intravítrea

    • terapia focal destrutiva de células tumorais (por exemplo, criopexia, fotocoagulação a laser, hipertermia e irradiação de placas)

    • radioterapia por feixe externo (EBRT) se não houver resposta a outros tratamentos ou se a doença residual microscópica permanecer após a enucleação

O tratamento do retinoblastoma deve incluir uma equipe multidisciplinar composta por um oncologista ocular e/ou pediátrico, um patologista e um radiologista intervencionista, quando disponível.

Presença de acometimento vítreo

Caracterizado por células tumorais flutuando dentro da cavidade vítrea; um fator potencialmente limitante para a terapia de resgate do globo ocular.

Enucleação do globo ocular

  • A enucleação (remoção cirúrgica do olho sem ressecção das pálpebras ou músculos extraoculares) é um tratamento de primeira linha recomendado, especialmente para doenças unilaterais avançadas (por exemplo, graus D e E da Classificação Internacional de Retinoblastoma).

  • O exame histopatológico subsequente, realizado por um patologista ocular experiente, determina a presença de características patológicas de alto risco, tais como:[57][59]​​

    • invasão da câmara anterior, íris, corpo ciliar, malha trabecular e canal de Schlemm

    • envolvimento da margem de ressecção cirúrgica do nervo óptico

    • invasão do nervo óptico retrolaminar

    • invasão intraescleral

    • invasão maciça da coroide

    • disseminação extraocular.

  • Se for observado qualquer um desses sinais, os pacientes receberão quimioterapia adjuvante.[60]​ Geralmente, isso envolve combinações de doses elevadas de carboplatina, etoposídeo e vincristina, sendo que alguns centros acrescentam outros agentes.

  • Avanços na terapia de resgate ocular significam que a enucleação tem sido usada com menos frequência. No entanto, ela permanece uma opção importante em casos nos quais não é possível salvar o olho e a chance de envolvimento do olho contralateral é pequena. Taxas de cura >90% foram relatadas em pacientes com retinoblastoma intraocular unilateral avançado submetidos à enucleação.[61][62]

Tratamentos de resgate do globo ocular

  • Podem ser tentados na ausência de fatores complicadores, mas essas intervenções são cada vez mais usadas como opção de primeira linha onde há instalações disponíveis e a doença está menos avançada (por exemplo, graus A a C da Classificação Internacional de Retinoblastoma).

  • Os tratamentos de primeira linha variam muito:

    • Quimioterapia sistêmica associada a terapia focal, em que a quimioterapia consiste em 6 a 9 ciclos de um esquema intravenoso sistêmico de 3 ou 4 medicamentos (ou seja, carboplatina, vincristina, etoposídeo e, possivelmente, ciclosporina) acompanhado por terapia focal.[63]​ Geralmente, a terapia focal envolve crioterapia ou laserterapia e será sinérgica se realizada no mesmo dia em que a quimioterapia.

    • Quimiocirurgia da artéria oftálmica (também conhecida como quimioterapia intra-arterial) para os retinoblastomas unilateral e bilateral.[64][65][66]​​​​​ Realizada por um neurorradiologista intervencionista ou um neurocirurgião intervencionista e envolve a inserção de um microcateter pela artéria femoral até o óstio da artéria oftálmica. O agente mais comumente usado é a melfalana; no entanto, a melfalana, a carboplatina e a topotecana têm sido usadas isoladamente ou em combinação.[67]​ O procedimento é repetido quantas vezes forem necessárias, com a realização de um exame de fundo de olho sob anestesia antes de cada ciclo. Estudos sugerem que as taxas de resgate do globo ocular (por exemplo, graus D e E da Classificação Internacional de Retinoblastoma) são maiores com a quimiocirurgia da artéria oftálmica do que com a quimioterapia intravenosa.[68][69]​​ As complicações oculares comuns relatadas na quimiocirurgia da artéria oftálmica à base de melfalana incluem retinopatia e edema palpebral; as complicações sistêmicas incluem náuseas e vômitos.[70]

    • A quimioterapia intravítrea (por exemplo, melfalana) pode ser usada para controlar o acometimento vítreo após a quimiocirurgia da artéria oftálmica ou a quimiorredução sistêmica.[65][71]​​​ A quimioterapia intravítrea adjuvante (tanto em casos virgens de tratamento quanto com retinoblastoma tratado anteriormente), com ou sem quimioterapia periocular, e combinada com quimioterapia sistêmica ou quimiocirurgia da artéria oftálmica, pode melhorar as taxas de regressão e promover menos recorrências.[66][72][73]​​​ Embora haja preocupações sobre a disseminação do tumor ao longo do trajeto da agulha, causando metástase, o risco parece ser irrisório com as modernas estratégias de tratamento.[74][75][76]

Inexistência de acometimento vítreo

As opções de tratamento se baseiam no tamanho do tumor (diâmetros do disco).

Tumores >2 diâmetros de disco de tamanho

  • Geralmente, o tratamento de primeira linha envolve 6 a 9 ciclos de um esquema de quimioterapia intravenosa de 3 ou 4 medicamentos (ou seja, carboplatina, etoposídeo, vincristina e, possivelmente, ciclosporina) acompanhado de ablação focal a laser ou crioterapia.[63] Há muita variação entre as instituições quanto ao número de medicamentos e ciclos.[77]

  • Como opção, pode-se considerar o uso de um ou mais ciclos de quimioterapia da artéria oftálmica com um ou mais dos seguintes agentes: melfalana, carboplatina ou topotecana.[64]

  • Os pacientes são submetidos a exames oftalmológicos regulares e frequentes, sob anestesia, a fim de avaliar a resposta ao tratamento. Adotada por profissionais experientes, essa abordagem pode evitar a necessidade de radiação por feixe externo e a enucleação aos 3 anos em 100% dos pacientes com doença dos grupos I a IV e em 83% dos pacientes com doença do grupo V da classificação de Reese-Ellsworth.[63]

Tumores 2 diâmetros de disco ou menos de tamanho

  • Os pacientes com história familiar de retinoblastoma são normalmente examinados no nascimento, o que permite que os tumores sejam detectados com frequência ainda muito pequenos (por exemplo, 2 diâmetros de disco ou menores). Esses tumores geralmente podem ser tratados com sucesso apenas com laserterapia focal.[78] Em caso de insucesso, recomenda-se quimioterapia.

  • Os pacientes são geralmente acompanhados mensalmente com um exame sob anestesia por, pelo menos, 1 ano. Depois disso, o intervalo entre as consultas de acompanhamento é gradualmente estendido.

Acometimento vítreo após a quimioterapia e/ou terapia focal

As opções de tratamento nesse contexto clínico incluem radioterapia por feixe externo ou quimioterapia intravítrea. A enucleação é realizada quando os tumores não respondem satisfatoriamente às terapias de resgate do globo ocular.

Radioterapia por feixe externo (EBRT)

A EBRT é geralmente evitada, se possível, pois aumenta o risco de cânceres secundários. Mas pode ser considerada no tratamento de tumores recorrentes e acometimento.[44][79][80]​​​ Olhos com acometimento difuso correm maior risco de fracasso no tratamento com EBRT em comparação com olhos com acometimento focal.[81]​ Os efeitos adversos da radiação por feixe externo em curto prazo incluem vermelhidão periorbital e edema, ressecamento dos olhos e catarata. Os efeitos adversos em longo prazo incluem cânceres secundários e hipoplasia do osso temporal, especialmente em crianças que receberam radiação com <6 meses de idade.

Em pacientes com acometimentos vítreos não calcificados, nos quais a radiação por feixe externo não tenha produzido um resultado satisfatório, a terapia com carboplatina periocular pode ser uma opção antes da enucleação.[82]​ A carboplatina periocular é eficaz para acometimento vítreo não calcificado, mas não para acometimento sub-retiniano. A carboplatina periocular pode produzir efeitos adversos oculares importantes, como fibrose dos músculos extraoculares e atrofia do nervo óptico.[83][84]

Quimioterapia intravítrea

A quimioterapia intravítrea (por exemplo, melfalana) pode ser usada para controlar o acometimento vítreo, inclusive após uma recorrência, quimiocirurgia da artéria oftálmica ou quimiorredução sistêmica.[71]​ A quimioterapia intravítrea adjuvante, com ou sem quimioterapia periocular, e combinada com quimioterapia sistêmica ou quimiocirurgia da artéria oftálmica, pode melhorar as taxas de regressão e promover menos recorrências.[72][73]​ Embora haja preocupações sobre a disseminação do tumor ao longo do trajeto da agulha, causando metástase, o risco parece ser irrisório com as modernas estratégias de tratamento.[74][75][76]

Retinoblastoma metastático

A doença extraocular e a metastática são raras nos EUA, mas constituem um problema comum em países em desenvolvimento.[21]​ As opções de tratamento dependem do local das metástases.

Invasão do nervo óptico/coroide

  • Há controvérsias acerca das taxas de mortalidade associadas e, por extensão, da necessidade de quimioterapia nos pacientes com confirmação histopatológica de extensão do tumor para a coroide e o nervo óptico após a enucleação.[85][86][87]​​[88]​​ Geralmente são reconhecidos quatro graus de extensão do tumor:[85]

    • invasão da coroide

    • tumor anterior ou até à lâmina crivosa

    • tumor além da lâmina crivosa, mas sem atingir a margem cirúrgica; e

    • tumor na margem cirúrgica.

  • Um estudo sugere que apenas os pacientes com envolvimento escleral ou do nervo óptico pós-laminar, com envolvimento associado da coroide ou uma margem cirúrgica positiva, precisam de quimioterapia adjuvante. Os pacientes com menos fatores de risco histopatológicos foram reabilitados com quimioterapia intensiva no momento da recorrência extraocular.[89] Atualmente, o único critério histopatológico que é consenso entre os médicos é que a quimioterapia sistêmica é necessária quando há tumor na margem cirúrgica, pois esses pacientes apresentam um alto risco de metástases no sistema nervoso central (SNC).

  • Os esquemas quimioterápicos não são padronizados entre os centros médicos. Os agentes mais utilizados em pacientes com sinais histopatológicos de alto risco incluem carboplatina, etoposídeo, vincristina, ciclofosfamida e doxorrubicina. Também é possível administrar agentes intratecais, sendo o esquema mais comum composto de metotrexato, citarabina e um corticosteroide.

Invasão orbital

  • Estudos demonstraram o uso bem-sucedido de quimioterapia agressiva em conjunto com radioterapia nesse grupo de pacientes.[90][91][92][93]

  • No maior desses estudos, os pacientes foram submetidos a vários tratamentos, incluindo exenteração orbital e/ou radioterapia por feixe externo.[91] Todos os pacientes receberam quimioterapia sistêmica com 1 a 5 agentes, incluindo etoposídeo, cisplatina, vincristina, doxorrubicina e ciclofosfamida. A doença orbital impõe um risco elevado de mortalidade, sendo necessária a terapia multimodal agressiva.

  • Vários grupos têm relatado bons desfechos em pacientes com extensão apenas ganglionar local da doença. Não se devem agrupar esses pacientes com os que apresentam metástases à distância disseminadas hematogenicamente ou no SNC.

Invasão do sistema nervoso central (SNC)

  • O prognóstico permanece desfavorável para esses pacientes, com muito poucos sobreviventes relatados, mesmo entre os pacientes tratados com terapia multimodal agressiva, incluindo quimioterapia intensiva, quimioterapia intratecal e irradiação cefalorraquidiana.[94][95]

  • Infelizmente, a pouca idade da maioria desses pacientes torna o uso de radiação cefalorraquidiana extremamente tóxica ao desenvolvimento normal, e o atraso grave no desenvolvimento e o comprometimento intelectual são sequelas frequentes. Os esquemas quimioterápicos de alta dose, como carboplatina, etoposídeo e ciclofosfamida, não melhoraram o prognóstico para esses pacientes.[96]

  • A proteção do SNC com terapia intratecal na doença avançada tem algum fundamento.[97][98]

Invasão da medula óssea, dos ossos e do tecido mole

  • As estratégias publicadas mais bem-sucedidas para pacientes com doença metastática nos locais que não sejam o SNC envolvem quimioterapia de alta dose com resgate das células-tronco, com ou sem radiação.

  • Na ausência de progressão para o SNC, a radioterapia é evitada ou protelada o máximo possível. Foram publicados muitos relatórios que demonstram essa abordagem.[96][99][100][101][102] Os agentes usados incluem vincristina, doxorrubicina, ciclofosfamida, etoposídeo, tiotepa e cisplatina ou carboplatina.

Recidiva: terapia de pós-salvamento do globo ocular

Se um paciente desenvolver um tumor focal, não macular e circunscrito, sem acometimento vítreo associado após o tratamento com outras modalidades, é possível usar braquiterapia para tratar a lesão.

Embora não seja muito usada para essa doença, a braquiterapia com iodo ou rutênio pode ser ocasionalmente útil para esses tumores específicos. O iodo-125 é atualmente o isótopo mais usado na braquiterapia para retinoblastoma. A principal vantagem desse isótopo é que as sementes radioativas podem ser colocadas em uma placa personalizada, desenvolvida de acordo com o tamanho da lesão.

Vem sendo relatada uma taxa de recorrência de 12% do tumor em 1 ano pós-tratamento quando são usadas placas como tratamento primário para o retinoblastoma.[103] As placas radioativas também podem produzir efeitos favoráveis quando usadas como terapia de resgate de olhos que não responderam a outros métodos de tratamento.[103][104] A quimioterapia intravítrea (por exemplo, melfalana) pode ser usada para controlar o acometimento vítreo após uma recorrência.​[71]​​[72][73][74][75][76]

Recidiva: pós-enucleação

Se houver recorrência na órbita pós-enucleação, a terapia de primeira linha será com radiação por feixe externo. Dependendo da extensão da recorrência orbital, alguns pacientes podem também receber um ciclo de quimioterapia sistêmica.

Retinoblastoma trilateral

Significa retinoblastomas bilaterais e um tumor neuroectodérmico primitivo (PNET) concomitante na glândula pineal ou pinealoma.[14]​ Os pacientes têm o retinoblastoma tratado de acordo com os princípios expostos anteriormente. Além disso, o pinealoma é tratado com excisão cirúrgica seguida de radioterapia. Essa abordagem pode ser complementada com um procedimento cirúrgico secundário e uma reexcisão.

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