Abordagem

Em muitos casos, uma história completa e um exame clínico são suficientes para diagnosticar e tratar o problema. Entretanto, podem ser necessárias investigações adicionais para excluir ou confirmar as etiologias subjacentes. A disfunção gustativa isolada é rara. A função olfatória tem um papel significativo no "sabor", de modo que, se houver perda ou distúrbio olfatório concomitante, sua causa subjacente deve ser determinada.

História

É importante determinar se os pacientes são capazes de distinguir os sabores salgado, azedo, doce, amargo e umami, e se o distúrbio é quantitativo (hipogeusia ou ageusia) ou qualitativo (parageusia ou fantogeusia). A disgeusia inclui queixas como gosto metálico ou gosto permanente de amargo, azedo, salgado ou, menos comumente, doce. Essas sensações podem ser desencadeadas ou aliviadas pela alimentação.

É importante verificar se o distúrbio do paladar relatado teve início agudo ou natureza gradual. A perda de paladar aguda pode decorrer de causas iatrogênicas ou tóxicas, enquanto uma história mais insidiosa pode sugerir um processo neurológico ou neoplásico subjacente. Qualquer perda da função olfatória concomitante também deve ser verificada.

Uma história médica completa, incluindo medicamentos, quando eles começaram a ser usados, e como isso se relaciona com o início do distúrbio do paladar, é essencial. Muitas medicações comuns podem induzir disgeusia direta ou indiretamente, por meio de alterações qualitativas e/ou quantitativas da saliva e por secreção direta na saliva ou fluido nas fendas gengivais.[18]​​ Os inibidores da ECA e os antibióticos são comumente implicados.[1][56]​ Enxaguantes bucais (por exemplo, gluconato de clorexidina) podem alterar a sensação do paladar ao interferir com as membranas celulares.[64]

A avaliação de condições médicas existentes (por exemplo, endocrinopatia ou doença neurológica) pode permitir que a disfunção de sabor seja posta em contexto. É necessário colher história de qualquer evento precipitante, como trauma, procedimento médico, medicação ou terapia para câncer (radioterapia de cabeça e pescoço regional, quimioterapia sistêmica ou agentes direcionados) recentes.

Exame físico

Recomenda-se um exame físico completo da cavidade oral e da nasofaringe, com particular atenção aos sinais de cirurgia prévia (por exemplo, ausência de sisos ou amígdalas). Evidências de inflamação de lesões da mucosa oral/gengival/periodontal podem sugerir deficiência nutricional ou processo inflamatório.

A quantidade de fluxo salivar oral é importante, pois a hipossalivação secundária a medicamentos (comum), síndrome de Sjögren ou terapias pregressas de câncer (inclusive radioterapia) podem impactar na produção de saliva. Os sinais de hipossalivação incluem mucosa inflamada, presença de filamentos de muco ou saliva espumosa e cáries ou perdas dentárias.

Os ouvidos devem ser examinados em busca de evidências de otite serosa (otite média aguda e crônica) ou cirurgia prévia. Os olhos devem ser examinados em busca de evidências de ressecamento (ou ceratoconjuntivite seca), que podem sugerir síndrome de Sjögren, embora a nodularidade destas glândulas possa sugerir neoplasia. O pescoço deve ser avaliado em busca de qualquer evidência de cirurgia prévia no pescoço ou aumento da tireoide. O aumento das glândulas parótidas e/ou submandibulares pode sugerir síndrome de Sjögren. Dependendo da história clínica, é indicado um exame neurológico que inclua avaliação da função cognitiva. Ele deve incluir uma avaliação cuidadosa da função do nervo craniano. Devem-se realizar um exame do sistema respiratório e a avaliação dos sinais vitais se houver suspeita de doença por coronavírus 2019 (COVID-19).

Teste quimiossensorial gustativo

É difícil para os pacientes avaliarem distúrbios do paladar de forma objetiva. Teste de gustometria química ou eletrogustometria dos dois terços anteriores e posteriores da língua deve ser realizado.[1]

A gustometria química pode ser aplicada em gotas na língua, por enxágues orais ou por novas tecnologias baseadas em tiras gustativas de dissolução rápida:[65][66]

  • Soluções em concentrações crescentes são geralmente aplicadas à superfície da língua (com um conta-gotas ou uma tira gustativa) com os sabores fundamentais: ácido cítrico (azedo), glicose (doce), cloreto de sódio (salgado), quinina (amargo) e umami.

  • Os resultados são registrados como qualquer diminuição da sensação gustativa na área da língua testada.

Eletrogustometria

  • Um estímulo eletrônico anódico com corrente contínua provoca a hidrólise da saliva, estimulando os quimiorreceptores gustativos e proporcionando um gosto azedo, algumas vezes metálico, reconhecido pelo paciente.

  • Os resultados são registrados como limiares não detectáveis ou elevados na área da língua testada.

Teste olfatório

Na maioria dos pacientes com distúrbios do paladar, a função olfatória deve ser avaliada.[11]

Como regra geral, deve-se realizar o teste em vez de somente perguntar ao paciente sobre seu desempenho olfatório. Há diversos métodos para testes olfatórios validados, todos baseados em princípios similares.[67]​​ Os odores são apresentados ao paciente, o qual deve identificar o odor inalado, escolhendo entre 4 alternativas. De acordo com o número de odores corretamente identificados, o paciente pode ser categorizado como normósmico, hipósmico ou anósmico.

O teste de limiar proporciona melhores resultados no que diz respeito à detecção de diminuições sutis na função olfatória.[68]

Investigações laboratoriais

Exames laboratoriais podem ser considerados se:

  • Sugeridos pela história médica (embora a condição subjacente possa ter sido estabelecida durante exames clínicos prévios).

  • Não houver nenhuma etiologia alternativa aparente para a disfunção gustativa.

Os exames podem incluir:

  • Hemograma completo e esfregaço de sangue periférico, ferritina sérica, vitamina B12 e folato para descartar uma anemia subjacente.

  • Zinco sérico.

  • Glicose sérica matinal em jejum, ou teste oral de tolerância à glicose para excluir diabetes mellitus.

  • Hormônio estimulante da tireoide e tiroxina livre para excluir hipotireoidismo.

  • Testes da função renal (ureia, creatinina e eletrólitos séricos) e hepática para excluir insuficiência renal/hepática.

  • Teste para a presença de anticorpos anti-RO/SSA e/ou anti-La/SSB, se houver suspeita de síndrome de Sjögren.

  • O teste de anticorpos contra o receptor da acetilcolina pode ser indicado em caso de miastenia gravis.

  • Sialometria e sialoquímica (análise da saliva) para definir o microambiente dos botões gustativos.[17]

  • Reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa em tempo real, em caso de suspeita de COVID-19. Os testes diagnósticos devem ser realizados de acordo com as orientações emitidas pelas autoridades de saúde locais e deve estar em conformidade com as práticas de biossegurança correspondentes.

Exames de imagem

Exame de imagem neurológico

Se a história e o exame clínico sugerirem qualquer patologia intracraniana significativa não identificada, poderá ser indicada a realização de tomografia computadorizada (TC) ou ressonância nuclear magnética (RNM). No Reino Unido, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) recomenda considerar a neuroimagem para adultos com perda inexplicável de paladar ou olfato com duração superior a 3 meses.[69]

A TC do crânio pode mostrar fratura craniana, sangramentos intracranianos ou hematoma subdural, além de áreas de isquemia. Na doença de Alzheimer, as imagens podem mostrar perda de volume hipocampal, atrofia do lobo temporal medial e atrofia cortical posterior. Na esclerose múltipla, a desmielinização perpendicular aos ventrículos laterais e ao corpo caloso pode ser evidente. Tumores intracranianos podem ser observados como uma área de hipodensidade ou hiperdensidade na tomografia computadorizada (TC) do crânio, e a ressonância nuclear magnética (RNM) pode ajudar a identificar um neuroma acústico ou meningioma. A TC do crânio pode descartar tumor do glomo ou outras anormalidades no processo mastoide (por exemplo, colesteatoma). Tumores da glândula salivar que causam hipossalivação também podem ser detectados em estudos radiográficos do crânio.[70]

Outros exames de imagem

raramente, uma malignidade subjacente pode se manifestar como uma síndrome paraneoplásica na qual a disgeusia é uma característica.

Mais comumente, o câncer pulmonar de pequenas células ou o timoma são a neoplasia subjacente.[57] Portanto, uma TC do tórax pode ser útil na identificação de qualquer malignidade pulmonar.

Uma radiografia de tórax deve ser considerada em casos suspeitos de COVID-19.

Investigações especializadas

Podem ser adjuvantes úteis para investigar condições neurológicas.

No eletroencefalograma (EEG), um ritmo de base lento é um achado frequente na doença de Alzheimer, e anormalidades no ritmo elétrico no lobo temporal podem ser observadas na epilepsia. Se houver suspeita de esclerose lateral amiotrófica, a eletromiografia poderá exibir evidências de denervação difusa, contínua e crônica.

Na miastenia gravis, um teste do edrofônio pode mostrar enfraquecimento progressivo com estímulo muscular repetitivo. Na síndrome de Guillain-Barré (SGB), estudos da condução nervosa geralmente exibem evidências de desmielinização e, menos comumente, evidências de perda axônica significativa.

Em determinados pacientes, pode-se indicar uma punção lombar com exame de líquido cefalorraquidiano (LCR). Na suspeita de SGB, um LCR acelular com proteína aumentada e glicose normal auxiliarão na exclusão de outros diagnósticos. Na esclerose múltipla, bandas oligoclonais podem estar presentes.

Em pacientes com paralisia de Bell, o teste do reflexo estapediano geralmente indica ausência de reflexo ao longo do membro eferente do arco reflexo; a eletromiografia pode exibir potencial de ação muscular composto reduzido. Na síndrome de Ramsay Hunt, a demonstração do vírus do herpes-zóster por reação em cadeia da polimerase ou o teste de Tzanck no fluido vesicular poderão ser usados quando o diagnóstico clínico for incerto. A audiometria também pode ser apropriada em pacientes com paralisia de Bell, síndrome de Ramsay Hunt ou infecção da orelha média.

As investigações adicionais para a síndrome de Sjögren podem incluir o teste de Schirmer (que pode mostrar redução da produção lacrimal), a oftalmoscopia com lâmpada de fenda, em que a presença de uma ceratopatia ponteada pode indicar ceratoconjuntivite seca, e a medição do volume de saliva (que pode indicar produção reduzida de saliva). A biópsia da glândula labial salivar é um importante teste adjuvante em caso de suspeita de síndrome de Sjögren; um infiltrado linfocítico focal dentro de uma glândula respalda o diagnóstico.

tentativa terapêutica

Devem ser consideradas tentativas terapêuticas se houver fatores de risco subjacentes, como xerostomia ou deficiência nutricional. Quando a hipossalivação estiver presente (por exemplo, com medicamentos específicos e na síndrome de Sjögren), uma tentativa terapêutica com um sialagogo pode proporcionar melhora clínica. Uma tentativa com suplementação de zinco pode ser benéfica e deverá ser considerada nos pacientes com história de perda gustativa de início gradual, se não houver características clínicas que sugiram outra causa. Os medicamentos que podem aumentar o paladar incluem o megestrol e os canabinoides.[71]

O tratamento inclui aconselhamento alimentar com orientação em escolhas de alimentos, preparação de comida e condimentação (aumentar a picância, se tolerado; aumentar alimentos umami e saborização umami) e evitar alimentos desagradáveis ao paladar.[72]

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