Etiologia

Há várias causas para os distúrbios do paladar que, embora comuns, ainda não são bem compreendidas pela comunidade médica. A maioria dos pacientes submete-se a inúmeras consultas, geralmente com pouquíssimo esclarecimento sobre a condição. Essa falta de conhecimento pode ter um impacto adverso sobre a qualidade de vida do paciente. Além disso, os distúrbios do paladar, e, especialmente, o paladar distorcido, podem ser um sintoma precoce de uma afecção significativa ou que ofereça risco à vida (por exemplo, esclerose lateral amiotrófica [ELA], esclerose múltipla, câncer de pulmão, miastenia gravis (com timoma) ou doença do coronavírus 2019 [COVID-19]).[1][11][13]​​​​​​[34][35][36]

Pós-infecciosa

Infecções do trato respiratório superior: classicamente, causam disfunção olfatória, mas a função gustativa também pode ser comprometida. Esses distúrbios do paladar geralmente são transitórios e reversíveis.

A COVID-19 é uma infecção respiratória aguda potencialmente grave causada pela síndrome respiratória aguda grave por coronavírus 2 (SARS-CoV-2). Uma revisão sistemática relatou prevalência total de 44% para disfunção gustativa entre pacientes com COVID-19.[37] Em uma pesquisa, 89% dos pacientes com doença leve apresentaram resolução completa ou melhora da alteração do paladar ou olfato após 4 semanas.[38] Com o desenvolvimento de novas variantes da COVID-19, a prevalência desses sintomas está sujeita a mudanças.[39] A maioria dos casos remite relativamente rapidamente; no entanto, aproximadamente 5% dos pacientes podem apresentar sintomas prolongados.[13][25]

Inflamação e infecções crônicas da orelha média: episódios crônicos ou repetidos de infecção da orelha média ou de otite média podem afetar as fibras gustativas aferentes da corda do tímpano.[40][41]

Iatrogênica/pós-cirúrgica

A função gustativa alterada pode surgir secundariamente a procedimentos cirúrgicos. As vias aferentes envolvidas dependem da natureza do procedimento. Distúrbios cirúrgicos do paladar estão entre os mais frequentemente encontrados em clínicas ambulatoriais especializadas em olfato e paladar. Os procedimentos que podem complicar distorções de paladar ou ageusia pós-cirúrgicos incluem:

  • Cirurgia odontológica: procedimentos que envolvam os dentes mandibulares associados à proximidade do nervo lingual são potencialmente ameaçadores às vias gustativas. Classicamente o dano prolongado ao nervo lingual após a aplicação de anestesia no nervo alveolar (dentário) inferior e a extração do dente do siso são as intervenções com maior probabilidade de produzir distúrbios no paladar.​[41]

  • Tonsilectomia: aproximadamente 35% dos pacientes relatam distúrbios do paladar transitórios logo depois da tonsilectomia. A maioria remite em até 2 anos após a cirurgia; raramente esses distúrbios do paladar tornam-se permanentes.[42][43][44] O processo subjacente é provavelmente o dano no ramo lingual do nervo glossofaríngeo, que contém fibras gustativas da parte posterior da língua.[41]

  • Cirurgia da orelha média: geralmente altera a função do paladar.[41]​ O dano é ipsilateral ao lado operado e geralmente não é percebido pelo paciente. O processo subjacente é provavelmente o dano ao nervo corda do tímpano, o qual contém as fibras gustativas dos dois terços anteriores da língua. O nervo corda do tímpano percorre a porção desprotegida da cavidade da orelha média em íntima relação com os ossículos e o tímpano.

  • Endoscopia das vias aéreas superiores: qualquer endoscopia rígida (por exemplo, microlaringoscopia) das vias aéreas superiores comprime a base da língua. Essa compressão resulta em um distúrbio transitório do paladar em cerca de 10% dos pacientes.[45]

  • Cirurgia maxilofacial e craniana: o corte direto da língua, do palato ou de outras estruturas (por exemplo, durante cirurgia de câncer ou um procedimento velofaríngeo) pode estar associado à disfunção do paladar.[1]​ Cirurgias na base do crânio (por exemplo, para um tumor ou aneurisma) também podem resultar em perturbação do paladar.​[41]

A maioria dos distúrbios do paladar pós-cirúrgicos é unilateral após um procedimento cirúrgico unilateral. Em geral, são transitórios. Normalmente, as queixas qualitativas (por exemplo, distorções de paladar, gosto metálico) são percebidas com maior frequência e, geralmente, têm maior probabilidade de levar a uma consulta que os distúrbios quantitativos (perda do paladar). Os distúrbios do paladar raramente são notados pelos pacientes após procedimentos cirúrgicos otológicos, mesmo se houver lesão associada bem reconhecida do nervo corda do tímpano.

Neurológica

Os distúrbios do paladar podem acompanhar doenças neurológicas clássicas, como acidente vascular cerebral (AVC) ou lesões periféricas. Raramente, o paladar anormal (especialmente, o paladar distorcido) pode ser um sintoma precoce de uma afecção significativa ou que ofereça risco de vida, como a esclerose lateral amiotrófica (ELA), esclerose múltipla ou miastenia gravis.[11][36]​​​[34] Nesses casos, os distúrbios do paladar geralmente estão associados a outros sintomas mais incômodos, como disfasia, disfonia ou disartria. Causas bem reconhecidas incluem:

  • Paralisia de Bell e síndrome de Ramsay Hunt: infecção ativa do gânglio geniculado do nervo facial (VII) pelo vírus da varicela-zóster. Os distúrbios do paladar estão associados a paralisia do nervo facial em aproximadamente um terço dos casos.[46] A recuperação frequentemente ocorre após a resolução da paralisia.

  • Acidente vascular cerebral (AVC): toda lesão por AVC que envolve partes da via gustativa central pode produzir distúrbios do paladar. Frequentemente, o distúrbio do paladar passa despercebido ou é menos importante em vista de outras sequelas do AVC. Entretanto, a investigação sistemática de pacientes que sofreram AVC revelou que até 20% dos pacientes apresentam função gustativa alterada. A disfunção pode se manifestar como ageusia ipsilateral ou bilateral.[22][47]

  • Trauma cranioencefálico: embora a função olfatória seja alterada de forma mais comum após um trauma craniano, a disfunção gustativa também ocorre.[11]​ Poucos estudos investigaram distúrbios pós-traumáticos do paladar, embora pareça que a incidência aumente com a gravidade da lesão.​[46]

  • Doenças neurodegenerativas (por exemplo, doença de Parkinson, demência de Alzheimer, ELA, esclerose múltipla): a maioria das doenças neurodegenerativas está associada a distúrbios olfativos, e relatos de casos sugerem que essas doenças também podem afetar o paladar.​​[46][11]​​ Existem casos que relatam disgeusia como um dos primeiros sintomas de doença de Parkinson e da ELA.[34][48]​ Os distúrbios do paladar na esclerose múltipla estão claramente relacionados ao local das placas (por exemplo, no tronco encefálico ou na ínsula). Muitos pacientes com demência desconhecem seu deficit gustativo.​[46]

  • Epilepsia: auras (disgeusia) gustativas (e olfatórias) podem se manifestar como resultado da atividade convulsiva.[46]

  • Miastenia gravis: há relatos de disgeusia como primeiro sintoma da miastenia gravis devida a timoma.[36]

  • Síndrome de Guillain-Barré: há poucos relatos de disgeusia nesses pacientes.[46]

Metabólica ou sistêmica

Muito pouco se conhece sobre a influência das doenças sistêmicas e metabólicas na função do paladar. As doenças sistêmicas (incluindo alguns relatos de caso isolados documentados) associadas ao distúrbio do paladar incluem:

  • Doença das glândulas salivares mediada por inflamação, como a síndrome de Sjögren (primária ou secundária).[1]​​​

  • Insuficiência renal: vários estudos mostraram que a função gustativa é influenciada de forma quantitativa e qualitativa pela insuficiência renal e pela diálise.[49][50]​​[51]​​ Entretanto, a perda do paladar geralmente não é percebida.

  • Insuficiência hepática: a hepatite e a insuficiência hepática podem causar distúrbios do paladar.​[52]

  • Diabetes mellitus: distúrbios do paladar foram relatados no diabetes.[1][11]

  • Disfunção tireoidiana: doença tireoidiana e tratamentos para a tireoide (terapia com iodo radioativo, medicamentos antitireoidianos) foram associados a distúrbios do paladar.[11][53]

  • Síndrome da boca ardente: essa afecção é uma combinação de parestesia lingual bilateral e dor oral, algumas vezes com disgeusia ou outra disfunção gustativa. A fisiopatologia dessa afecção não é clara, mas as alterações neuropáticas dentro da mucosa oral podem estar envolvidas.[1]​ Sua prevalência é mais alta em mulheres na perimenopausa e no pós-menopausa e pode ser mais comum em "superdegustadores" (pessoas com habilidades acentuadas para a detecção de sabores).

  • O envelhecimento também está associado com diminuição do paladar.[24][23]

Induzida por toxinas ou medicamentos

O desaparecimento transitório da função gustativa é um dos principais efeitos adversos da radioterapia oncológica.[27]

A radioterapia no crânio e pescoço pode afetar diretamente os receptores do paladar e produzir alterações irreversíveis na função das glândulas salivares, resultando em xerostomia, que afeta de modo significativo o paladar.

A quimioterapia sistêmica pode causar alteração gustativa, a qual geralmente é revertida com a interrupção do tratamento e pode estar relacionada a toxicidade direta e secreção de medicamento na saliva.[28][30]​​​​​[32]​​​​​​ No entanto, a disgeusia nesses pacientes pode persistir indefinidamente.[33][54]​​ Ficou comprovado que alterações no paladar dos pacientes com câncer têm impacto sobre o peso e a qualidade de vida do paciente.[55]

Quase todos os medicamentos ou fármacos são potencialmente capazes de provocar distúrbios do paladar.[56]​ Consequentemente, há inúmeros relatos de caso sobre medicamentos que causam distúrbios do paladar. Os distúrbios do paladar induzidos por medicamentos ou fármacos parecem ser reversíveis após a descontinuação do medicamento.[11]​ Os medicamentos comumente implicados incluem inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) (por exemplo, metronidazol) e antifúngicos (particularmente a terbinafina).[1]

Neoplásica

Tumores do ângulo pontocerebelar: tipicamente, esses tumores afetam a audição e o equilíbrio. Entretanto, a função do nervo facial e do paladar pode ser prejudicada se o tumor impingir a parte do nervo intermédio do VII nervo craniano.[46]

Paraneoplásica: há vários relatos de disgeusia para doce como sintoma inicial de câncer pulmonar de células pequenas e de timoma; em alguns casos, o distúrbio do paladar foi associado a hiponatremia.[1][36][57]

Deficiências nutricionais

Pouco se sabe sobre a base dos distúrbios do paladar decorrentes de deficiências nutricionais. Todavia, algumas deficiências foram associadas à disfunção do paladar. Elas incluem:

  • Deficiência de ferro: a deficiência crônica de ferro pode ser acompanhada pela síndrome da boca ardente e por sintomas gustativos anormais.[58]

  • Deficiência de vitamina B12: menos comumente, o paladar anormal pode acompanhar a glossite.

  • Deficiência de zinco: pode causar distúrbios do paladar quantitativos ou qualitativos, como redução do paladar, perda do paladar ou disgeusia.[59] Suplementos de zinco podem ser usados para melhorar a acuidade do paladar em pacientes com deficiência de zinco/distúrbios idiopáticos do paladar; no entanto, as evidências para apoiar o seu uso são conflitantes.[1][59][60]​​ Uma tentativa com suplementação de zinco pode ser benéfica e deverá ser considerada nos pacientes com história de perda gustativa de início gradual, se não houver características clínicas que sugiram outra causa.

Doença periodontal

Doenças periodontais, como fístulas com drenagem, abscessos dentários, gengivite necrosante, celulites e infecção oromucosa por espécies de Candida podem causar alteração no paladar.[61] De maneira similar, a disgeusia localizada pode ser resultado de reações alérgicas locais a materiais de restauração dentária.[13] Um exame oral minucioso é sempre recomendado.

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