Abordagem

O roteiro de 2021-2030 para doenças tropicais negligenciadas, aprovado pela Assembleia Mundial da Saúde em 2020, definiu 2030 como meta de data para a eliminação do tracoma.[1][21]

A abordagem de saúde pública recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para prevenir e tratar o tracoma é chamada de estratégia SAFE.[22]​ Esta sigla significa:

  • S - cirurgia de triquíase

  • A - antibióticos para infecção ativa

  • F - limpeza facial

  • E - melhorias ambientais

Intervenções personalizadas para a epidemiologia local podem ser benéficas em áreas onde ainda há doença persistente.[1][23][24]

O tracoma ocorre quase exclusivamente em países com poucos recursos; por isso, programas de tratamento (por exemplo, a estratégia SAFE) foram desenvolvidos para este contexto. No entanto, os médicos em países ricos em recursos podem encontrar pessoas que habitaram, emigraram de ou visitaram uma região endêmica para tracoma, precisando de tratamento para esta condição. A abordagem ao tratamento nesses dois contextos é diferente.

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Área endêmica com poucos recursos: recomendações para tratamento em massa com antibióticos

Quando há suspeita de tracoma, isso deve resultar em uma avaliação sobre a prevalência do tracoma em toda a comunidade. A decisão quanto ao tratamento dependerá dos resultados desta pesquisa. O tratamento individual isolado é inútil; por conta da fácil transmissão do tracoma, um indivíduo será rapidamente reinfectado. Portanto, uma intervenção em toda a comunidade é a melhor abordagem para tratar o tracoma endêmico em uma comunidade.[40]

Caso a prevalência de tracoma ativo seja maior que 10% em crianças de 1 a 9 anos, a OMS recomenda o tratamento de todos os membros da comunidade com mais de 6 meses de idade, com distribuição em massa de antibióticos anualmente, por 3 anos no total.[36]​ Essa abordagem tem o suporte de ensaios clínicos randomizados e controlados.[41][42]​​​ Lactentes com idade entre 1 a 6 meses são uma importante reserva de infecção, e existe uma opinião crescente de que eles devem ser incluídos em todos os programas de tratamento em massa.[43][44]​​ A distribuição de antibióticos deve ser realizada em conjunto com uma variedade de medidas de saúde pública.[45]

As recomendações da OMS quanto aos critérios para tratar uma comunidade são ideais, mas a abordagem real a ser seguida deve ser decidida de acordo com cada comunidade. Se os indivíduos afetados estiverem confinados a diversas famílias grandes em uma comunidade pequena, talvez seja possível visar essas famílias grandes.

Tratamento de crianças sem tratar as residências

Um ensaio randomizado por cluster relatou que o tratamento a cada 3 meses de crianças de 1 a 9 anos de idade, por um ano, não só reduziu drasticamente a prevalência da infecção no grupo-alvo (de 48.4% para 3.6%) como resultou na redução da prevalência da infecção em outros adultos não tratados (de 15.5% para 8.2%).[46]​ Um estudo subsequente concluiu que o tratamento bianual de crianças (6 meses a 12 anos) não foi inferior ao tratamento anual de toda a comunidade.[47]​ Crianças <6 meses de idade receberam pomada tópica de tetraciclina.

Existem vários esquemas de antibioticoterapia:

  • Uma dose única de azitromicina oral

  • Pomada ocular com tetraciclina duas vezes ao dia por 6 semanas

  • Um ciclo de 2 semanas de eritromicina.

A azitromicina é, pelo menos, tão eficaz quanto a pomada ocular com tetraciclina duas vezes ao dia por 6 semanas na resolução do tracoma ativo, e a dose única apresenta um benefício de observância evidente, fazendo desta a primeira escolha para tratamento se disponível.​​​[48]​​ A azitromicina tem um perfil favorável de efeitos adversos, e não foi documentada resistência à clamídia, o que a torna adequada para distribuição em massa.[49][50]​​ Foi relatado um aumento na resistência a macrolídeo na Streptococcus pneumoniae imediatamente após o tratamento.[50]​ A resistência parece se dissipar com o tempo, mas o monitoramento da resistência em organismos não alvo é necessário durante programas de distribuição de azitromicina em massa.

Dados observacionais sugerem que as infecções de pele e de tecidos moles, doença respiratória aguda, doença diarreica e doença reumática cardíaca podem ser incidentalmente tratadas durante a administração de azitromicina em massa, reduzindo a mortalidade infantil.[51][52]​ O mecanismo continua não sendo claro.

Estratégia de distribuição ideal

Ainda há perguntas importantes sem resposta a respeito da estratégia ideal de distribuição (tratamento em massa versus tratamento direcionado) e da calendarização do tratamento.​[46][47]​ Dada a recrudescência quase universal da infecção um ano após uma única dose de azitromicina, o tratamento a cada 6 meses ou mesmo 3 meses pode ser adequado. No entanto, o tratamento a cada 6 meses não demonstra benefício prolongado em comparação com o tratamento anual.[53]​ São necessárias pesquisas adicionais para elucidar a calendarização ideal de tratamento e o grupo-alvo exato.

Estão disponíveis orientações sobre as práticas preferíveis de AMM para tracoma.[54]

Área endêmica com poucos recursos: medidas de saúde pública

As evidências para dar suporte à eficácia das intervenções direcionadas à limpeza facial e às melhoras ambientes são limitadas.[55] A limpeza facial, em conjunto com o tratamento antibiótico em massa, pode ser eficaz para reduzir o tracoma ativo grave.[55]​​ [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​​ A limpeza com sabão pode remover a secreção ocular com mais eficácia do que lavar com água apenas.[56]​ Não existem evidências conclusivas para dar suporte à limpeza facial isolada.[55]​ Um ensaio randomizado por cluster não relatou redução na prevalência de clamídia ocular entre os grupos de intervenção e de controle 36 meses após a implementação de limpeza facial associada a um programa de melhora ambiental.[29]​ O ensaio está em andamento.

O acesso a água limpa, latrinas adequadas e descarte de resíduos, bem como tentativas de minimizar a quantidade de moscas, são fatores potencialmente importantes para o controle do tracoma.[9][18][19]​​ No entanto, se aplicadas de maneira isolada (por exemplo, na ausência de uma campanha educativa ou concomitante com a antibioticoterapia), é improvável que essas medidas sejam eficazes.[29][57][58]

A OMS, como parte do seu roteiro para o controle de doenças tropicais negligenciadas até 2030, recomendou que as pesquisas futuras foquem em identificar intervenções críticas de limpeza facial e melhora ambiental para reduzir a transmissão de tracoma.[21]

Área endêmica com poucos recursos: manejo da triquíase tracomatosa

Adultos com triquíase devem ser encaminhados imediatamente para considerar uma cirurgia corretiva da pálpebra para prevenir a perda da visão.

A triquíase em si é uma causa de deficiência significativa e de redução da qualidade de vida.[59][60] No entanto, é a opacidade corneana que se desenvolve em 33% dos indivíduos com triquíase não tratada ao longo de 1 ano que causa cegueira.[61]

Em um ambiente com poucos recursos, uma intervenção cirúrgica pode ser realizada por enfermeiros treinados no procedimento adequado (onde permitido). A rotação tarsal lamelar posterior é o procedimento de preferência e é recomendada pela OMS.[62][63]​​

A cirurgia para triquíase é segura para ser realizada no nível da aldeia para minimizar o custo para o paciente e a logística relacionada para um programa. Foram relatadas taxas de recorrência muito altas, mas taxas mais baixas (≤10%) podem ser alcançadas com procedimento cirúrgico meticuloso.[64][65]​ Azitromicina adjuvante administrada no momento da cirurgia pode ajudar a diminuir a recorrência pós-operatória em áreas com altos níveis de infecção.[66][67]​ A cirurgia de rotação do tarso lamelar posterior está associada a taxas consideravelmente mais baixas de recorrência que a cirurgia de rotação tarsal bilamelar.[63]

Como a cirurgia corrige apenas a arquitetura da pálpebra (mas não altera o processo patológico, que pode continuar), algum grau de recorrência é provavelmente inevitável em decorrência da história natural de triquíase tracomatosa e da cicatrização contínua do tecido. Taxas baixas de adesão à cirurgia podem ser melhoradas ao abordar atitudes negativas em relação ao tratamento cirúrgico, fornecer serviços cirúrgicos em clínicas de saúde existentes e promover o tema na comunidade.[68][69]

Epilação (remoção dos cílios) pode estar associada à proteção contra opacidade corneana nos olhos com entrópio moderado ou grave, mas geralmente não é recomendada. A epilação não proporciona alívio de longo prazo, e cílios partidos podem arranhar e danificar a córnea.[70] Pode ser um tratamento útil para pacientes que sofrem de triquíase pequena e que recusam cirurgia, são de difícil acesso ou aguardam cirurgia.[71][72]

Área não endêmica rica em recursos: infecção aguda de indivíduo ou membro da família

O tracoma ocorre quase exclusivamente em países com poucos recursos. No entanto, os médicos em países ricos em recursos podem encontrar pessoas que habitaram, emigraram de ou visitaram uma região endêmica para tracoma, precisando de tratamento para esta condição.

Nessa situação, a azitromicina é administrada ao paciente e à família, e eles são acompanhados em intervalos de 6 meses. A repetição do tratamento pode ser realizada se necessário.

Área não endêmica rica em recursos: manejo da triquíase tracomatosa

Em um ambiente rico em recursos, a cirurgia deve ser realizada por um cirurgião oculoplástico experiente. Uma variedade de técnicas diferentes está disponível, e a cirurgia será adaptada à situação individual para considerar o quadro clínico completo.

A decisão quanto à administração ou não de antibióticos perioperatórios e sobre qual antibiótico usar varia entre os cirurgiões.

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