Abordagem
A identificação de uma proteína monoclonal no soro ou urina exige um ou mais exames laboratoriais. Sua presença é frequentemente desacompanhada de quaisquer sintomas. A detecção de uma proteína monoclonal tipicamente ocorre:
No contexto de avaliação de rotina onde um nível de proteínas totais elevado ou velocidade de hemossedimentação elevada conduz a exames específicos adicionais
Na presença de uma série de sintomas e sinais sugestivos de uma doença associada a proteína monoclonal, como o mieloma, onde uma investigação específica é realizada para a proteína monoclonal.
A gamopatia monoclonal de significado indeterminado (MGUS) é a gamopatia monoclonal mais comum. É um distúrbio pré-maligno assintomático associado a baixo risco relativo (em média 1% ao ano) de progressão para mieloma múltiplo ou malignidades linfoproliferativas relacionadas. No entanto, há outras doenças em que uma proteína monoclonal pode ser detectada no soro e/ou na urina. Elas incluem:
Doenças linfoproliferativas nas quais as células clonais de linhagem B secretam uma proteína monoclonal (leucemia linfocítica crônica, linfoma não Hodgkin, gamopatias monoclonais pós-transplante)[26]
Doenças associadas a ou predisponentes de uma maior prevalência de gamopatia monoclonal (infecção por vírus da hepatite C, infecção pelo vírus da imunodeficiência humana [HIV])
Doenças infecciosas ou inflamatórias associadas a um desenvolvimento transiente de vários clones de populações reativas de células B/plasmócitos (lúpus eritematoso sistêmico [LES], artrite reumatoide, artrite psoriática, síndrome de Sjögren, síndrome de Schnitzler).
O mieloma múltiplo indolente é uma entidade clínica que representa o estágio transicional entre MGUS e mieloma múltiplo ativo ou sintomático. Embora não seja uma entidade biológica distinta, seu reconhecimento é essencial para determinar o acompanhamento ideal desses pacientes. Os pacientes com mieloma múltiplo indolente são definidos pela presença de uma carga mais elevada de plasmócitos (pico M >3 g/dL ou medula com 10% a 60% de plasmócitos), mas sem nenhuma característica condizente com doença ativa (CRAB: hipercalcemia, insuficiência renal, anemia e lesões ósseas).[57] Além disso, os critérios para o diagnóstico de mieloma que requer terapia foram redefinidos para incluir os pacientes com razão de cadeias leves livres no soro ≥100, conteúdo de plasmócito na medula óssea ≥60% e com mais de uma lesão na ressonância nuclear magnética (RNM).[58] Biologicamente, o mieloma múltiplo indolente consiste em uma mistura de pacientes com biologia semelhante à da MGUS e pacientes submetidos à transformação do mieloma em nível molecular, mas que não desenvolveram manifestações da doença ativa. O acompanhamento desses pacientes em longo prazo indica um risco substancial de progressão para mieloma (10% ao ano) nos primeiros 5 anos, que, depois, diminui até certo ponto e se aproxima ao da MGUS após 10 anos. Portanto, os pacientes com mieloma indolente devem ser observados rigorosamente quando ao desenvolvimento de quaisquer eventos que definam o mieloma.[59]
MGUS de cadeia leve é uma entidade clínica descrita como lesão pré-maligna de mieloma múltiplo de cadeia leve correspondendo a MGUS.[60] Pacientes com MGUS de cadeia leve demonstraram ter uma razão de progressão mais baixa (0.3% ao ano) que os pacientes com MGUS convencional (1% ao ano).[60]
Manifestações clínicas
A maioria dos pacientes é assintomática. Pacientes com doenças associadas a proteínas monoclonais, como mieloma sintomático ou amiloidose, podem se apresentar com os seguintes sinais e sintomas:
Fraqueza e fadiga (secundárias à anemia, hipercalcemia)
Dores (em decorrência de lesões ósseas líticas com ou sem fraturas, fraturas por compressão vertebral)
Confusão, estado mental alterado (hipercalcemia, hiperviscosidade, uremia)
Hipoestesia e parestesia (neuropatia periférica, compressão da medula, hipercalcemia)[61]
Sintomas de paraplegia ou quadriplegia (compressão da medula espinhal em decorrência de plasmacitoma ou fratura vertebral por compressão)
Sintomas visuais, cefaleias (hiperviscosidade)
Infecções recorrentes (hipogamaglobulinemia em decorrência de supressão das imunoglobulinas normais)
Poliúria, polidipsia, constipação (hipercalcemia)
Aumento de sangramentos e hematomas (trombocitopenia, hiperviscosidade, uremia, inibidores dos fatores de coagulação adquiridos, interferência inespecífica na cascata da coagulação pela proteína M)
Edema periférico (síndrome nefrótica, hipoalbuminemia, insuficiência renal)
Perda de altura, cifose (fraturas vertebrais por compressão)
Disfagia, claudicação da mandíbula, diarreia e macroglossia (em pacientes com amiloidose).
Um exame físico completo deve ser realizado com atenção especial à presença de macroglossia, neuropatia periférica, edema, sensibilidade na coluna, hepatoesplenomegalia e lesões cutâneas, incluindo púrpura periorbital e petéquias.
Investigações
Os exames de rastreamento iniciais devem incluir uma eletroforese de proteínas séricas (EFPS) e coleta de urina de 24 horas, com imunofixação realizada em ambas as amostras, independentemente de terem sido desencadeados por uma anormalidade incidental em um exame laboratorial, por um achado que sugeriu uma das gamopatias monoclonais ou por um cenário clínico sugestivo de uma doença associada (por exemplo, lúpus eritematoso sistêmico [LES], artrite reumatoide, artrite psoriática, síndrome de Sjögren, síndrome de Schnitzler, infecção por vírus da hepatite C, infecção pelo vírus da imunodeficiência humana [HIV], leucemia linfocítica crônica, linfoma não Hodgkin).[11][21][62] Estudos sugeriram que o exame de urina de 24 horas pode ser substituído por um ensaio da cadeia leve livre (CLL) sérica no rastreamento para proteínas monoclonais.[63] Esse exame identifica situações associadas à produção e secreção de somente cadeias leves pelos plasmócitos.[64]
Uma vez que a proteína monoclonal seja confirmada no soro ou na urina, os exames subsequentes dependerão da situação clínica. Se a descoberta for resultante de um exame laboratorial anormal e o paciente estiver assintomático, será necessário um número limitado de exames adicionais. É essencial uma anamnese completa que abranja a presença ou ausência de sintomas. A maioria desses pacientes apresenta MGUS. Nesse estágio, deve-se descartar a possibilidade de mieloma múltiplo, amiloidose ou uma das outras doenças que exigiriam terapia.[26] A quantidade de proteína monoclonal indica a necessidade de exames adicionais:
Se o nível de proteína M for 15 g/L (1.5 g/dL) ou menor, e o paciente estiver assintomático sem outras anormalidades no exame físico ou laboratorial, isso provavelmente representa uma MGUS, e uma reavaliação pode ser realizada em 3 a 6 meses para garantir estabilidade.[65]
Em pacientes com um nível de proteína M >15 g/L (>1.5 g/dL), a probabilidade de mieloma é maior e avaliação adicional é necessária.
Uma biópsia da medula óssea e uma radiografia de esqueleto, incluindo ossos longos, devem ser realizadas. Tomografia computadorizada (TC) do corpo inteiro em baixa dose ou porção de TC de uma tomografia por emissão de pósitrons (PET) também podem permitir avaliação de doença óssea lítica. Os achados podem incluir demonstração de plasmócitos monoclonais na medula óssea: lesões líticas perfuradas, fraturas por compressão vertebral, fraturas patológicas ou osteopenia generalizada em radiografias do esqueleto.
Se qualquer avaliação levantar a suspeita de mieloma, as investigações adicionais poderão incluir um hemograma completo, bioquímica sérica (inclusive cálcio, creatinina, beta-2-microglobulina e lactato desidrogenase [LDH]) e hibridização in situ fluorescente (FISH) na medula óssea.
Se houver suspeita de amiloidose, recomenda-se a realização de aspirado de gordura e biópsia da medula óssea. Estes podem ser examinados para depósitos amiloides bem como (no caso da biópsia da medula óssea) para demonstração da população de plasmócitos monoclonais.
Avaliações adicionais dependerão do cenário clínico com relação aos sintomas e achados ao exame físico. Todos os pacientes devem realizar um hemograma completo, bioquímica sérica, inclusive creatinina sérica, cálcio sérico que deve ser corrigido para a albumina (o valor da albumina pode ser obtido da eletroforese de proteínas séricas [EFPS]), bilirrubina (total e direta), fosfatase alcalina, enzimas hepáticas e urinálise. Os achados laboratoriais comuns podem incluir, além da proteína monoclonal: anemia, trombocitopenia, rouleaux eritrocitário (aspecto de moedas empilhadas) no esfregaço de sangue periférico, velocidade de hemossedimentação (VHS) elevada, plasmócitos clonais circulantes, hipogamaglobulinemia, hipercalcemia, hiperuricemia, creatinina e ureia elevadas, LDH, beta-2-microglobulina e proteína C-reativa elevadas, viscosidade sérica elevada ou plasmocitose da medula óssea.
Detecção, identificação e quantificação de proteínas monoclonais
O exame mais comumente usado é a eletroforese de proteínas séricas (EFPS), um procedimento fácil e de baixo custo para realizar o rastreamento.[66][67] É tipicamente realizada usando o método de gel de agarose ou, menos comumente, a eletroforese capilar de zona. Usando a EFPS, as proteínas séricas podem ser separadas em 5 grupos com base em sua mobilidade eletroforética (albumina, alfa-1, alfa-2, beta e gama) e a proteína M, quando presente, pode ser quantificada por um traçado densitométrico do gel. As várias classes de imunoglobulinas são geralmente de mobilidade gama e são encontradas na região gama, mas ocasionalmente também podem ser encontradas nas regiões beta-gama e beta, como é observado com a imunoglobulina A (IgA).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Eletroforese de proteínas séricasDo acervo pessoal do Dr. Kumar [Citation ends].
A eletroforese de proteínas urinárias (EFPU) exige uma coleta de urina de 24 horas para poder estimar a quantidade total de proteínas excretadas por dia. A quantidade de proteína M excretada pode ser determinada pela estimativa da proteína M como uma porcentagem das proteínas totais no traçado densitométrico, e então multiplicando esse valor pelo total da excreção urinária de proteínas em 24 horas. Essa abordagem ajuda a superar a ampla variabilidade no volume urinário diário.
As técnicas de EFP séricas e urinárias apresentam diversas limitações. Elas não conseguem detectar proteínas monoclonais pequenas nem fornecer informações sobre o tipo de proteína M.
A imunofixação envolve a separação eletroforética das proteínas seguida por coloração com uma série de anticorpos específicos para cada uma das cadeias pesadas e cadeias leves, o que possibilita a caracterização do tipo de imunoglobulina. A imunofixação do soro ou da urina como etapa subsequente pode detectar pequenas quantidades de proteína M e é uma parte essencial do rastreamento em conjunto com a EFPS ou a EFPU. O uso de detecção baseada em espectrometria de massa e acompanhamento da proteína monoclonal também proporcionou uma abordagem mais sensível para detectar uma quantidade muito pequena de proteína monoclonal.[68]
A quantificação de imunoglobulinas pode ser realizada por nefelometria, que envolve a avaliação do grau de turbidez produzida pela interação antígeno-anticorpo. Isso é particularmente útil na detecção de hipogamaglobulinemia, em estimativas seriadas de proteína monoclonal IgA que pode ser difícil de detectar por EFPS, e em situações com altos níveis de proteína monoclonal, em que a EFPS pode subestimar o real grau de elevação da proteína monoclonal. No entanto, não fornece quaisquer informações sobre a natureza monoclonal da proteína.
Em alguns pacientes, apenas pequenas quantidades de cadeias leves são produzidas sem uma cadeia pesada acompanhante, e isso pode ser difícil de detectar usando EFPS. Imunoensaios estão atualmente disponíveis para detectar baixas concentrações de cadeias leves livres monoclonais no soro, usando anticorpos que reconhecem epítopos que estão geralmente escondidos quando a cadeia leve se liga à cadeia pesada.[64][69] Esses ensaios são úteis no diagnóstico, prognóstico e resposta ao tratamento em vários distúrbios plasmocíticos monoclonais, incluindo gamopatia monoclonal de significado indeterminado (MGUS), amiloidose primária e mieloma múltiplo.[70]
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