Abordagem
Rouquidão é um sintoma comum que pode se apresentar a vários diferentes especialistas, incluindo médicos de atenção primária, pediatras e médicos de clínica médica.[44][45][46][47] Um entendimento claro das causas de rouquidão e uma consideração de que ela pode representar uma patologia grave subjacente são muito importantes.[1] É essencial o encaminhamento imediato para um especialista adequado para avaliação e tratamento da rouquidão, a fim de se fornecer o melhor tratamento possível e melhorar o prognóstico.
O diagnóstico e o tratamento da rouquidão envolvem uma equipe multidisciplinar composta por otorrinolaringologistas e fonoaudiólogos (muitos dos quais especializados em voz); neurologistas, psiquiatras ou psicólogos podem ser consultados, a depender da patologia subjacente.[48][49][50][51] Os centros especializados em voz oferecem uma abordagem colaborativa, visando ao tratamento da rouquidão e que envolve uma avaliação completa e início de um plano abrangente de manejo clínico e comportamental.[52]
História
Sintomas vocais
Os pacientes geralmente apresentam uma combinação de sintomas vocais, dependendo da condição que os causou. O início, a duração, a progressão e a variabilidade destes sintomas devem ser avaliados para auxiliar o diagnóstico.[3]
Os sintomas vocais mais comuns são rouquidão e rugosidade, soprosidade, tremor, som estridente, estridor, fraqueza, faixa de frequência reduzida, baixa frequência vocal ou frequência vocal inadequadamente alta, faixa de volume reduzido, voz sussurrante, fadiga vocal, esforço vocal e aumento no esforço fonatório, interrupções na voz, perda de voz e afonia e dor ou desconforto.
Como as alterações de voz podem se desenvolver gradativamente ao longo de um longo período de tempo, os pacientes muitas vezes retardam a consulta com seus médicos de atenção primária para avaliação e tratamento, até que sofram uma ameaça em sua qualidade de vida.
Os orientadores vocais e cantores profissionais podem identificar a patologia nas pregas vocais em um estádio mais inicial ao reconhecer as alterações sutis na qualidade da voz e, então, realizarem consultas mais cedo.
O fonotrauma pode estar presente e é indicado pelo início da laringite. Por exemplo, após assistir um jogo de futebol e participar de uma festa após o jogo, um paciente pode sentir dor na palpação da garganta, interrupções na frequência, interrupções na voz e ocasionalmente perda total da voz ao final do dia.
Pode ocorrer uma rouquidão multifatorial caracterizada por uma história de 2 a 5 anos de alterações gradativas na voz, com perda de voz intermitente, perda de notas altas, sintomas de refluxo não controlado e dores ocasionais no pescoço. Também é comum uma história de surtos de bronquite e doença do trato respiratório superior durante o inverno.
A laringite aguda é caracterizada por um início agudo de soprosidade e fraqueza e fadiga vocais, enquanto a laringite crônica se manifesta com rouquidão da voz, frequência e volume alterados e interrupções na voz.
A laringite por refluxo geralmente se manifesta por alteração na frequência vocal; tosse crônica e pigarro com muco em excesso na garganta ou gotejamento pós-nasal; disfagia a alimentos sólidos, líquidos ou comprimidos; tosse após comer ou deitar-se; dificuldade de respiração ou episódios de sufocamento; sensação de globus (nó na garganta) e pirose (em <50% dos casos).[53]
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Laringite por refluxoDo acervo da University of Wisconsin School of Medicine and Public Health [Citation ends].
A disartria hipocinética é caracterizada pela redução na faixa de frequência e sonoridade, produção de voz monótona, redução na extensão das frases, disartria, alteração na velocidade da voz (mais rápida ou mais lenta) com curtos ímpetos da fala e inteligibilidade comprometida.[54]
História médica pregressa
A cirurgia na base do crânio, na região do pescoço (por exemplo, tireoidectomia, fusão cervical anterior) ou no tórax (por exemplo, reparo de aneurisma aórtico torácico, esofagectomia) podem danificar os nervos laríngeos superiores ou recorrentes que inervam os músculos laríngeos intrínsecos.
A intubação prévia pode resultar em formação de granuloma, insuficiência fonatória pós-intubação e paresia nas pregas vocais.[55]
O refluxo laringofaríngeo tem sido implicado na patogênese da laringite aguda e crônica, lesões benignas nas pregas vocais e disfonia de tensão muscular.[5]
O estresse psicológico e outros problemas emocionais foram associados ao desenvolvimento de rouquidão.[9][56][57][58] As alterações na voz que refletem preocupações emocionais mais profundas não devem ser negligenciadas.
Algumas doenças neurológicas são conhecidas por resultar em rouquidão, como doença de Parkinson, tremor essencial, lesões no tronco encefálico e acidente vascular cerebral (AVC).
História de medicamentos
Determine quais medicamentos prescritos o pacientes está tomando, se houver. Isso pode indicar uma afecção conhecida por causar rouquidão, ou revelar um medicamento que pode ser um fator contribuinte no desenvolvimento da rouquidão.[3] Os exemplos incluem: fluticasona/salmeterol por via inalatória (secundária a laringite fúngica), ácido alendrônico (secundária ao aumento do refluxo) e IECAs (secundária à tosse crônica).
História familiar
Algumas condições conhecidas por estarem associadas à rouquidão - incluindo refluxo laringofaríngeo, tremor essencial, doença de Parkinson, disfonia espasmódica e alguns cânceres - podem ser hereditárias.
História social
História pregressa e atual de uso de tabaco (incluindo o cálculo do número de maços-anos fumados), quantidade de álcool e cafeína consumidos e uso de qualquer droga recreativa devem ser avaliados.
A história de empregos é importante para avaliar a importância e padrão de uso da voz na profissão do pacientes e para avaliar a exposição a irritantes ambientais e ao ruído.
Exame físico
Todos os pacientes que apresentam rouquidão devem ser submetidos a um exame físico completo para identificar qualquer condição médica que seja uma causa subjacente. Deve-se dar particular atenção ao exame físico da cabeça e pescoço e dos sistemas respiratório e neurológico.[3]
Exame físico da cabeça e pescoço
É necessário equipamento como fonte de luz branca (halógêna), gaze, espátula lingual e luvas.
O exame físico deve incluir a inspeção e palpação para busca de massas e aumento dos linfonodos cervicais, da glândula tireoide e das glândulas salivares, exame físico dos nervos cranianos, inspeção intraoral e palpação dos lábios, da face, do assoalho da boca, da língua (inclusive bordas laterais), dos pilares e das fossas tonsilares, do palato duro e mole e do tecido gengival.[59]
Achados importantes incluem a linfadenopatia cervical regional na leucoplasia, câncer nas pregas vocais e paralisia ou paresia das pregas vocais (se secundária a uma causa maligna), fraqueza muscular oral e facial unilateral ou bilateral na paralisia das pregas vocais, placas brancas na língua, mucosa bucal e/ou palato na leucoplasia.
Exame neurológico
O paciente deve ser examinado quanto à disartria progressiva, fraqueza vocal, fadiga, anormalidades na marcha, rigidez (em roda dentada), tremor de intenção e no descanso, bradicinesia (hipomimia facial, redução no balanço dos braços, marcha com arrastar de pés), hiper ou hiponasalidade e disfagia (sufocamento com alimentos sólidos ou líquidos, deglutição com grande esforço).
A doença de Parkinson é caracterizada por rigidez (em roda dentada), tremor no descanso (4 a 6 Hz) e bradicinesia, resultando em hipomimia, marcha com arrastar de pés e redução no balanço dos braços.[60]
O tremor essencial é caracterizado por um ciclo clínico lentamente progressivo (história de, pelo menos, 3 anos de tremor).[61] O tremor de repouso pode ocorrer em vários tremores essenciais. A cabeça e a voz podem estar envolvidas. O tremor vocal é mais evidente na fala conectada que ao cantar ou na fonação sustentada.[62]
Exame respiratório
Estridor inspiratório ou bifásico, respiração ruidosa no descanso, dispneia, desconforto respiratório com uso de músculos acessórios e taquipneia, dispneia ao falar com incapacidade de concluir as frases com uma única respiração e/ou uma tosse não produtiva são sinais importantes de obstrução das vias aéreas e exigem atenção imediata.
Avaliação não invasiva
Autoavaliação do paciente
O Voice Handicap Index (VHI)-30, na forma abreviada VHI-10, e o VHI pediátrico para crianças de 4-13 anos de idade permitem a avaliação da percepção do paciente sobre a gravidade de seu problema vocal.[63][64][65]
O Reflux Symptom Index avalia a gravidade dos sintomas do refluxo laringofaríngeo e a possível relação com a rouquidão presente.[53]
Avaliação perceptiva
Embora haja constante controvérsia relacionada à confiabilidade entre classificadores da avaliação perceptiva e não haja consenso sobre as escalas perceptivas padrão, ouvir a voz e juntamente observar a aparência física, a interação do paciente, a postura, os padrões de respiração e os sinais de tensão musculoesquelética contribuem para a elaboração de um plano de manejo comportamental.[66]
As avaliações perceptivas da voz são desenvolvidas para descrever os atributos da voz e são usadas como meios de comunicação padronizados entre médicos. A gravidade geral da queixa sobre a voz é definida como o desvio global e integrado da impressão da voz.[67]
Os atributos da voz são descritos em termos de rouquidão (irregularidade percebida na fonte de voz), soprosidade (escape de ar audível na voz), esforço (percepção de esforço ou hiperfunção vocal excessivos), frequência (correlato perceptivo da frequência fundamental relacionada ao sexo, idade e cultura referente) e sonoridade (correlato perceptivo da intensidade do som).
Duas das escalas de percepção mais comumente usadas são a GRBAS (Grade, Roughness, Breathiness, Asthenia, Strain) e o CAPE-V (Consensus Auditory-Perceptual Evaluation of Voice):[68][67]
GRBAS: escala de classificação subjetiva que fornece uma medida geral do grau (G, grade), irregularidade (R, roughness), soprosidade (B, breathiness), astenia ou fraqueza (A, asthenia or weakness) e esforço (S, strain) da disfonia, conforme critérios do ouvinte em uma escala de 0-4 (0: normal, 1: leve, 2: moderada, 3: moderada a grave, 4: grave).
CAPE-V: representa cada atributo de voz com uma escala visual analógica que mostra os termos MI (mildly deviant ou desvio leve), MO (moderately deviant ou desvio moderado) e SE (severely deviant ou desvio grave), fazendo referência ao grau percebido do desvio do normal.
Avaliação acústica
Registros acústicos da voz que permitem documentar o funcionamento da voz e fornecem meios para determinar as medidas de desfecho.[69] Os sinais acústicos dos problemas da voz podem ser identificados por meio de vários parâmetros: frequência fundamental (média, variabilidade, faixa, perturbação), amplitude (nível de pressão sonora, variabilidade, extensão, perturbação), índice sinal-ruído, tempo de elevação/queda vocal, tremor, tempo de fonação, voz e interrupções na frequência.[3]
O Dysphonia Severity Index (DSI) é usado como uma medida de desfecho objetiva da voz. Baseia-se na frequência mais alta (F0-Alta em Hz), intensidade mais baixa (I-Baixa em dB), tempo de fonação máximo (MPT em segundos) e instabilidade (%). O DSI varia de +5 (voz percebida como normal) a -5 (voz gravemente disfônica); quanto mais negativo o DSI, pior a qualidade vocal. Há uma grande correlação entre os índices do DSI e do VHI.[70]
Avaliação aerodinâmica
As medidas aerodinâmicas podem ser avaliadas de uma forma simples pelo médico de atenção primária, através da medição do tempo de fonação máximo (o tempo mais longo que o paciente consegue sustentar uma vogal, geralmente o som de 'ah') e a razão s/z (duração de tempo que o paciente consegue manter o som de 's' em comparação ao som de 'z').[71] A razão s/z normal é 1:1, mas os sujeitos com patologia laríngea apresentarão um tempo de fonação menor para 'z' em comparação com 's'.[72]
Medidas da avaliação aerodinâmica:
Fluxo de ar (medição do fluxo aéreo constante e de pico durante a fala conectada; aumenta com patologias da prega vocal)
Pressão de ar (medição da pressão do ar abaixo das pregas vocais necessária para a vibração e a sonoridade; níveis elevados de pressão do ar podem indicar pressão pulmonar excessiva ou ação de válvula ineficiente da laringe, uma indicação de paralisia das pregas vocais; a variação na pressão do ar pode indicar mau controle motor ou um distúrbio neurolaríngeo)
A pressão limiar de fonação (nível mínimo de pressão pulmonar necessária para sustentar a oscilação das pregas vocais em uma frequência específica; dependente da hidratação, frequência, habilidade e fadiga; influenciada por lesões nas pregas vocais).[73]
Exames invasivos
Laringoscopia
Realizada se a disfonia não remitir ou melhorar em 4 semanas após o início dos sintomas, ou se houver suspeita de uma causa grave subjacente (independente da duração dos sintomas).[3]
A laringoscopia indireta permite avaliar a cor e a estrutura da laringe e a visualização de lesões laríngeas.[70]
A laringoscopia direta é uma avaliação endoscópica da laringe. Permite avaliar a estrutura e a função da laringe por meio de um nasoendoscópio com fibra óptica flexível ou endoscópio oral rígido com uma fonte de luz halógena.[74] Os benefícios incluem a capacidade de visualizar as pregas vocais em um paciente que não consiga tolerar a laringoscopia indireta e a observação da laringe em uma posição mais natural, permitindo a observação da respiração em repouso, fala e canto.[75] A laringoscopia direta pode incluir o uso de videoestroboscopia.
Videoestroboscopia
Um componente essencial do exame físico da voz, pois permite a avaliação além do que se consegue detectar a olho nu.[76]
Permite avaliar a estrutura e a função da laringe, fornecendo informações detalhadas sobre a anatomia da laringe (incluindo as bordas das pregas vocais) e a fisiologia da voz. Também fornece um registro permanente das medições realizadas.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Estrutura normal das camadas das pregas vocaisDo acervo da University of Wisconsin School of Medicine and Public Health [Citation ends].
As indicações de referência para avaliação videoestroboscópica incluem alterações anormais na voz ou preocupações de etiologia orgânica desconhecida, alterações anormais na voz após cirurgia ou trauma, presença de patologia laríngea, comparação com avaliações prévias e características na voz que diferem do estado laríngeo conhecido.[77]
O exame físico é realizado com um endoscópio rígido colocado na boca até a base da língua, ou com um nasoendoscópio com fibra óptica flexível com uma fonte de luz de xenônio, que passa através da hipofaringe para obter uma visualização não prejudicada da laringe.
A nasoendoscopia com fibra óptica flexível é a preferida para avaliação dos distúrbios neurolaríngeos (inclusive disartria hipocinética, disfonia espasmódica e tremor essencial) para:[62]
Visualização da mobilidade das pregas vocais
Diferenciação entre paralisia e paresia de prega vocal
Comportamentos hipo e hiperfuncionais das pregas vocais
Tônus e agilidade dos músculos laríngeos
A nasoendoscopia com fibra óptica flexível também é usada quando o exame físico com um endoscópio rígido não permite a visualização adequada em decorrência de interferência estrutural ou desconforto do paciente.
O exame físico deve ser realizado por um médico ou fonoaudiólogo habilitados, com conhecimentos dos distúrbios de voz e fisiologia laríngea.
Imagem digital de alta velocidade
Medidas e registros de cada ciclo da vibração das pregas vocais, amplitude das pregas vocais, largura da glote, assincronia esquerda-direita, alterações temporais na vibração das pregas vocais, onda mucosa, diferenças no plano vertical das pregas vocais e padrões de fechamento das pregas vocais.
Os sistemas clínicos comercialmente disponíveis registram ≥2000 quadros por segundo por uma duração de 2-8 segundos.
Eletromiografia laríngea
Este estudo eletrofisiológico é realizado por um neurologista ou otorrinolaringologista e avalia os potenciais de unidades motoras musculares e a perda de neurônios inervantes, a função dos nervos laríngeos recorrentes e superiores e a cronicidade da lesão nos nervos laríngeos.
Também permite predizer a recuperação e auxilia no tratamento da distonia laríngea.[78]
Biópsia
A biópsia é obrigatória em qualquer caso de suspeita de câncer nas pregas vocais.[3] A terapia conservadora (com evitação de irritantes e tratamento da candidíase laríngea) pode ser considerada antes da biópsia para uma leucoplasia presente em pregas vocais móveis.[3]
Embora a análise microscópica das lesões benignas das pregas vocais seja realizada em geral, a incidência de malignidade nessas lesões é extremamente baixa, e os resultados da biópsia são prejudicados por uma amostra hipocelular e um tamanho de amostra pequeno. Deve-se observar que as lesões benignas nas pregas vocais derivam da lâmina própria das pregas vocais, enquanto que o câncer nas pregas vocais se desenvolve no epitélio que envolve a lâmina própria.
Exames por imagem
Imagens radiológicas
Indicadas quando houver suspeita de câncer nas pregas vocais ou comprometimento neurológico.
Não deve ser obtida entre pacientes com uma queixa primária relacionada à voz até a realização da laringoscopia.[3]
A tomografia computadorizada (TC) da cabeça, pescoço, laringe e tórax é usada para identificar e localizar tumores no nervo laríngeo recorrente e massas pulmonares ou mediastinais.[79]
As lesões laríngeas pequenas podem não ser detectadas na TC, mas são observadas na laringoscopia com fibra óptica flexível.
A RNM pode ser usada para os pacientes que não puderem ser submetidos a uma TC, ou como ferramenta complementar se a TC não fornecer informações adequadas.
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