Abordagem

A cefaleia pode ser primária (decorrente de uma cefaleia subjacente) ou secundária (sintomática de uma doença sistêmica ou neurológica subjacente).[11] A etapa diagnóstica inicial é considerar tipos secundários de cefaleia.[12] Crianças com cefaleia de início abrupto, outros problemas neurológicos ou clínicos ou sintomas ou sinais focais revelam maior risco para apresentar uma etiologia de cefaleia secundária. Anamnese detalhada, exame clínico e exame neurológico são necessários para todos os pacientes. As investigações incluem exame de imagem (tomografia computadorizada [TC] ou ressonância nuclear magnética [RNM]), exames de sangue e punção lombar e vão depender da avaliação clínica.

Os pacientes podem se beneficiar da manutenção de um calendário ou diário detalhado da cefaleia para avaliar a frequência verdadeira e a descrição das cefaleias. Essa ação também pode ser útil para o manejo da cefaleia e para determinar se o tratamento produz uma mudança quantitativa na ocorrência das cefaleias.[13] O manejo geralmente se concentra em medicamentos abortivos (tomados no início da cefaleia; úteis para cefaleias mais raras) ou medicamentos profiláticos (tomados diariamente, mesmo na ausência de cefaleia; úteis para cefaleias mais frequentes ou para as que não respondem bem a medicamentos abortivos). Comorbidades psicológicas podem coexistir e são importantes a considerar. Poucos estudos abordam modalidades de tratamentos no pronto-socorro para crianças que apresentam enxaqueca.[14]

História

Curso temporal

  • Cefaleia de início recente ou cefaleia de agravamento progressivo está mais relacionada a uma etiologia sintomática aguda da cefaleia.

  • Cefaleia de início abrupto está mais associada à cefaleia aguda sintomática e é denominada cefaleia em trovoada.

Contexto

  • O início com atividade está mais relacionado à hemorragia intracraniana.

  • Hemorragia intracraniana ou dissecção arterial deve ser considerada caso ocorra trauma cranioencefálico ou no pescoço.

  • Hipotensão intracraniana deve ser considerada caso haja história de trauma recente nas costas.

  • Importante para estabelecer se o início foi associado ou provocado por um estímulo particular.

Localização

  • Localização da dor (por exemplo, cefaleias tensionais comumente resultam em dor leve, posterior ou difusa).

Cefaleias anteriores

  • História pregressa de cefaleia similar sugere cefaleia primária, a menos que haja evidências de hipertensão intracraniana intermitente ou progressiva, sugerida pelo agravamento da cefaleia quando o paciente permanece em certas posições.

  • Cefaleias frequentes estão mais associadas ao agravamento de uma etiologia intracraniana.

  • Cefaleias com frequência crescente estão mais relacionadas ao agravamento de uma etiologia intracraniana.

  • Pacientes com transtornos da cefaleia primária também podem desenvolver outras etiologias sintomáticas agudas, que devem ser consideradas se essa cefaleia for diferente das cefaleias recorrentes típicas do paciente.

Provocação

  • Alteração da cefaleia com uma mudança de posição sugere hipotensão ou hipertensão intracraniana.

  • Quando se agrava com a posição de decúbito, é sugestiva de hipertensão intracraniana.

  • Quando se agrava com a posição ortostática, é sugestiva de hipotensão intracraniana.

  • Quando se agrava após a evacuação, é sugestiva de hipertensão intracraniana agravada com Valsalva.

Doenças associadas ou história médica

  • Outros sintomas ou sinais neurológicos são sugestivos de uma etiologia secundária de cefaleia.

  • Alterações visuais são sugestivas de edema do nervo óptico relacionado à hipertensão intracraniana; diplopia decorrente de lesões focais ou de hipertensão intracraniana; ou alteração visual por acidente vascular cerebral (AVC)/ataque isquêmico transitório.

Avaliação inicial

Sinais vitais

  • Pressão arterial anormal (hipertensão sugere possível hipertensão intracraniana ou encefalopatia hipertensiva).

  • Temperatura (febre sugere a possibilidade de etiologia infecciosa que pode ser intracraniana ou extracraniana).

  • Tríade de Cushing: hipertensão, bradicardia e padrão respiratório irregular (sugere hipertensão intracraniana).

Estado mental

  • Anormalidades sugerem processo de encefalopatia.

Pele

  • Lesões neurocutâneas (lesões cutâneas hiper ou hipopigmentadas; telangiectasias oro-bucais; sardas axilares ou inguinais) podem sugerir lesões intracranianas.

Exame físico da cabeça e pescoço

Ausculta do crânio e pescoço

  • Sopros sugerem malformação ou dissecção vascular.

Seios nasais

  • Sensibilidade à palpação, mucosa inflamada e secreção nasal purulenta podem sugerir sinusite.

Articulação temporomandibular (ATM)

  • Sensibilidade à palpação da ATM ou das têmporas.

  • Cliques na ATM ao abrir e/ou ao fechar a mandíbula.

  • Movimento mandibular reduzido: a abertura mandibular máxima é de 35-55 mm.[15] O movimento pode sofrer uma redução para <35 mm.

Exame oral/dentário

  • Pode revelar cáries dentárias, doença gengival ou abscesso oral, que podem causar cefaleia.

Sinais meníngeos

  • Meningismo, fotofobia.

  • Sugestivos de inflamação meníngea decorrente de doença inflamatória, infecciosa ou neoplásica.

Perímetro cefálico (em todas as crianças)

  • Uma taxa anormal do crescimento do perímetro cefálico sugere lesão intracraniana.

Exame neurológico

Um exame neurológico completo é necessário em todos os pacientes. A identificação de sinais anormais sugere uma lesão cerebral subjacente e uma etiologia de cefaleia secundária. Os achados focais podem sugerir uma localização específica da lesão, com base nos sinais do exame físico. Achados não focais, como edema do nervo óptico ou paralisias do nervo abducente bilateral (VI nervo craniano), podem ser sinais inespecíficos de hipertensão intracraniana. Anormalidades no exame neurológico geralmente sugerem que é necessária uma avaliação adicional urgente, frequentemente começando com uma TC de crânio sem contraste.

II nervo craniano (NC): nervo óptico

  • Edema do nervo óptico sugere hipertensão intracraniana.

  • Os campos visuais podem estar reduzidos com a hipertensão intracraniana.

Função ou assimetria das pupilas

  • Uma pupila anormalmente dilatada em um cômodo claro sugere síndrome de hérnia.

  • Uma pupila anormalmente contraída em um cômodo escuro sugere síndrome de Horner com dissecção da artéria carótida.

  • Pupilas dilatadas com paralisia oculomotora (globo ocular voltado para fora e para baixo) sugere paralisia do III NC e lesões compressivas, incluindo hérnia aguda.

Movimentos extraoculares

  • Deficiências, como nistagmo lateral, globo ocular desconjugado ou limitações no olhar horizontal ou vertical, sugerem lesão do tronco encefálico.

  • Globo ocular voltado para fora e para baixo combinado com pupila dilatada sugere paralisia do III NC e possível lesão compressiva, incluindo hérnia aguda.

Paralisia do nervo troclear (IV NC)

  • Apresenta-se com inclinação da cabeça e dobra do queixo.

  • Pode ocorrer com trauma cranioencefálico ou com lesões do tronco encefálico.

Paralisia do nervo abducente (VI NC)

  • Apresenta-se com rotação da cabeça ou diplopia horizontal.

  • Sugere hipertensão intracraniana ou lesões do tronco encefálico.

Assimetrias e anormalidades sensoriais, relativas à força, ao tônus e aos reflexos

  • Sugere lesões focais.

Sinal de Babinski

  • Elevação dos pododáctilos (sugere uma lesão no neurônio motor superior no cérebro ou na medula espinhal).

Sinais cerebelares

  • Sugere uma lesão da fossa posterior (isto é, tumor, cerebelite).

Avaliação da marcha

  • Marcha pior que a inicial em qualquer criança, de base ampla em indivíduos mais velhos que uma criança pequena ou anormal decorrente de disfunção unilateral é preocupante.

Neuroimagem urgente

A maioria dos pacientes com cefaleia não necessita de neuroimagem urgente.

As indicações para neuroimagem de urgência incluem:

  • Uma cefaleia muito grave com início agudo (pior cefaleia da vida do indivíduo; por exemplo, cefaleia em trovoada, cefaleia da tosse primária)[16]

  • Novos sinais neurológicos focais

  • Meningismo

  • Edema do nervo óptico

  • História sugestiva de hipertensão intracraniana (cefaleia com rápida progressão, vômitos, diplopia, edema do nervo óptico, se não agudamente elevada)

  • Possível infecção ou mau funcionamento da derivação ventriculoperitoneal

  • Cefaleia com câncer metastático conhecido ou possível

  • Cefaleia em um paciente imunocomprometido.

Em uma revisão, várias características clínicas individuais demonstraram estar associadas a uma anormalidade intracraniana significativa, e os pacientes com essas características tiveram a recomendação de se submeter à neuroimagem.[17] Essas características incluem cefaleia em salvas, achados anormais no exame neurológico, cefaleia indefinida (isto é, não em salvas, não enxaqueca ou não tensional), cefaleia com aura ou vômitos ou cefaleia agravada pelo esforço físico ou por uma manobra semelhante à de Valsalva. Nenhuma característica clínica foi útil para descartar condições patológicas significativas. Uma revisão constatou que, em pacientes que apresentam cefaleia em trovoada, um exame neurológico normal e uma TC normal do cérebro nas primeiras 6 horas após o início da cefaleia são extremamente sensíveis para descartar hemorragia subaracnoide aneurismática.[9]

A TC de crânio sem contraste é geralmente indicada como o estudo inicial por sua rapidez, pronta disponibilidade e sensibilidade para a detecção de sangue. A RNM (algumas vezes com angiografia ou venografia) pode ser indicada como um estudo subsequente, especialmente para detectar tumores pequenos, malformação vascular, alterações inflamatórias ou anormalidades na fossa posterior e na medula cervical.

A neuroimagem urgente também pode ser indicada após um traumatismo cranioencefálico recente. No Reino Unido, o National Institute for Health and Care Excellence recomenda a realização de uma TC de crânio em até 1 hora nas crianças com 16 anos ou menos que apresentarem traumatismo cranioencefálico sustentado nos seguintes casos:[10]

  • Suspeita de lesão não acidental

  • Convulsão pós-traumática

  • Escala de coma de Glasgow de <14 (crianças ≥1 ano) à avaliação inicial no pronto-socorro

  • Escala de coma de Glasgow para pacientes pediátricos de <15 (crianças <1 ano) à avaliação inicial no pronto-socorro

  • Escala de coma de Glasgow <15 medida 2 horas após a lesão

  • Suspeita de fratura craniana aberta ou com afundamento ou fontanelas tensas

  • Qualquer sinal de fratura da base do crânio (hemotímpano, "olhos de panda", vazamento de líquido cefalorraquidiano pelo ouvido ou nariz, sinal de Battle)

  • Deficit neurológico focal

  • Hematoma, inchaço ou laceração de mais de 5 cm na cabeça em crianças com menos de 1 ano

  • Dois ou mais dos seguintes fatores: perda da consciência com mais de 5 minutos de duração testemunhada; torpor anormal; três ou mais episódios distintos de vômitos; amnésia retrógrada ou anterógrada por mais de 5 minutos; mecanismo de lesão perigoso (acidentes de carro em alta velocidade como pedestre, ciclista ou ocupante do veículo, queda de uma altura >3 metros, lesão de alta velocidade por projéteis ou outro objeto); quaisquer sangramentos ou distúrbios da coagulação presentes.

Neuroimagem sem urgência

Outras indicações para neuroimagem incluem:

  • Novos episódios de cefaleias

  • Padrão crônico-progressivo

  • Local invariável da cefaleia

  • Cefaleia que desperta a criança do sono ou está presente ao despertar

  • Criança que não pode fornecer uma anamnese precisa.

Se esses pacientes estiverem saudáveis em outros aspectos, a TC deve ser adiada para evitar exposição à radiação e uma RNM deve ser obtida em ambiente ambulatorial. Um parâmetro da prática clínica da American Academy of Neurology aborda a avaliação da cefaleia recorrente na criança e no adolescente.[18]

Punção lombar

Em caso de suspeita de infecção ou hipertensão intracraniana, o tratamento não deve ser protelado para a obtenção de uma punção lombar.

A punção lombar deve ser considerada para:

  • Início agudo de cefaleia intensa

  • Cefaleia associada à febre e/ou a meningismo, estado mental alterado ou convulsão

  • Pacientes imunocomprometidos

  • História sugestiva de pseudotumor cerebral (hipertensão intracraniana idiopática).

Estudos concomitantes

  • Em caso de suspeita de hipertensão intracraniana, a neuroimagem deve ser realizada antes da punção lombar para evitar a rara, mas real, possibilidade de hérnia.

  • Em caso de suspeita de pressão alta ou baixa, a pressão de abertura deve ser medida com o paciente relaxado em posição de decúbito lateral.

  • Se ocorrer suspeita de sangramento subaracnoide, o exame do sobrenadante do líquido cefalorraquidiano (LCR) centrifugado para averiguação de xantocromia (coloração amarela) é o método mais sensível e é mais bem identificado e quantificado no laboratório que visualmente. A xantocromia pode persistir por várias semanas após a hemorragia subaracnoide. Se esse método não estiver disponível, o envio dos tubos 1 e 4 para celularidade também pode permitir a diferenciação entre sangue subaracnoide verdadeiro e sangue de uma punção traumática.

Exames auxiliares

Testes adicionais que podem ajudar a definir o diagnóstico diferencial em casos específicos incluem o seguinte.

Trombose sinovenosa

  • Hemograma completo, tempo de protrombina (TP) e tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) para elucidar um problema de coagulação.

Disfunção da derivação ventriculoperitoneal

  • Radiografias seriadas da derivação (imagens da derivação no pescoço, tórax e abdome podem revelar desconexão como a etiologia de mau funcionamento).

  • Todos os pacientes com suspeita de disfunção da derivação ventriculoperitoneal devem ser encaminhados para uma avaliação neurocirúrgica e possível punção da derivação.

Tumor cerebral

  • Biópsia para confirmar a patologia.

Cefaleia responsiva à indometacina

  • Essas cefaleias incluem cefalalgias autonômicas do trigêmeo, cefaleias induzidas por Valsalva e cefaleias primárias em facada (cefaleia do furador de gelo ou síndrome da dor em agulhadas ou movimentos bruscos).

  • Hemicranias paroxísticas e contínuas respondem invariavelmente de maneira absoluta à indometacina; cefaleias por Valsalva e do furador de gelo podem responder de forma igualmente dramática, mas menos consistente. Cefaleia hípnica também pode responder à indometacina.[19]

Cefaleias em salvas

  • Tentativa terapêutica de suplementação de oxigênio: a remissão da cefaleia é diagnóstica. Cefaleia em salvas é rara em crianças, mas pode ser sintomática de uma lesão cerebral; portanto, indica-se RNM.

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal