Abordagem
Em geral, a história característica e os achados do exame físico são insuficientes para o diagnóstico de angiodisplasias, e a endoscopia é necessária para se estabelecer o diagnóstico definitivo.
A hemorragia digestiva é a principal causa de hospitalização, e a identificação imediata do local do sangramento é crucial para orientar a terapia direcionada adequada.
A endoscopia por cápsula do intestino delgado deve ser a modalidade de primeira linha para investigar anemia recorrente e sangramento crônico em casos eletivos. No contexto de hemorragia digestiva baixa brusca, a angiotomografia (ATG) pode ser o exame inicial adequado quando há comprometimento hemodinâmico. Exames como cintilografia com radionuclídeos, enterografia por tomografia computadorizada (TC) e arteriografia transcateter podem ser adequados.[18][34]
Ferramentas de estratificação de risco, como o escore de Oakland, podem ser usadas para identificar os pacientes com hemorragia digestiva baixa que podem ser tratados de forma ambulatorial ou que podem ser elegíveis para uma alta precoce.[35][36][37] O American College of Gastroenterology recomenda que essa ferramenta seja usada apenas como adjuvante ao raciocínio clínico.[35]
História
Os seguintes fatores foram associados com o aumento do risco ou da frequência de angiodisplasia: insuficiência renal crônica/doença renal em estágio terminal, doença de von Willebrand, estenose aórtica, esclerodermia, doença cardiovascular e idade avançada.
Geralmente, os pacientes têm >60 anos de idade e exibem sangramento de baixo grau, crônico, indolor e intermitente, com sangramento retal de sangue vivo na doença do trato gastrointestinal inferior ou melena na doença do trato gastrointestinal superior. Pode haver longos períodos entre os episódios de sangramento e sintomas de anemia, como fadiga, fraqueza, palidez e dispneia. Raramente, os pacientes podem apresentar hemorragia maciça (hematoquezia ou hematêmese) e resultante hipotensão postural e taquicardia.
Exame físico
É recomendada uma avaliação física completa, inclusive do estado circulatório, além da documentação dos sinais vitais (pressão arterial [PA], frequência cardíaca). O exame físico retal pode revelar sangue vermelho vivo ou melena.
Exames laboratoriais
Na internação, é recomendável realizar hemograma completo para identificar e quantificar a anemia (níveis de hemoglobina [Hb], microcitose e hipocromia). A bioquímica sérica também é realizada para revelar qualquer comprometimento renal concomitante. Ureia elevada pode indicar sangramento do trato gastrointestinal superior e, a presença de uma relação ureia/creatinina elevada, pode indicar desidratação.
Serão realizadas tipagem sanguínea e prova cruzada se houver indicação clínica de uma possível transfusão sanguínea.
Endoscopia
Geralmente é necessário um exame de imagem para o diagnóstico. Inicialmente, é recomendada endoscopia, incluindo endoscopia digestiva alta (EDA) e colonoscopia, para descartar hemorragia digestiva alta e avaliar a parede do trato gastrointestinal inferior. A angiodisplasia é visualizada como lesões vermelhas brilhantes, de 5 a 10 mm de diâmetro, com uma rede ramificada de vasos sanguíneos finos e dilatados na superfície partindo de um vaso central. Nos pacientes hospitalizados com hemorragia digestiva baixa aguda, o American College of Gastroenterology e a European Society of Gastrointestinal Endoscopy recomendam uma colonoscopia não urgente com o paciente hospitalizado, pois o ressangramento pode não ser detectado se for realizada uma colonoscopia na urgência.[35][38]
Pode ser necessário repetir os exames para identificar algumas lesões, pois uma preparação intestinal inadequada ou uma redução transitória do fluxo sanguíneo da mucosa em virtude de opioides sedativos pode dificultar a identificação.[39] A injeção de naloxona durante o procedimento pode melhorar a visualização, mas deve contrabalançar o efeito no conforto do paciente.[39] Uma segunda endoscopia digestiva alta pode ser necessária para pacientes com hematêmese recorrente ou melena ou para aqueles que tiveram um exame inadequado anteriormente.[8] Uma segunda colonoscopia raramente pode ser indicada em caso de hematoquezia recorrente ou se houver suspeita de uma fonte de sangramento mais baixa. Um segundo exame normal garante a avaliação do intestino delgado.[8]
Em pacientes com lesões com sangramento agudo (equivalente a 3 unidades de sangramento por dia) e colonoscopia não diagnóstica, deve-se realizar uma angiotomografia para avaliar a anatomia arterial e localizar o ponto de sangramento, seguida por uma angiografia mesentérica com vista à embolização.[40][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Artéria ileocólica na angiografia mesentérica. Presença de tufos e emaranhados vasculares de massa local formada por vasos irregularesImagem doada por Dr. DeNunzio, Derby, Reino Unido [Citation ends].[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Artéria ileocólica na angiografia mesentéricaImagem doada por Dr. DeNunzio, Derby, Reino Unido [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Angiografia mesentérica. Enchimento precoce e intenso da veia resultante da comunicação arteriovenosa diretaImagem doada por Dr. DeNunzio, Derby, Reino Unido [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Angiografia mesentérica. Opacificação persistente além da fase venosa normalImagem doada por Dr. DeNunzio, Derby, Reino Unido [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Angiografia mesentérica. Opacificação persistente além da fase venosa normalImagem doada por Dr. DeNunzio, Derby, Reino Unido [Citation ends].
As recomendações da American Gastroenterological Association afirmam que, se os achados em exames físicos padrão (endoscopia digestiva alta [EDA], colonoscopia e angiografia mesentérica) forem negativos, pode-se considerar que o intestino delgado seja a origem do sangramento.[40] Portanto, a endoscopia por cápsula deve ser o próximo exame na avaliação de pacientes com hemorragia digestiva.[8][40][41] A endoscopia por cápsula possibilita uma avaliação sem fio do trato gastrointestinal.[9] Normalmente, é realizada em casos eletivos.
Se a lesão sangrante for localizada no intestino delgado proximal (e não for uma massa), a enteroscopia convencional pode ser usada para identificar novamente a lesão e cauterizá-la.[8] A enteroscopia convencional envolve a passagem de um endoscópio fino e longo (geralmente, com 2.6 m de comprimento e 11.2 mm de diâmetro) pelo estômago e pelo duodeno, em direção ao jejuno. Se a lesão com sangramento estiver localizada no jejuno distal médio ou íleo, a enteroscopia assistida por dispositivo, inclusive enteroscopia com balão único ou com balão duplo, pode ser realizada, se disponível, para identificar e tratar a lesão.[42]
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Imagem endoscópica (enteroscopia assistida por dispositivo) da angiodisplasia do intestino delgadoDo acervo pessoal do Dr Elli, Milão, Itália; usado com permissão [Citation ends].[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Imagem endoscópica (enteroscopia assistida por dispositivo) da angiodisplasia do intestino delgadoDo acervo pessoal do Dr Elli, Milão, Itália; usado com permissão [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Imagem endoscópica (enteroscopia assistida por dispositivo) da angiodisplasia do intestino delgado após o tratamento com coagulação com plasma de argônioDo acervo pessoal do Dr Elli, Milão, Itália; usado com permissão [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Angiodisplasia do intestino delgado observada durante a endoscopia por cápsula do intestino delgadoDo acervo pessoal do Dr Elli, Milão, Itália; usado com permissão [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Angiodisplasia do intestino delgado observada durante a endoscopia por cápsula do intestino delgadoDo acervo pessoal do Dr Elli, Milão, Itália; usado com permissão [Citation ends].
Exames por imagem
Relatou-se que a angiotomografia melhora a detecção de sangramento gastrointestinal, em comparação com a colonoscopia e a angiografia padrão.[43][44][45] Em pacientes com hemorragia digestiva baixa evidente, a TC pode determinar o local, avaliar a intensidade do sangramento e identificar a causa do sangramento.[18] A angiotomografia é rápida e não invasiva, mas não possui capacidade terapêutica.
A angiotomografia deve ser realizada como o primeiro exame diagnóstico no setor de emergências em pacientes com instabilidade hemodinâmica, e pode ser considerada como o exame diagnóstico inicial nesses pacientes quando há suspeita de sangramento ativo.[18][35][38] Não é recomendável o uso da angiotomografia como exame de primeira linha em pacientes hemodinamicamente estáveis, nos quais o sangramento cedeu e o benefício é pequeno.[18] Exposição à radiação e alergia de contraste são preocupações potenciais. Nesse caso, a endoscopia por cápsula pode ser mais adequada.
Cintilografias com radionuclídeos usando tecnécio Tc-99m-sulfúrico coloidal ou eritrócitos marcados com Tc-99m podem ser usadas para detectar sangramento leve a moderado, embora a localização possa ser insatisfatória. Eritrócitos marcados têm meia-vida intravascular longa, o que permite a obtenção contínua de imagem do trato gastrointestinal por várias horas e, assim, são preferíveis para o exame de imagem para hemorragia digestiva baixa, em vez do coloide de enxofre Tc 99m.[18]
As séries do intestino delgado, a enteróclise, as imagens transversais e as cintilografias nucleares perderam substancialmente a função na avaliação de hemorragia digestiva obscura com o advento da endoscopia por cápsula devido a seu rendimento diagnóstico extremamente baixo.[40]
Em casos eletivos, quando o paciente apresenta anemia recorrente e sangramento intermitente observável, e a EDA e a colonoscopia estão normais, a endoscopia por cápsula deve ser a investigação de primeira linha.[42] Em pacientes com suspeita de sangramento no intestino delgado e endoscopia por cápsula negativa, enterografia por tomografia computadorizada (TC) multifásica deve ser realizada para localizar a fonte do sangramento, especialmente naqueles com >40 anos de idade.[8][18]
Em casos agudos, quando o paciente comparece ao hospital com suspeita de sangramento no intestino delgado, o médico deve se assegurar de que uma investigação minuciosa do trato gastrointestinal superior e inferior foi realizada antes de considerar a endoscopia por cápsula ou a angiotomografia se houver evidências de comprometimento hemodinâmico. Essas investigações podem ser realizadas juntas ou em sequência, dependendo da urgência e do estado hemodinâmico do paciente. Em paciente com comprometimento hemodinâmico e achados negativos da angiotomografia, a endoscopia por cápsula ainda deve ser realizada. Os achados da endoscopia por cápsula ajudariam a dar direcionamento, caso seja necessária a enteroscopia assistida por dispositivo para tratar a lesão.
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