Abordagem

Os pacientes que apresentam disfunção neurológica dos membros inferiores precisam de uma anamnese e exame físico detalhados para localizar a lesão e identificar a causa subjacente. A natureza, localização, duração e intensidade dos sintomas devem ser avaliadas e as pistas relacionadas a uma doença sistêmica subjacente devem ser elucidadas.

A função do exame físico é identificar o(s) nervo(s) afetado(s). Sinais de doença sistêmica podem ser detectados. A maioria das neuropatias de compressão pode ser diagnosticada clinicamente. Se forem necessárias investigações adicionais, opta-se geralmente pelos estudos de condução nervosa. Outras investigações podem ser consideradas com base nas características clínicas.

História neurológica

É importante caracterizar os sintomas neurológicos do paciente.[14]

  • Sintomas sensitivos: o paciente deve ser estimulado a descrever os sintomas em detalhes com suas próprias palavras. As descrições mais comuns incluem incômodo, queimação, pontadas, formigamento, dormência, picadas e dores intensas súbitas. É importante estabelecer se há uma perda associada de sensação e se ela está na mesma área que as parestesias.[15] As parestesias dolorosas sugerem um processo inflamatório ou isquêmico, como vasculite. Dores lancinantes são características de encarceramento do nervo.

  • Sintomas motores: sintomas associados de fraqueza motora ou anormalidades da marcha (por exemplo, pé pendente) também devem ser avaliados.

  • Localização: a localização dos sintomas fornece pistas sobre o nervo afetado e o local da compressão. A compressão das raízes nervosas produz sintomas na distribuição do dermátomo e do miótomo afetados. As plexopatias produzem sintomas na distribuição dos vários nervos periféricos do plexo. A compressão ou lesão de nervos isolados distais ao plexo produz sintomas na distribuição do nervo individual.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Mapa do dermátomoAdaptado pela BMJ de uma imagem de Ralf Stephan [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@4b0c5d78

  • Duração e gravidade: o paciente deve ser questionado se os sintomas são constantes ou recorrentes e remitentes e se houve piora em algum sintoma. Uma história de sintomas similares prévios deve ser investigada.

História médica geral

Sintomas constitucionais

  • Perda de peso, sudorese noturna e/ou fadiga podem estar presentes em infecção, em doença neoplásica ou em uma variedade de condições inflamatórias. Olhos ou boca seca pode indicar a síndrome de Sjögren.

Alterações cutâneas e articulares

  • Úlceras, púrpura, erupção cutânea ou escurecimento da pele pode sugerir doença vascular periférica, infecção, vasculite, produção de proteína monoclonal ou sarcoidose. Artralgias, inchaço ou rigidez nas articulações pode indicar uma condição reumatológica.

Afecções clínicas passadas

  • É importante estabelecer se o paciente tem alguma das condições subjacentes a seguir: diabetes mellitus (nível de controle e complicações da retinopatia e nefropatia diabéticas), distúrbios reumatológicos (lúpus eritematoso sistêmico [LES], síndrome de Sjögren, artrite reumatoide, vasculites), câncer ou doença infecciosa (especialmente o vírus da imunodeficiência humana [HIV]).

  • Se houver uma história de diabetes mellitus ou estados de intolerância à glicose (por exemplo, pré-diabetes), deve-se suspeitar de diabetes amiotrófica.[1] Uma história de doença prévia grave ou alterações de peso devem ser investigadas, embora o paciente possa não ter apresentado sintomas adicionais. O paciente pode relatar dor na região pélvica/da coxa que se manifesta de forma intensa e "pungente". A dor pode, às vezes, remitir em 2 a 3 semanas antes de a fraqueza e a atrofia muscular se instalarem.

  • Determine qualquer história de radioterapia na pelve.

História familiar

  • Uma história na família positiva de parestesias ou deficiência sensitiva pode indicar uma neuropatia hereditária, como um defeito congênito do metabolismo.

  • Uma história familiar de doenças adquiridas, como neuropatias por compressão, doença autoimune, câncer, amiloidose ou diabetes, também pode estar presente.

História social

  • Uma história de tabagismo deve levantar suspeita de síndrome paraneoplásica.

  • A presença de fatores de risco em relação à exposição ou infecção por HIV deve despertar a suspeita de neuropatia por HIV.

Exame

Sistemas sensoriais

  • O exame neurológico deve se basear detalhadamente nas áreas que correspondem aos sintomas do paciente, mas um exame neurológico geral também deve ser realizado para identificar pistas adicionais. A primeira etapa é examinar as modalidades sensoriais nos membros inferiores, com teste adicional nas áreas em que o paciente relata parestesia.

  • A sensibilidade tátil é testada com um chumaço de algodão. A temperatura é testada usando um estímulo frio ou quente. O estímulo doloroso é testado usando uma ferramenta padrão e descartável que causa estímulo, como um palito. A noção de posição segmentar é testada usando as articulações interfalangianas distais do hálux ou dedo médio. A vibração é testada usando um diapasão de 128 Hz colocado na articulação interfalangiana distal do hálux ou dedo médio. O exame físico pode revelar um dos padrões a seguir:

    • A perda sensorial na distribuição de um único nervo periférico indica uma mononeuropatia periférica. A palpação de um nervo periférico individual ou o teste provocativo específico pode desencadear as parestesias, indicando uma síndrome de encarceramento do nervo. As causas da compressão, incluindo a malignidade, devem ser consideradas.

    • A perda sensorial simétrica em uma distribuição em luva e meia geralmente indica uma polineuropatia periférica (comprimento dependente). Essa distribuição é mais comum no diabetes e em outros distúrbios metabólicos. Ela também pode ser observada em casos avançados de vasculite.

    • A perda sensorial na distribuição de vários nervos periféricos indica uma mononeuropatia múltipla ou uma plexopatia. Se for dolorosa, a mononeurite múltipla deve ser considerada e uma causa de vasculite deve ser investigada. A mononeurite múltipla também pode indicar infecção por HIV, citomegalovírus (CMV), vírus do herpes simples (HSV), vírus herpes-zóster, vírus Epstein-Barr (EBV) ou hanseníase.

    • A perda sensorial em um padrão de dermátomo indica radiculopatia. O nervo espinhal correspondente também é afetado e a distribuição do nervo espinhal também deve ser testada em relação à perda sensorial. Se os sintomas forem dolorosos, uma radiculite por CMV, HSV, herpes-zóster ou EBV pode estar presente. O teste provocativo pode desencadear sintomas, mas o diagnóstico não deve se basear somente nele.[16][17][18]

Sistema motor

  • A presença de atrofia muscular deve ser observada. A fraqueza ou atrofia na mesma distribuição que a perda sensorial indica uma neuropatia motora e sensorial periférica mista (se a distribuição do nervo periférico for afetada) ou o envolvimento de uma raiz espinhal (se um dermátomo e miótomo forem afetados).

  • A perda dos reflexos tendinosos profundos também pode ser observada.

  • A marcha deve ser avaliada para determinar se há pé pendente.

Exame físico de rotina

  • A febre pode indicar infecção.

  • A linfadenopatia pode indicar infecção (por exemplo, por HIV, HSV, doença de Lyme) ou doença inflamatória sistêmica.

  • O diabetes deve ser considerado se o paciente estiver com sobrepeso ou obeso. A perda de peso pode ser um sinal de malignidade subjacente.

  • Membranas mucosas orais secas podem indicar a síndrome de Sjögren.

  • Púrpura ou erupção cutânea sugere infecção ou vasculite. Bolhas em um padrão de dermátomo indicam herpes-zóster. Alterações na cor ou espessamento da pele podem indicar gamopatia monoclonal ou sarcoidose.

  • Deformidades articulares características podem estar presentes associadas a condições reumatológicas subjacentes.

  • A fundoscopia pode revelar retinopatia diabética em um paciente diabético.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Herpes-zóster grave em um paciente imunocomprometido envolvendo dermátomos T1 e T2BMJ Case Reports 2009 [doi:10.1136/bcr.07.2008.0533] Copyright © 2009 by the BMJ Publishing Group Ltd. [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@a79c090[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Artrite reumatoide (deformidades crônicas das mãos)Do acervo do Dr. Soumya Chatterjee [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@3079731c

Exames iniciais

Eletromiografia (EMG)/estudos de condução nervosa

  • A EMG e estudos de condução nervosa são os primeiros exames diagnósticos solicitados.[14]​ A EMG inclui estudos de condução nervosa e exames por agulha de músculos selecionados, devendo ser direcionada aos nervos e músculos para os quais houver suspeita de envolvimento com base no exame clínico.

  • A EMG pode caracterizar o tipo de anormalidade do nervo periférico por meio de suas características eletrofisiológicas (por exemplo, uma neuropatia axonal ou desmielinizante). Ela pode identificar síndromes de encarceramento do nervo e/ou lesões mais proximais, como radiculopatias ou plexopatias. Ela também é usada para acompanhar a recuperação da neuropraxia (um episódio transitório de paralisia motora sem disfunção sensorial ou autonômica).[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Paciente submetido a eletromiografiaReproduzido com permissão da Science Photo Library [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@30fbf340

Exames laboratoriais

  • Se a história clínica, o exame físico ou os estudos de EMG e condução nervosa sugerirem a presença de doença sistêmica ou de envolvimento nervoso mais disseminado (por exemplo, polineuropatia comprimento-dependente), testes, como hemograma completo, ureia e creatinina séricas, testes de função hepática, dosagem da glicose sanguínea com ou sem teste de tolerância à glicose e testes de função tireoidiana devem ser considerados. Se houver suspeita de condições vasculíticas, malignas, infecciosas ou inflamatórias, a velocidade de hemossedimentação, a proteína C-reativa e os níveis de complemento também devem ser solicitados.

Exames por imagem

  • Se houver suspeita de malignidade, uma radiografia torácica (especialmente em fumantes) deve ser solicitada como parte da investigação de malignidade, juntamente com exames de imagem adicionais (isto é, tomografia computadorizada [TC] do tórax, abdome e pelve) de acordo com o local e o tipo de malignidade suspeita.

  • Se houver suspeita de luxação articular, trauma ou complicações de cirurgia, radiografias simples da região afetada devem ser solicitadas para descartar emergências ortopédicas.

Exames adicionais

Exames laboratoriais: estudos laboratoriais adicionais são solicitados, dependendo do diagnóstico diferencial, depois de levar em consideração a história, o exame físico e os testes iniciais, e incluem:

  • Ensaio de imunoadsorção enzimática (ELISA) sérico para HIV e Western blot em caso de suspeita de infecção por HIV

  • Reação em cadeia da polimerase (PCR) para DNA de varicela em caso de suspeita de infecção por herpes-zóster e para DNA de CMV em caso de suspeita de infecção por CMV

  • Cultura viral de lesões ou reação em cadeia da polimerase para HSV na suspeita de infecção por HSV

  • Anticorpos séricos específicos para o vírus Epstein-Barr (EBV) em caso de infecção por EBV

  • Imunoensaio enzimático sensível ou ensaio de imunofluorescência para anticorpos para Borrelia na suspeita de doença de Lyme[19]

  • Raspado intradérmico para bacilos álcool-ácido resistentes na suspeita de hanseníase

  • Fator antinuclear (FAN) sérico, anticorpos anticitoplasma de neutrófilo (ANCA), complemento, fator reumatoide e crioglobulinas em caso de suspeita de vasculite

  • Teste de Schirmer e anti-Ro 60 kD (SS-A) e anti-La (SS-B) na suspeita de síndrome de Sjögren

  • Punção lombar na suspeita de polineuropatia sensório-motora desmielinizante adquirida ou outras causas inflamatórias, infecciosas ou malignas

  • Biópsia do linfonodo na suspeita de linfoma

  • Imunofixação de soro e de urina na suspeita de amiloidose

  • Anticorpos anti-Hu e anti-CV2: presentes em ataques paraneoplásicos mediados imunologicamente.

Exames por imagem

  • Os exames de imagem neurológicos (ressonância nuclear magnética [RNM] ou TC) devem ser considerados em qualquer paciente que não responda conforme o esperado ao tratamento conservador, que esteja exibindo dor e disfunção desproporcionais ao mecanismo esperado da lesão ou que tenha sinais ou sintomas de doença sistêmica.

  • A TC é útil para a detecção de hemorragias retroperitoneais e avaliação das estruturas ósseas.

  • A RNM pode ser a modalidade preferida para a aquisição de imagens de tecidos moles, locais de compressão, raízes nervosas, plexo ou nervos individuais nomeados.[20]

Técnicas intervencionistas

  • Em pacientes com suspeita de radiculopatia mas com EMG, estudos de condução nervosa e de imagens negativos ou duvidosos, o encaminhamento para um intervencionista pode ser útil. As diretrizes da American Society of Interventional Pain Physicians descrevem como "limitadas" as evidências para precisão diagnóstica dos bloqueios seletivos de nervos na coluna lombar; e como "razoáveis" as evidências para discografia lombar provocativa.[21]

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