Abordagem

A hipercalemia pode ser difícil de detectar clinicamente, pois os sintomas associados geralmente são vagos. A hipercalemia é, na maioria das vezes, detectada como um achado laboratorial incidental.

A história é mais útil para identificar condições, como insuficiência renal ou adrenal, comumente associadas com hipercalemia, ou para determinar se estão sendo usados medicamentos como diuréticos poupadores de potássio ou suplementos de potássio. Uma causa óbvia de hipercalemia geralmente pode ser detectada com base na história, uma vez que o deslocamento transcelular do potássio, condições de amostragem e redução da excreção renal tenham sido levados em consideração.

Características clínicas

A hipercalemia de baixo nível, na faixa de 5.0 a 6.0 mmol/L (5.0 a 6.0 mEq/L), é quase sempre assintomática. Os valores de potássio sérico >7.0 mmol/L (>7.0 mEq/L) são mais frequentemente sintomáticos por meio de fraqueza muscular e são evidentes no ECG.​ A fraqueza muscular é incomum abaixo dos valores séricos de potássio de 7.0 mmol/L (7.0 mEq/L). As alterações eletrocardiográficas com a hipercalemia podem evoluir rapidamente, de achados assintomáticos a arritmias com risco à vida.

As características que devem ser obtidas na anamnese incluem causas comum de hipercalemia, como: insuficiência renal crônica ou aguda com ou sem uma alta ingestão de potássio; trauma muscular; quimioterapia para um tumor de proliferação rápida; e diabetes mal-controlado, com hiperglicemia significativa.[23][24] Pacientes com lesão muscular significativa recente, convulsões prolongadas e/ou história de exercícios excessivos em um ambiente quente devem suspeitar de algum grau de rabdomiólise. Um sintoma complexo caracterizado por perda de peso, fadiga, excesso de pigmentação da pele, intolerância ao frio, hipotensão e tendência a desenvolver hiponatremia e hipoglicemia deve despertar a suspeita da doença de Addison. A história completa de medicamentos também deve ser obtida. A história de medicamentos deve incluir a ingestão de doses elevadas de suplementos de potássio e o uso de vários medicamentos diferentes, como: anti-inflamatórios não esteroidais, inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECAs), bloqueadores dos receptores da angiotensina, heparina, pentamidina, ciclosporina, tacrolimo, trimetoprima e/ou diuréticos poupadores de potássio (por exemplo, espironolactona, eplerenone, canrenona, triantereno e amilorida).[4][5][7][8][10][11][13][15]

Consideração passo a passo de possíveis causas

Não é incomum que haja vários fatores que contribuem para causar hipercalemia.

Em um paciente com função renal normal, um ECG normal e/ou um histórico de distúrbio hematológico, o médico deve tomar medidas para excluir a pseudo-hipercalemia.[39]

A pseudo-hipercalemia é identificada por um potássio sérico (sangue coagulado) >0.4 mmol/L (>0.4 mEq/L) superior ao nível de potássio em uma amostra plasmática obtida simultaneamente (sangue não coagulado). A hipercalemia espúria pode ser causada por uma venopunção difícil, por um tempo de trânsito prolongado e por más condições no armazenamento.[28] Uma rápida análise de um hemograma completo, em busca de leucocitose (>100,000 x 10⁹/L) ou trombocitose (>500,000 x 10⁹/L) significativas, determinará se essas causas de pseudo-hipercalemia estão presentes.

Uma vez descartada a pseudo-hipercalemia, o mecanismo fisiopatológico da redistribuição celular é considerado, constituindo uma causa provável se houver hiperglicemia significativa e/ou uma história de medicação com manitol, cloridrato de arginina (raramente usado para tratar alcalose metabólica significativa), suxametônio (succinilcolina), digoxina e/ou betabloqueador.

Se a pseudo-hipercalemia e a redistribuição celular tiverem sido descartadas como causas, a próxima consideração será um desequilíbrio entre a ingestão e excreção de potássio. A consideração da ingestão de potássio em relação ao nível da função renal torna-se mais importante. Pode ser difícil estabelecer a ingestão de potássio pela alimentação com base na lembrança; somente quando substitutos do sal ou suplementos de potássio estiverem sendo utilizados é que a ingestão elevada poderá ser definitivamente estabelecida. A função renal reduzida por si só raramente resulta em hipercalemia sem que haja uma ingestão alimentar significativa. Nos casos em que os valores séricos de potássio estiverem muito mais elevados que o esperado para o nível de função renal, os diferenciais de hipoaldosteronismo hiporreninêmico ou hipoaldosteronismo deverão ser investigados. Os seguintes testes devem ser feitos para a confirmação: atividade de renina plasmática, cortisol e aldosterona plasmático.

Interpretação das concentrações de potássio sérico

Há uma correlação limitada entre as concentrações de potássio sérico e as reservas de potássio corporal total.

Valores laboratoriais alterados espúrios, denominados pseudo-hipercalemia, podem falsamente aumentar o valor de potássio sérico; assim, é importante considerar a repetição do teste para confirmação. Com o teste de confirmação pendente, o valor do potássio sérico em questão deve ser visto como medida de tratamento instituída correta e apropriada.

Investigações

Todos os pacientes que apresentam hipercalemia devem realizar os seguintes testes iniciais: painel metabólico básico (incluindo potássio sérico, glicose, bicarbonato, ureia e creatinina sérica), cálcio sérico, hemograma completo e um eletrocardiograma (ECG).

Os testes subsequentes realizados dependem dos achados clínicos, e incluem:

  • creatina quinase em exame de urina com tira reagente, se houver possibilidade de rabdomiólise

  • níveis de cortisol e aldosterona, se houver suspeita de doença de Addison

  • gasometria arterial, se a acidose metabólica precisar ser estabelecida

  • nível sérico de digoxina, se o paciente estiver recebendo digoxina ou se houver tentativa de suicídio com ingestão de digoxina

  • pH da urina, para avaliar um valor inadequadamente elevado (pH >5.5) em um quadro de acidose metabólica, sugerindo acidose tubular renal

  • gradiente transtubular de potássio, para avaliar várias formas de secreção tubular distal de potássio prejudicada (a determinação do gradiente transtubular de potássio requer amostra de urina e plasma para potássio e osmolalidade)

  • atividade de renina plasmática, geralmente elevada no pseudo-hipoaldosteronismo

  • 17-hidroxiprogesterona, se houver suspeita de deficiência de 21-hidroxilase em neonatos.

Eletrocardiograma

Deve-se realizar um eletrocardiograma (ECG) em todos os pacientes com hipercalemia significativa. Geralmente, os achados eletrocardiográficos são progressivos e incluem bloqueio atrioventricular de primeiro grau (intervalo PR prolongado >0.2 segundos), ondas P planas ou ausentes, ondas T pontudas (ou seja, onda T maior que a onda R em >1 derivação), depressão do segmento ST, QRS alargado (>0.12 segundos), taquicardia ventricular, bradicardia e, consequentemente, parada cardíaca (atividade elétrica sem pulso, fibrilação ventricular/taquicardia ventricular paroxística, assistolia).[28][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Alterações no eletrocardiograma (ECG) de pacientes com hipercalemiaBMJ 2009; 339:b4114. Copyright ©2009 by the BMJ Publishing Group [Citation ends].com.bmj.content.model.assessment.Caption@47296718

Hipercalemia com a redução da excreção de potássio da urina

Uma excreção de potássio na urina de 24 horas <20 mmol/L (<20 mEq/L) diferenciará causas renais e extrarrenais (excreção de potássio>40 mmol/L [>40 mEq/L]) de hipercalemia. No entanto, as medições urinárias de potássio podem ser de difícil interpretação, uma vez que vários fatores influenciam esses valores, independentemente do nível da função renal.

Para os valores de difícil interpretação, o gradiente transtubular de potássio é de alguma utilidade. O gradiente transtubular de potássio (TTKG = [K+] urina/(U/P)osm/K+ plasmático) corrige o potássio urinário em relação às mudanças na osmolalidade que ocorrem com a absorção de água no ducto coletor. Um valor consistentemente <7 sugere uma secreção tubular distal de potássio prejudicada (secundária a hipoaldosteronismo ou a resistência à aldosterona); um valor >10 favorece um aumento da ingestão e um processamento tubular distal do potássio intacto.[40]

Paralisia periódica hipercalêmica

A paralisia periódica hipercalêmica deverá ser considerada quando houver fraqueza muscular intermitente no cenário de exposição ao frio, uso do etanol, administração de potássio e/ou dieta rica em potássio. Com determinações semanais dos valores de potássio, os valores normais elevados podem ocasionalmente ser detectados durante os intervalos livres de ataque que, em seguida, permitem um diagnóstico presuntivo.

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