Etiologia

As principais causas de hipercalemia são as seguintes:

  • Aumento da ingestão de potássio, em associação com a redução da excreção renal

  • Redução da entrada celular de potássio ou aumento da saída celular de potássio

  • Um fenômeno in vitro que provoca a chamada pseudo-hipercalemia.

Aumento da ingestão de potássio

No cenário de uma função renal normal, é raro o aumento da ingestão de potássio resultar em hipercalemia. No entanto, não é incomum a ocorrência da hipercalemia mesmo com ingestão normal de potássio se o indivíduo apresentar insuficiência renal, principalmente em pacientes com diabetes mellitus.[2][3]​ Arritmias com risco à vida também podem ocorrer quando quantidades excessivas de potássio são aplicadas a indivíduos com insuficiência renal e hipocalemia, devido à redistribuição transcelular com defasagem de tempo em amostras de sangue para determinação dos níveis de potássio.

Redução da excreção de potássio

A insuficiência renal aguda ou crônica reduz a excreção renal de potássio. Isso geralmente resulta em hipercalemia quando o declínio funcional renal é acompanhado por uma alta ingestão alimentar de potássio tanto de alimentos dietéticos quanto por meio de suplementos de potássio. À medida que a taxa de filtração glomerular começa a diminuir abaixo de 60 mL/minuto, a excreção de potássio começa a diminuir, especialmente em pacientes com diabetes ou hipoaldosteronismo hiporreninêmico. À medida que a taxa de filtração glomerular cai abaixo de 30 mL/minuto, ocorre uma diminuição significativa da excreção de potássio. Em acidose tubular renal (ATR), especialmente a ATR do tipo 4, o nível de hipercalemia pode ser desproporcionalmente elevado em comparação com um decréscimo na taxa de filtração glomerular (isto é, o nível de potássio pode estar significativamente elevado enquanto a função renal pode estar apenas levemente debilitada). A ATR deve ser considerada a causa para tais achados laboratoriais se a deficiência mineralocorticoide e/ou medicamentos que prejudicam o transporte de potássio ou de ação mineralocorticoide tiverem sido descartados como causa.

Várias condições incomuns podem estar associadas ao desenvolvimento de hipercalemia, devido à redução da excreção de potássio. O aumento da ingestão de sódio facilita a excreção de potássio e, como tal, as dietas de baixo conteúdo de sódio podem comprometer significativamente a capacidade do rim de excretar potássio. Tanto a redução relativa dos valores de aldosterona no plasma (como ocorre em pessoas com diabetes) quanto a redução absoluta nesses valores (como ocorre em pacientes com doença de Addison) podem contribuir para esse processo. Outras causas adrenais de hipercalemia decorrente da diminuição da excreção de potássio incluem: pseudo-hipoaldosteronismo (aparente estado de irresponsividade tubular renal ou resistência à ação da aldosterona, concentração plasmática de aldosterona, excreção urinária de aldosterona e atividade de renina plasmática estão geralmente elevadas no pseudo-hipoaldosteronismo, enquanto a concentração plasmática e a excreção urinária de aldosterona são baixas no hipoaldosteronismo), hiperplasia adrenal congênita (estado perdedor de sal e/ou deficiência de aldosterona) e lúpus eritematoso (diminuição da secreção tubular de potássio relativa à doença tubulointersticial algumas vezes desproporcional ao nível da função renal).

Uma série de medicamentos pode comprometer a capacidade do rim em manter a homeostase do potássio. Elas incluem:

  • Diuréticos poupadores de potássio, incluindo os antagonistas dos receptores de aldosterona (espironolactona, eplerenona), triantereno e amilorida:[4] esses medicamentos atuam nos mecanismos de processamento do potássio no túbulo distal e no ducto coletor. A hipercalemia é dose-dependente e mais significante quando o potássio for administrado simultaneamente, uma dieta enriquecida em potássio estiver sendo ingerida e algum grau de insuficiência renal estiver presente. A espironolactona é de ação bastante prolongada e o seu efeito residual sobre a homeostase de potássio pode permanecer durante vários dias depois de ter sido interrompida.

  • Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs):[5][6]​ esses medicamentos diminuem a produção de PGE2 e PGI2, que afasta 2 fatores conhecidos por estimular a liberação de renina e, assim, de aldosterona. Esse fenômeno deve-se a um grau dose-dependente e é mais significativo para aqueles que já possuem hipoaldosteronismo hiporreninêmico, como as pessoas idosas e as com diabetes. Esse processo é acentuado se houver um concomitante declínio na taxa de filtração glomerular com AINEs.

  • Trimetoprima ou pentamidina:[7][8][9]​ esses compostos têm propriedades semelhantes à amilorida e atuam como diuréticos poupadores de potássio. A alteração no potássio sérico com esses compostos é dose-dependente e é maior em idosos, pessoas com diabetes, e em pacientes com insuficiência renal. É digno de nota que até mesmo doses padrão da combinação dos antibióticos sulfametoxazol/trimetoprima, comumente usadas para infecções do trato urinário, podem resultar em aumentos significativos nos valores do potássio sérico. Ambos os medicamentos são geralmente usados em pacientes HIV-positivos.

  • Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECAs), bloqueadores dos receptores de angiotensina, inibidores diretos da renina:[10][11][12] causam um estado de hipoaldosteronismo. A hipercalemia é mais comum com a terapia de IECAs, é dose-dependente e está ligada ao nível da função renal. Geralmente, o aumento de potássio é pequeno (0.2-0.5 mmol/L [0.2-0.5 mEq/L]), mas pode ser mais substancial em pacientes com deficiências preexistentes na homeostase de potássio, que recebem suplementos de potássio e/ou com depleção de volume.

  • Heparina:[13][14]​ a hipercalemia pode ocorrer com doses baixas, que podem chegar a 5000 unidades duas vezes ao dia, e dentro de dias após o início do tratamento. Ela ocorre com a heparina não fracionada e a heparina de baixo peso molecular. O processo se refere à inibição da síntese adrenal de aldosterona e, consequentemente, menor excreção renal do potássio. Geralmente, o aumento do potássio é pequeno (0.2-0.5 mmol/L [0.2-0.5 mEq/L]), mas pode ser significativo nos pacientes com deficiência na homeostase do potássio preexistente.

  • Inibidores de calcineurina, como ciclosporina e tacrolimo:[15][16]​ a hipercalemia pode ocorrer independentemente dos efeitos nefrotóxicos desses compostos relacionados à disfunção tubular renal e ao hipoaldosteronismo secundário.

  • Terapia diurética de alça ou tipo tiazídica: ao aumentar as perdas de potássio na urina, pode mascarar tendências à hipercalemia que, de outra forma, poderiam ser aparentes.

Redução da entrada celular de potássio ou aumento da saída celular

A redução da entrada celular de potássio deve ser diferenciada de um aumento da saída celular. A última diz respeito ao movimento extracelular de fluido e potássio (arrasto do solvente), em resposta à diferença na osmolalidade entre os compartimentos extracelulares e intracelulares. Uma redução no efeito ou quantidade da aldosterona não parece ter um efeito significativo no deslocamento transcelular do potássio.

Anomalias ácido-básicas, como a acidose metabólica, podem ser marcadas pelo deslocamento de potássio localizado intracelularmente para um local extracelular em troca de íons de hidrogênio. Esse deslocamento, que representa uma forma de tamponamento, ocorre com mais frequência com a administração de substâncias como cloridrato de arginina (raramente usado para tratar alcalose metabólica significativa) e ácido clorídrico.[17] Distúrbios respiratórios ácido-base são associados a deslocamentos muito menores de potássio que os distúrbios metabólicos. Arritmias potencialmente fatais podem ocorrer rapidamente com cloridrato de arginina, em relação aos deslocamentos intracelulares de potássio, particularmente em pacientes com hepatopatia que não metabolizam arginina muito bem, e em pacientes com insuficiência renal preexistente e/ou diabetes mellitus.

O aumento da saída celular ocorre em resposta a gradientes osmóticos (hiperosmolalidade), como é o caso com a hiperglicemia, e depois da administração de manitol.[18] A velocidade (geralmente mais rápida do que 30 minutos) e a quantidade (geralmente >1 g/kg de peso corporal) de manitol fornecidas determinam a extensão do fluxo de potássio extracelular.

A insulina e os beta-agonistas facilitam a entrada celular de potássio.[19] Assim, a deficiência de insulina e o bloqueio de receptores beta (como ocorre com a terapia com betabloqueadores não cardiosseletiva) podem ser seguidos por um aumento no valor de potássio sérico.[20] Arritmias potencialmente fatais são incomuns com betabloqueadores, uma vez que o aumento associado aos valores de potássio sérico é menor e transitório.

A superdosagem de digitálicos, por inibirem a Na-K-ATPase, pode causar um aumento drástico do potássio sérico, às vezes colocando a vida em risco.[21]

A hipercalemia ocorre em um pequeno subgrupo de pacientes após a administração de suxametônio (succinilcolina), uma droga despolarizante neuromuscular, e pode ser fatal.[22] Em pacientes sem doença neuromuscular, a administração de suxametônio (succinilcolina) resulta em um aumento pequeno e transitório no de potássio sérico, de cerca de 50 mmol/L (50 mEq/L). Quando o músculo esquelético sofre desuso ou ausência de estimulação neural normal, os receptores de acetilcolina têm a resposta aumentada, permitindo um efluxo de potássio das células musculares quando da exposição ao suxametônio (succinilcolina).

Aumento da renovação celular

O aumento da renovação celular pode resultar em hipercalemia. Isso pode ocorrer no curso de exercício extenuante, em particular quando a depleção de volume e uma resultante queda na taxa de filtração glomerular coexistirem. O aumento da lesão celular, como ocorre com a rabdomiólise e a síndrome de lise tumoral, também pode resultar em hipercalemia significativa, com ou sem uma queda importante no nível de função renal.[23][24]

Pseudo-hipercalemia

A pseudo-hipercalemia é um fenômeno in vitro no qual os valores do potássio in vitro são variavelmente superiores àqueles in vivo. Esse fenômeno é percebido quando o valor do potássio sérico excede um valor plasmático obtido simultaneamente em >0.4 mmol/L (>0.4 mEq/L). A hemólise celular em uma amostra colocada em um tubo de ensaio pode falsamente aumentar o nível do potássio sérico. Além disso, durante o processo de coagulação, o potássio pode ser liberado de plaquetas e de leucócitos, e quando qualquer um desses elementos celulares estiver presente em abundância (plaquetas >500,000 ou leucócitos >100,000 x 10⁹/L) o potássio sérico poderá estar falsamente elevado.[25][26] Isso também pode ser observado com a esferocitose hereditária e a pseudo-hipercalemia familiar, na qual há um aumento dependente de temperatura da liberação de potássio após a coleta da amostra.

Diversa

Paralisia hipercalêmica periódica é uma doença associada a episódios de fraqueza muscular, em associação com o que pode ser algumas vezes incrementos muito pequenos nos valores de potássio sérico. Essa sensibilidade a pequenas alterações nos valores de potássio sérico está relacionada a defeitos específicos da membrana celular.[27] Na realidade, no entanto, o uso do qualificador hipercalemia para esta forma de paralisia periódica é inadequado, uma vez que esta doença não está associada a um valor sérico de potássio facilmente determinável como hipercalêmico. A hipercalemia associada à ureterojejunostomia, um procedimento cirúrgico pouco realizado, está relacionada à perda de cloreto de sódio para o fluido jejunal e absorção de potássio.

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