Abordagem

A decisão de tratar uma ruptura do manguito rotador cirurgicamente ou não deve ser baseada em vários fatores, incluindo tamanho da ruptura, idade do paciente, nível de atividade esperado, grau de retração do tendão e presença de atrofia muscular do manguito rotador e substituição gordurosa.

Uma intervenção cirúrgica precoce pode ser necessária quando há fraqueza e incapacidade funcional substancial ou ainda se a dor continuar apesar de vários meses de fisioterapia e terapia medicamentosa.[30]​​[31][32]​​ Além disso, se o paciente precisar de um braço forte para necessidades vocacionais ou recreativas, o reparo deve ser considerado.

Também é importante considerar o tempo transcorrido desde a lesão, pois a função e a aparência de uma ruptura do manguito rotador geralmente deterioram-se com o tempo. Com rupturas crônicas, o tecido muscular pode atrofiar com o tempo e ser substituído por tecido gorduroso, geralmente chamado degeneração gordurosa. Os fatores de risco para nova ruptura após o reparo artroscópico (minimamente invasivo) do manguito rotador incluem infiltração gordurosa (subescapular e infraespinhal) e duração dos sintomas.[33]​ Foi descrita uma correlação direta entre a extensão da degeneração gordurosa do músculo do manguito rotador e o tempo desde a lesão.[34] Pesquisadores encontraram desfechos mais favoráveis e uma taxa reduzida de recorrência de ruptura quando o reparo foi realizado no período em que a degeneração gordurosa era mínima. Em pacientes com mais de 60 anos de idade, um desfecho favorável ainda pode ser esperado após o reparo, desde que a qualidade do tecido permaneça suficiente.[35]

Rupturas agudas (identificadas dentro de 6 semanas após um trauma significativo conhecido)

As opções de tratamento para rupturas agudas são determinadas em grande parte pelo tamanho da ruptura e por quão sintomático o paciente se mostra no momento da apresentação. Geralmente, é útil o envolvimento de um fisioterapeuta. Se houver fraqueza da rotação externa, o envolvimento do infraespinhal está presente e há maior probabilidade da cirurgia ser necessária.

Correção cirúrgica de pequenas rupturas agudas

O reparo cirúrgico é o tratamento de primeira linha para pacientes com bom estado funcional, especialmente se as demandas funcionais forem altas. Quando a cirurgia é realizada antes do início da atrofia, resultados mais previsíveis são garantidos. Um ensaio clínico randomizado e controlado de pessoas com ruptura do manguito rotador não superior a 3 cm revelou que o reparo primário do tendão melhorou a dor, o movimento e a força em 10 anos em comparação com a fisioterapia.[36]

​ As opções cirúrgicas incluem artroscopia, mini-incisão e reparo por técnica aberta. O objetivo primário é permitir uma articulação indolor e com boa função.

Medidas conservadoras para pequenas rupturas agudas

​Opções não cirúrgicas devem ser as primeiras a serem consideradas para pacientes idosos e sedentários com rupturas pequenas com leve perda de amplitude de movimentos (ADM) e força, e para pacientes com baixas demandas funcionais. Gelo, alongamento e anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) são os tratamentos iniciais. Quando a ADM é restabelecida (geralmente em cerca de 4 semanas), podem ser iniciados exercícios de tonificação, enquanto o alongamento continua. Uma única injeção subacromial de corticosteroide poderá ser usada para controlar a inflamação e reduzir a dor se a terapia de reabilitação e os AINEs não forem eficazes.[37]​ A reabilitação pode ser retomada alguns dias após a injeção.[38] Injeções repetidas devem ser evitadas, pois a cicatrização de um possível reparo cirúrgico pode ser comprometida.[39]

Uma revisão sistemática e metanálise sugeriram que os AINEs são menos eficazes do que a injeção de corticosteroides na obtenção de remissão em pacientes com dor no ombro em 4-6 semanas após o tratamento.[40] No entanto, como esta revisão incluiu um número limitado de pequenos estudos, os resultados devem ser interpretados com cautela.[40]

A cirurgia deve ser considerada se o paciente não responder à terapia clínica e de reabilitação após várias semanas, com a maioria dos investigadores recomendando pelo menos 3 meses de tratamento não cirúrgico para rupturas menores ou parciais.

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Injeção subacromial. Insira a agulha bem abaixo da borda posterior do acrômio (x), apontando paralelamente à superfície inferior do acrômioDo acervo do Dr. Daniel J. Solomon, MD; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@2ada1e70

Manejo de rupturas reparáveis agudas médias, grandes ou maciças

Reparo cirúrgico é o tratamento de primeira linha para pacientes com bom estado funcional, especialmente se as demandas funcionais forem altas. As opções incluem artroscopia, mini-incisão e reparo por técnica aberta. O objetivo primário é permitir uma articulação indolor e com boa função.

Se o paciente for idoso e sedentário, uma terapia de reabilitação com AINEs, gelo, alongamento e exercícios deve ser considerada antes de cirurgia. O foco deve estar no fortalecimento do manguito remanescente, deltoide e estabilizadores escapulares, bem como no alongamento da cápsula posterior.

Rupturas irreparáveis

O desbridamento pode ser adequado para pacientes com dor como o sintoma predominante e baixas demandas por força no ombro. O paciente ideal para desbridamento apresenta boa função deltoide e um arco coracoacromial intacto.

O desbridamento artroscópico pode incluir bursectomia, ressecção da articulação acromioclavicular e alisamento da tuberosidade maior. A descompressão subacromial para o tratamento da doença sintomática do manguito rotador que apresenta características de pinçamento e sem ruptura total do manguito rotador não fornece benefícios clinicamente importantes em comparação com a cirurgia placebo em relação à dor, função ou qualidade de vida e não é mais recomendada rotineiramente.[37][41][42] BMJ: subacromial decompression surgery for adults with shoulder pain: a clinical practice guideline Opens in new window​​​

​​A transferência de tendão é adequada para pacientes com altas demandas por força no ombro. Os pacientes devem ser capazes e estarem dispostos a realizar uma reabilitação pós-operatória extensa. As transferências de músculo têm sido eficazes em rupturas anterossuperiores envolvendo o subescapular e o supraespinhal e para rupturas posterossuperiores envolvendo o supraespinhal e o infraespinhal. Doadores efetivos são o músculo peitoral maior para rupturas anterossuperiores e o músculo grande dorsal para rupturas posterossuperiores.[43][44]​ A transferência do trapézio inferior está se tornando cada vez mais popular, porque essa transferência mimetiza rigorosamente a linha de tração do infraespinhal.[45][46]

Artroplastia total reversa de ombro é indicada para alterações degenerativas glenoumerais avançadas secundárias a uma ruptura de manguito rotador de longa duração (artropatia de ruptura do manguito).[47] Uma artroplastia total de ombro padrão não deve ser usada em pacientes com artrite glenoumeral que tenham uma ruptura do manguito rotador irreparável, pois a abdução será previsivelmente limitada.[48]

Rupturas crônicas

Em geral, as rupturas crônicas devem ser tratadas inicialmente com terapias conservadoras (por exemplo, gelo e alongamento, medicamentos anti-inflamatórios e injeções subacromiais). Geralmente, é útil o envolvimento de um fisioterapeuta.

Se uma ruptura não apresentar resposta clínica ao tratamento não cirúrgico, pode-se buscar uma cirurgia. Pacientes mais jovens geralmente são tratados com uma abordagem mais agressiva, considerando cirurgia precocemente na evolução do tratamento, especialmente se eles se queixam de fraqueza.[30] A crença do paciente no sucesso da reabilitação é um forte preditor de desfecho não cirúrgico, mais do que o tamanho da ruptura.[49]

Em um paciente idoso com uma ruptura crônica grande, a qualidade do tecido geralmente é menos ideal para a cicatrização. Frequentemente, esses pacientes e outros com baixas demandas funcionais têm menor interesse em atividades vigorosas acima do nível da cabeça e maior interesse no alívio da dor com um arco de movimento funcional. Um programa de reabilitação não cirúrgico bem desenhado consistente em alongamento e fortalecimento pode alcançar esses objetivos.​[49][50]​ O foco dessa reabilitação é o controle da dor, restauração do movimento passivo completo e otimização da força e coordenação do manguito rotador e do músculo periescapular.

A injeção subacromial de corticosteroide pode ser usada se os sintomas limitarem os exercícios de reabilitação, mas deve ser usada com cautela se a cirurgia for uma possibilidade razoável devido aos efeitos adversos dos esteroides na cicatrização do manguito.[39]​ Os exercícios podem ser retomados alguns dias após as injeções.

Uma metanálise constatou que o bloqueio do nervo supraescapular apresentou eficácia semelhante comparado com injeções intra-articulares de corticosteroides para dor no ombro, e pode ser usado como terapia adjuvante se a injeção de corticosteroide isoladamente não fornecer alívio sustentado da dor.[51]

Para pacientes com dor considerável após 10 a 12 semanas de terapia, as opções cirúrgicas a seguir devem ser consideradas com base em cada caso.[30]​​[43][44][45][46][47]​​​​[48]​​[52][53]​​​​​​

  • Artroscopia, mini-incisão ou reparo por técnica aberta: geralmente, consideradas para pacientes tanto com dor quanto limitações funcionais, que estão prevendo retorno a um estilo de vida ativo.

  • Desbridamento: geralmente usado para pacientes com mínimas limitações funcionais, mas com dor como queixa primária e para pacientes com objetivos e expectativas funcionais limitados. A tuberoplastia pode ser realizada quando há uma tuberosidade maior proeminente, que pode encostar no acrômio em abdução.

  • Hemiartroplastia e artroplastia total reversa do ombro: procedimentos de resgate para pacientes com rupturas de longa duração e que desenvolvem artropatia por ruptura do manguito.

  • Reconstrução da cápsula superior: normalmente usada para pacientes ativos mais jovens com rupturas irreparáveis. O procedimento emprega um enxerto para reconstruir a cápsula superior e pode inibir a migração umeral proximal. Esta técnica não deve ser utilizada na presença de artropatia avançada.

  • Balão espaçador: indicado para rupturas irreparáveis. Um balão inflável biodegradável é inserido sob o acrômio para atuar como uma barreira física para reduzir o atrito subacromial. Este dispositivo pode ajudar a melhorar a reabilitação do deltoide.

  • Transferência de tendão: apropriada para pacientes com alta demanda de força no ombro e considerada quando o tecido do ventre muscular é frágil e pode não funcionar, mesmo na presença de um reparo de tendão bem-sucedido.

  • Artrodese glenoumeral: pode ser considerada como um último recurso para dor intolerável, mas eliminará todo o movimento glenoumeral. Raramente usada em pacientes mais jovens, mas pode ser considerada naqueles que falharam na artroplastia total reversa do ombro, especialmente na presença de infecção persistente.

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Injeção subacromial. Insira a agulha bem abaixo da borda posterior do acrômio (x), apontando paralelamente à superfície inferior do acrômioDo acervo do Dr. Daniel J. Solomon, MD; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@6b500c36

Técnicas para reparo cirúrgico

As opções cirúrgicas incluem artroscopia, mini-incisão e reparo por técnica aberta. O objetivo primário é permitir uma articulação indolor e com boa função.

Em reparos abertos do manguito rotador, o cirurgião fica limitado à área visualizada dentro da incisão para realizar o reparo. A artroscopia, uma técnica minimamente invasiva, permite ao cirurgião abordar e avaliar a ruptura de vários ângulos para melhor definir a ruptura e repará-la anatomicamente. A capacidade de abordar a patologia glenoumeral no momento do reparo do manguito rotador, em conjunto com a visualização aprimorada, é um grande benefício.

Ensaios clínicos randomizados e controlados, revisões sistemáticas e metanálises relatam desfechos semelhantes após reparo aberto, por mini-incisão ou artroscópico.[54][55][56][57]​​​​​​​​​​A artroscopia pode estar associada à diminuição da dor em curto prazo.[56]

Os resultados de revisões sistemáticas com metanálises geralmente indicam que os reparos de sutura de fileira dupla facilitam melhores taxas de cicatrização, mas não há diferenças reconhecíveis nos escores dos desfechos.[37][58][59][60][61][62]​​​​​​​​​​​​​​O reparo com sutura em fileira dupla é uma técnica mais exigente do que o reparo em fileira única. O reparo de fileira única aumentado com microfratura pode oferecer algum benefício ao melhorar a biologia da cicatrização por microfratura ou abrasão da tuberosidade maior.[63]

Patologia associada e aumento biológico

Rupturas do lábio superior anterior para posterior (SLAP) e patologia do tendão do bíceps frequentemente acompanham as rupturas do manguito rotador. Rupturas subescapulares também podem estar presentes e muitas vezes são difíceis de reconhecer. O subescapular é o maior músculo do manguito e as rupturas podem estar associadas a dor e disfunção significativas. O reconhecimento e o tratamento concomitante dessas lesões podem contribuir para melhorar a função pós-operatória.[64]

O plasma rico em plaquetas (PRP) tem sido usado para aumentar o reparo do manguito rotador após lesões de espessura total com resultados inconsistentes.[65][66][67][68] As diretrizes práticas concluem que o uso de PRP em pacientes submetidos ao reparo do manguito rotador não melhora os desfechos relatados pelo paciente.[37]​ As taxas de repetição da ruptura em longo prazo podem ser reduzidas em pacientes que recebem PRP.[67]

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