Considerações de urgência

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Todos os pacientes que apresentam hemorragia digestiva alta (HDA) aguda devem ser internados e postos sob monitoramento cardíaco contínuo e oximetria de pulso.

Identificando os pacientes de alto risco

Os escores foram desenvolvidos na tentativa de estratificar o risco dos pacientes que se apresentam ao pronto-socorro com hemorragia digestiva alta.

Os escores podem ser usados para identificar os pacientes com alto risco de morte que necessitem de endoscopia urgente (nas próximas 12 horas), que estejam suficientemente estáveis para ser internados e fazer uma endoscopia precoce (em 24 horas) ou que possam receber alta do pronto-socorro.[8] Atualmente os escores formais são mais comumente usados no cenário da pesquisa devido à complexidade percebida dos cálculos e ao número de escores existentes, mas alguns médicos os utilizam na prática clínica de rotina.

As diretrizes variam em suas recomendações no que diz respeito a qual é a ferramenta de avaliação de risco mais adequada a ser usada.[9][10][11][12] No Reino Unido, o National Institute for Health and Care Excellence recomenda que todos os pacientes com hemorragia digestiva alta aguda sejam avaliados quanto ao risco, inicialmente por meio do GBS, e pelo escore de Rockall, após a endoscopia.[9]

Escore de Rockall [ Escore de Rockall para hemorragia digestiva alta Opens in new window ]

  • Inclui critérios clínicos, bem como achados endoscópicos, para identificar os pacientes com risco de desfecho adverso após uma HDA aguda. Um escore de 8 ou superior acarreta um alto risco de mortalidade.[13][14]

Escore de sangramento de Glasgow-Blatchford (GBS) [ Escore de Blatchford para sangramento gastrointestinal Opens in new window ]

  • O GBS é calculado utilizando os seguintes parâmetros: ureia, Hb, pressão arterial sistólica, frequência cardíaca, melena na apresentação, síncope da apresentação e presença de doença hepática ou insuficiência cardíaca. Um escore de ≥6 está associado a um risco >50% de necessidade de intervenção.[15][16]

  • O GBS é mais sensível que o escore Rockall, e é recomendado por diretrizes de consenso internacionais.[8][10][17]

Escore AIMS65 (albumina, razão normalizada internacional, estado mental, pressão arterial sistólica e idade ≥65 anos)

  • Concebido para predizer a mortalidade em adultos com HDA aguda, esse escore não depende de dados endoscópicos e pode ser calculado no pronto-socorro.

  • Não se deve usar um escore AISS65 baixo para ditar a alta.[18]

Escore idade, exames de sangue e comorbidades (ABC)

  • Em um estudo multicêntrico internacional de validação, o escore ABC foi um bom preditor de mortalidade e superou o AIMS65.[19]

Escores de Child-Pugh e Modelo para doença hepática terminal (Model End-Stage Liver Disease; MELD)

  • A European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) recomenda que os pacientes com doença hepática crônica avançada compensada que apresentarem suspeita de hemorragia por varizes aguda tenham seu risco estratificado de acordo com o escore Child-Pugh e o escore MELD, e pela documentação de sangramento ativo/inativo no momento da endoscopia digestiva alta.[20]

Considerações específicas

A hemorragia digestiva alta que causa hipotensão, taquicardia, hipotensão postural ou outros sinais de choque hipovolêmico deve ser tratada com rapidez, devendo ser considerada a internação dos pacientes na unidade de terapia intensiva.

Hipovolemia grave ou choque hipovolêmico

  • Devem ser imediatamente estabelecidas duas linhas intravenosas de grosso calibre para o acesso venoso adequado. Devem ser infundidos cristaloides para manutenção da pressão arterial adequada. Cristaloides balanceados podem ser preferíveis à solução salina normal em pacientes em estado crítico na terapia intensiva.[21]


    Venopunção e flebotomia – Vídeo de demonstração
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    Como colher uma amostra de sangue venoso da fossa antecubital usando uma agulha a vácuo.


Transfusões de hemoderivados

  • Deve ser realizada transfusão de concentrado de eritrócitos nos pacientes com evidências de sangramento ativo contínuo ou nos pacientes que tenham sofrido sangramento significativo ou isquemia cardíaca.[23] Deve ser usado plasma fresco congelado para correção de coagulopatia (visto que é comumente observada em pacientes com doença hepática subjacente).[23] No entanto, a correção da coagulopatia deve, em geral, não atrasar a endoscopia.[8] Nos casos de sangramento não varicoso em que uma perfusão adequada não puder ser mantida por outros meios, podem ser usados vasopressores.

  • Nos pacientes hemodinamicamente estáveis com HDA aguda e sem história de doença cardiovascular, deve ser utilizada uma estratégia restritiva para a transfusão de eritrócitos, com um limiar de hemoglobina de ≤70 g/L (7 g/dL) desencadeando uma transfusão de eritrócitos e uma meta de hemoglobina pós-transfusão de 70-90 g/L (7-9 g/dL).[8][20][24]

  • As recomendações sobre as metas ideais de contagem plaquetária nos pacientes com HDA não varicosa ativa são baseadas na opinião de especialistas devido à falta de evidências.[25]

  • Alguns pacientes com cirrose apresentarão hiperesplenismo, e podem não responder adequadamente à transfusão de plaquetas.[26]

  • Estando hemodinamicamente estabilizados, pacientes com hemorragia digestiva alta não varicosa podem ser submetidos à endoscopia.

Terapia antissecretora

  • Um inibidor da bomba de prótons (IBP) é necessário, e pode ser administrado por via intravenosa ou oral.[27][28][29][30] [ Cochrane Clinical Answers logo ] [Evidência C]​​ As opções intravenosas de IBPs incluem o omeprazol, o pantoprazol, o lansoprazol e o esomeprazol.

Terapia antiagregante plaquetária/anticoagulante

  • Uma revisão das diretrizes norte-americanas e internacionais conclui que os agentes de reversão dos anticoagulantes devem ser reservados para utilização apenas em cenários com risco à vida.[31]

  • Para os pacientes em uso de varfarina apresentando sangramento agudo, as diretrizes do American College of Gastroenterology (ACG) sugerem que não se administre plasma fresco congelado ou vitamina K; se necessário, eles sugerem concentrado de complexo protrombínico (recomendação condicional, evidência de certeza muito baixa).[32]

  • Para os pacientes em uso de anticoagulantes orais diretos, as diretrizes do ACG são contra a administração de concentrado de complexo protrombínico (recomendação condicional, evidência de certeza muito baixa).[32]

  • As diretrizes europeias e britânicas recomendam o seguinte:[33]

    • Suspender o anticoagulante oral e corrigir a coagulopatia de acordo com a gravidade da hemorragia e o risco trombótico do paciente; envolver um cardiologista/hematologista especialista e não adiar a endoscopia ou a intervenção radiológica (recomendação forte, evidência de baixa qualidade).

    • Administrar vitamina K intravenosa e concentrado de complexo protrombínico (CCP) de quatro fatores aos pacientes que fizerem uso de antagonistas da vitamina K que estiverem hemodinamicamente instáveis (recomendação forte, evidência de baixa qualidade). Utilizar plasma fresco congelado se o CCP não estiver disponível (recomendação fraca, evidência de qualidade muito baixa).

    • Considerar agentes de reversão nos pacientes com instabilidade hemodinâmica que tomarem anticoagulantes orais diretos (recomendação fraca, evidência de qualidade baixa a muito baixa).

    • Reiniciar a anticoagulação após a HDA aguda nos pacientes com indicação de anticoagulação em longo prazo (recomendação forte, evidência de baixa qualidade).

Endoscopia

  • Em cenários apropriados, a endoscopia pode ser usada para triagem dos pacientes no pronto-socorro e avaliar a necessidade de internação.[34][35][36]

  • Em geral, se possível, a endoscopia deve ser realizada em até 24 horas após a internação hospitalar, uma vez que o paciente esteja hemodinamicamente estável.[10][17]​​[27]​​​​​​[37][38][39][40]

  • As opções para hemorragia não relacionada a varizes incluem:[2][10][41]

    • Cauterização térmica (sondas aquecedoras, sondas bipolares, coagulação com plasma de argônio)

    • Clipes mecânicos (desde os pequenos clipes do sistema "through-the-scope" até os clipes do sistema "over-the-scope")

    • Injeção de soro fisiológico ou adrenalina diluída para induzir tamponamento juntamente com:

      • Outro esclerosante, ou

      • Cauterização, ou

      • Clipes

    • Pó hemostático aplicado na forma de spray para controlar o sangramento agudo, seguido por uma modalidade terapêutica adjuvante (por exemplo, terapia térmica ou mecânica) para oferecer uma hemostasia durável.[42][43] Pós hemostáticos estão disponíveis nos EUA e em algumas outras partes do mundo.[44][45][46][47][48]

  • As opções para hemorragia por varizes incluem:[20][49]

    • Ligação varicosa

    • Escleroterapia.

Hematêmese ou incapacidade de proteger as vias aéreas

  • Pacientes com hematêmese significativa contínua ou aqueles que não podem proteger as vias aéreas por qualquer motivo (hematêmese ativa, estado mental alterado etc.) e apresentam risco de aspiração devem ser considerados para intubação endotraqueal antes de serem submetidos à endoscopia.

HDA varicosa

  • Para hemorragia digestiva alta varicosa, o National Institute for Health and Care Excellence recomenda a administração por via intravenosa de terlipressina, um análogo de vasopressina, até que o sangramento seja interrompido, ou por um máximo de 5 dias, a menos que haja outra indicação.[9][50]​​ De forma alternativa, pode ser infundida octreotida ou somatostatina em bolus intravenoso, seguida por infusão intravenosa contínua por 2 a 5 dias.​​[20][51]​​​​​

  • A endoscopia digestiva alta deve ser realizada dentro de 24 horas para confirmar o diagnóstico e permitir o tratamento com ligadura varicosa ou escleroterapia endoscópicas.[40]

    • Em uma revisão sistemática, o momento da endoscopia (urgente [≤12 horas] ou não urgente [>12 horas]) não afetou a mortalidade ou a taxa de ressangramento em pacientes com hemorragia por varizes aguda.[52]

  • A anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular (TIPS) pode ser usada para tratar os pacientes com alto risco de insucesso na ligadura varicosa endoscópica ou ressangramento após uma hemostasia endoscópica bem-sucedida.[20][53]​​[54]

    • Um dispositivo de tamponamento com balão pode ser usado para controlar o sangramento até que o shunt seja colocado (sonda de Sengstaken-Blakemore para varizes esofágicas; balão de Linton-Nachlas para varizes gástricas).[36][53][54]

    • A TIPS é menos efetiva nos pacientes com varizes gástricas, em comparação com as varizes esofágicas, mas pode ser usada se houver influxo significativo da veia coronária e/ou complicações significativas devidaas à hipertensão portal.[36]

  • Os pacientes que têm cirrose e apresentam HDA apresentam aumento do risco de desenvolvimento de infecções bacterianas. Os antibióticos profiláticos reduzem o risco de infecção, hemorragia recorrente e morte, e devem ser administrados por até 7 dias, de acordo com os protocolos locais.​[20][36][53][54]​​​ BMJ: management of gastrointestinal bleeding Opens in new window

Consideração de eritromicina pré-endoscopia

  • A eritromicina estimula as contrações gástricas e pode promover a eliminação do conteúdo gástrico antes da endoscopia nos pacientes com hemorragia digestiva alta. Esses conteúdos podem incluir alimentos retidos e sangue líquido, bem como coágulos sólidos. A eliminação do conteúdo gástrico melhora a visualização durante a endoscopia digestiva alta.

  • A eritromicina não é recomendada para uso rotineiro porque não demonstrou melhorar os desfechos clínicos de forma consistente.[8][55][56]

  • No entanto, para os pacientes com suspeita de hemorragia aguda por varizes, a ESGE recomenda, na ausência de contraindicações, que a eritromicina intravenosa seja administrada de 30 a 120 minutos antes da endoscopia digestiva alta.[20]

  • A infusão intravenosa de eritromicina antes da endoscopia pode ser considerada para melhorar o rendimento diagnóstico e diminuir a necessidade de repetição da endoscopia, particularmente nos pacientes com HDA clinicamente grave ou ativa em curso.[10] Uma revisão sistemática revelou que a eritromicina pré-endoscopia pode melhorar a visualização da mucosa gástrica e reduzir ligeiramente a necessidade de transfusão sanguínea.[56]​ No entanto, não houve certeza sobre se ela teve algum efeito sobre a mortalidade, os ressangramentos ou os eventos adversos.[56] [ Cochrane Clinical Answers logo ] [Evidência C]

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