Abordagem
A avaliação da hematúria visível (macroscópica) exige anamnese e exame físico completos.[7][27] A urinálise é um componente crítico da investigação da hematúria visível e deve ser o exame inicial. É importante coletar uma amostra de urina nova, de jato médio ou através de cateterismo.
A presença de leucócitos, esterase leucocitária e nitritos indica um processo infeccioso que deve ser confirmado por cultura de urina e tratado com antibióticos. A urina deve ter testada novamente por urinálise, microscopia e cultura após a conclusão da antibioticoterapia para garantir a resolução da hematúria.[23] Investigações adicionais serão necessárias somente se houver persistência da hematúria após a conclusão da antibioticoterapia.
A presença de proteinúria significativa, cilindros eritrocitários e eritrócitos dismórficos exige uma consulta com nefrologista para investigação de um processo renal intrínseco. Pacientes mais velhos com hematúria visível e indolor devem ser considerados de alto risco para malignidade, devendo-se realizar uma citologia de urina.
Utiliza-se a creatinina sérica para avaliar a função renal basal e a adequação para estudos radiográficos que exijam contraste intravenoso. O hemograma completo é útil na avaliação de uma possível anemia e na presença de infecção. Exames de coagulação podem ser solicitados em caso de suspeita de coagulopatia.
Exames de imagem do trato urinário superior devem ser feitos logo após o exame laboratorial. A tomografia computadorizada é a modalidade preferencial de diagnóstico por imagem. Por fim, é necessário o encaminhamento a um urologista, para cistoscopia, a fim de se descartar patologia do trato urinário inferior. Deve-se conduzir investigações adicionais em todos os pacientes com hematúria confirmada e não explicada pelas causas acima.
História
Idade: pacientes com 35 anos de idade ou mais com hematúria visível têm maior risco de câncer do trato geniturinário e necessitam de avaliação completa.[1][2][3]
Sexo: a incidência de câncer do trato urinário é maior em homens que em mulheres.[28] As mulheres em pré-menopausa podem ter falsa hematúria causada por menstruação ou relação sexual recente.[29][30] As mulheres tendem a ter mais infecções do trato urinário que os homens. Gestantes com história de cesárea apresentam risco de placenta percreta. Mulheres jovens expostas a agentes emagrecedores contendo ácido aristolóquico integram uma população de risco especial para nefropatia (nefropatia por ácido aristolóquico [NAA]) e carcinoma urotelial do trato superior.[31]
Tempo de surgimento do sangue no fluxo de urina: o momento em que a hematúria surge durante a micção (inicial, terminal, total) é uma pista importante para a identificação da origem do sangramento.[32] O sangue que aparece no início do jato e depois desaparece é chamado hematúria inicial. A hematúria terminal ocorre no fim do jato. As hematúrias inicial e terminal representam sangramento na uretra, próstata, vesícula seminal ou colo vesical. A hematúria total, presente ao longo de todo o jato, indica sangramento na bexiga ou no trato superior (rim ou ureter).
Sintomas do trato urinário inferior: uma história pessoal de disúria, polaciúria, urgência e secreção uretral sugere um processo infeccioso ou inflamatório.[33] A hiperplasia prostática benigna (HPB) pode causar hematúria e sintomas urinários obstrutivos como hesitação urinária, esforço para urinar e sensação de esvaziamento incompleto. A estase urinária, causada por HPB grave, pode levar à infecção do trato urinário e à formação de litíase vesical.
Dor: a hematúria por si só não causa dor a não ser que esteja associada a inflamação ou obstrução urinária aguda.[6] A pielonefrite e a nefrolitíase renal podem manifestar-se como dor no flanco. A dor derivada de nefrolitíase muitas vezes se irradia para a virilha. A obstrução infravesical total ou intermitente por um coágulo ou uma litíase vesical pode apresentar-se como dor ou desconforto suprapúbico.
Atividade física intensa recente: pode causar hematúria autolimitada induzida por exercício, mas outras etiologias importantes devem ser descartadas.[29][30]
Mecanismos inflamatórios ou citotóxicos: deve-se pesquisar qualquer história de abuso de analgésicos.
Grau de terapia de anticoagulação: se apropriado, deve ser determinado.
Exposição a tabaco/substância química industrial (benzeno, aminas aromáticas): ligada a carcinomas uroteliais.[29][33]
Edema periférico e periorbital, ganho de peso, oligúria, urina escura ou hipertensão: sugerem uma causa glomerular.
Faringite ou infecção cutânea recente: podem sugerir glomerulonefrite pós-infecciosa.
Dores nas articulações, erupções cutâneas e febre baixa: sugerem doença vascular do colágeno ou lúpus eritematoso sistêmico.
História familiar: deve incluir história de nefrolitíase, câncer, aumento prostático, anemia falciforme, doença vascular do colágeno e doença renal.
Intervenções urológicas recentes: podem causar hematúria recorrente, por exemplo, cateterismo vesical, colocação de stent ureteral de demora ou biópsia recente da próstata.
Exposição a antibióticos nos últimos 12 meses: exposição a sulfonamidas, nitrofurantoína, fluoroquinolona, cefalosporina e penicilinas de amplo espectro está associada ao aumento do risco de nefrolitíase.[34]
Exame físico
Sinais vitais: hipotensão e taquicardia são observadas em pacientes hemodinamicamente instáveis em função de hemorragia recente. A temperatura corporal central pode estar elevada em caso de infecção.[33]
Palidez da pele e da conjuntiva: frequentemente observada em pacientes com anemia.
Edema periférico, periorbital e escrotal: pode indicar hipoalbuminemia causada por doença glomerular ou renal.
Caquexia: pode indicar malignidade.
Sensibilidade nos flancos ou ângulo costovertebral: pode ser causada por pielonefrite ou por massas em crescimento, como um tumor renal.
Sensibilidade suprapúbica: pode surgir em caso de cistite, seja ela causada por infecção, radiação ou medicamentos citotóxicos.[6]
A bexiga não é palpável ao ser descomprimida: uma bexiga com 200 mL de urina é percutível. Na retenção urinária aguda, geralmente observada em pacientes com HPB ou obstrução por coágulos, a bexiga é palpável e pode ser sentida até o nível do umbigo.[6]
Exame de toque retal anormal e nodular: pode significar adenocarcinoma prostático ou tumor da bexiga invasivo.[29] Uma próstata aumentada ou um lobo mediano aumentado é um sinal de hiperplasia prostática benigna.
Adenopatia palpável: supraclavicular ou inguinal, pode indicar processo neoplásico.
Presença de um cateter uretral, cateter suprapúbico, stent ureteral ou tubo de nefrostomia: pode significar uma causa iatrogênica de sangramento, geralmente benigna.
Avaliação laboratorial
A análise de urina com tira reagente deve ser realizada para urina escura ou colorida a fim de se distinguir a hematúria real da falsa, causada por medicamentos ou alimentos.[29] Exames falso-positivos podem ocorrer em caso de mioglobinúria ou hemoglobinúria, confirmada pela ausência de eritrócitos no exame microscópico.[29] Observa-se baixa densidade na urina pouco concentrada decorrente de doença renal intrínseca. Proteinúria intensa (>3 g/dia) sugere glomerulonefrite. A presença de nitrito ou esterase leucocitária pode indicar infecção.
A avaliação microscópica da urina confirmará a presença de eritrócitos ou cilindros. Quando há três ou mais eritrócitos por campo de grande aumento (em 2 de 3 amostras urinárias separadas), considera-se hematúria visível (microscópica).[35] A hematúria franca obscurecerá o exame microscópico com um campo cheio de eritrócitos, geralmente >150 eritrócitos/campo de grande aumento. Cilindros eritrocitários ou eritrócitos dismórficos indicam uma origem tubular/glomerular de sangramento. Bactérias, leucócitos e cilindros leucocitários indicam uma infecção do trato urinário. Cristais na urina indicam urolitíase.
Culturas de urina devem ser realizadas em pacientes cuja avaliação clínica sugira infecção do trato urinário, a fim de se identificar a causa, e os dados de sensibilidade utilizados para guiar a terapêutica antimicrobiana apropriada.[33] Culturas de urina devem ser realizadas com amostras de urina cateterizada ou de jato médio, para evitar resultados contaminados. Uma nova urinálise deve ser realizada 6 semanas após o tratamento.[23]
Citologia da urina deve ser solicitada a pacientes com quaisquer fatores de risco para carcinoma urotelial.[29][30] Esses fatores de risco incluem idade acima de 35 anos, história de tabagismo, exposição ocupacional a substâncias químicas ou tintas, episódios prévios de hematúria visível, história de sintomas miccionais primariamente irritativos, história de infecções recorrentes do trato urinário, abuso de analgésicos ou radiação pélvica prévia.[36] Carcinomas de células renais e cânceres de próstata não são detectados por esse teste.
Em casos de sangramento intenso, pode-se solicitar um hemograma completo para avaliar anemia. Leucocitose respalda um diagnóstico de infecção.
Creatinina sérica e taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) são úteis para avaliar a função renal.
Em geral, os estudos de coagulação não contribuem para a avaliação da hematúria, e deve-se conduzir investigações adicionais para determinar a causa do sangramento. A hematúria visível em pacientes anticoagulados significa, em geral, uma patologia subjacente.
Outros testes específicos podem incluir eletroforese da hemoglobina para o diagnóstico de doença falciforme ou medição dos níveis de complemento sérico para avaliação de patologia glomerular. Observam-se baixos níveis de complemento sérico na glomerulonefrite pós-infecciosa, nefrite lúpica, endocardite bacteriana e glomerulonefrite membranoproliferativa. Um título elevado de antiestreptolisina O sugere uma infecção por estreptococos recente.
O antígeno prostático específico pode ter um papel na avaliação do trato urinário inferior (por exemplo, câncer de próstata) como fonte de hematúria visível.[6][33]
Exames de imagem
Os estudos de imagem são uma parte essencial da avaliação da hematúria, e fornecem informações estruturais e funcionais sobre o parênquima renal e sobre o trato urinário superior. Muitas modalidades estão disponíveis para a visualização do trato urinário superior, incluindo a ultrassonografia (US), a urotomografia computadorizada (UTC), a tomografia computadorizada sem contraste (TCSC), a urografia por ressonância magnética (URM) e a urografia intravenosa (UIV; usada com menos frequência).[35][37]
Geralmente, a UTC é a modalidade de imagem de escolha, uma vez que oferece os melhores detalhes anatômicos e as maiores sensibilidades e especificidades para uma gama de etiologias.[15][35][38][39]
A UTC, comparada à UIV, tem maior capacidade de caracterização de massas renais e maior sensibilidade para a detecção de tumores uroteliais do trato superior.[40][41]
A UTC ideal consiste em 4 fases distintas: uma fase sem contraste, que estabelece a densidade inicial do tecido e revela litíases urinárias, gordura e hematomas; uma fase de realce arterial, que revela estruturas inflamatórias ou neoplásicas; uma fase corticomedular, que pode demonstrar alterações e danos no tecido renal; e uma fase excretora retardada, que permite a avaliação do urotélio dos ureteres e da bexiga.[42] Ao utilizar-se contraste para a avaliação de trauma, deve-se certificar-se de que há contraste suficiente para uma avaliação efetiva.
Antes da UTC, o médico deve avaliar a função renal do paciente, podendo solicitar uma creatinina sérica para descartar função renal prejudicada. O uso de contraste iodado é uma causa conhecida de insuficiência renal aguda em determinados pacientes, principalmente naqueles com insuficiência renal.[43] Os médicos devem ficar atentos a: riscos de reações graves ao contraste (que são raras mas bem documentadas); a dose de radiação ionizante liberada por cada modalidade de imagem, especialmente em casos de crianças ou gestantes.[44][45]
Para pacientes com contraindicações relativas ou absolutas para a UTC, a URM é uma abordagem de imagem alternativa.[35][46] A URM oferece uma visualização anatômica menos detalhada que a UTC, mas tem a vantagem de evitar a radiação ionizante.[47]
Se, pelas circunstâncias, não for possível utilizar a UTC nem a URM, uma combinação de TC sem contraste ou US renal com pielografia retrógrada (PGR) fornece uma avaliação alternativa do sistema urinário superior.[35]
A TCSC é a modalidade de exame de imagem preferida para a nefrolitíase. A TCSC pode detectar nefrolitíase com sensibilidade de 94% a 98%, em comparação a 52% a 59% da UIV.[48] Consequentemente, agora a UIV é raramente usada para essa indicação.
Caso sejam detectadas litíases urinárias em uma TC sem contraste, deve-se realizar uma radiografia simples do abdome (rins, ureteres, bexiga) para identificar a posição e a radiodensidade das litíases, anotando-as para acompanhamento futuro. Muitas vezes, deve-se realizar uma observação registrada (topograma) no momento da UTC, que pode servir para esse propósito.
Para pacientes com suspeita de câncer de próstata, a ressonância nuclear magnética (RNM) multiparamétrica é uma ferramenta útil para ajudar a selecionar homens para a biópsia e para identificar as áreas-alvo para a amostra de biópsia.[49][50] [
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Exames de cintilografia renal, arteriografias e cistouretrografias miccionais podem ser solicitados em caso de indicação clínica, mas não fazem parte da avaliação inicial.
Estudos especiais
Cistoscopia: durante um exame de cistoscopia, um cistoscópio rígido ou flexível é utilizado para avaliar o urotélio da bexiga, da próstata e da uretra. Os orifícios ureterais podem ser visualizados, e o sangramento no trato superior pode ser observado como um jato de urina sanguinolenta ou coágulo emanando dessas estruturas. Uma vez que o carcinoma urotelial pode surgir em qualquer porção da mucosa do trato urinário, é necessária a visualização completa da bexiga, dos divertículos vesicais e da uretra anterior e posterior.[51] Pode-se observar hipertrofia prostática, e varizes associadas, que podem causar sangramento, podem ser visualizadas. A cistoscopia flexível tem utilidade limitada na presença de sangramento urinário ativo.
Pielografia retrógrada (PGR): o contraste pode ser injetado em cada orifício ureteral para opacificar o espaço luminal do ureter e do rim. Para pacientes que não podem ser submetidos a urotomografia computadorizada (UTC) ou a urografia por ressonância magnética (URM), a PGR é uma alternativa.[30]
Biópsia renal: pode ser necessária para determinar a causa clínica renal de uma hematúria visível. Certos tipos de doença renal clínica, como a glomerulonefrite em crescente, podem progredir para insuficiência renal. Uma biópsia renal e uma consulta urgente podem ser necessárias. A biópsia renal também pode confirmar a presença e o tipo de câncer renal. Ela deve ser realizada antes das terapias ablativas para câncer renal e antes do tratamento sistêmico nos pacientes com doença renal metastática.[52]
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