Abordagem

O diagnóstico de demência é considerado primeiramente pela comparação do nível atual de capacidade cognitiva e funcional do paciente com o respectivo nível "inicial" ou pré-mórbido.[1] Caso seja notado um declínio significativo, o diagnóstico de demência poderá ser considerado por meio de anamnese, exame cognitivo, exame físico, exames laboratoriais e neuroimagem.[40] É também importante incluir uma revisão de medicamentos, pois alguns podem afetar adversamente a função cognitiva.[9]

História

O paciente, a família, os cuidadores e outras fontes de informantes confiáveis devem ser entrevistados para descobrir alterações na cognição, na função, na personalidade, nas habilidades da fala e no comportamento. Um início insidioso, com evolução lenta e progressiva (de meses a anos), é consistente com um processo degenerativo.[41] Uma alteração abrupta, um declínio gradativo ou um declínio cognitivo gradual após um ou mais eventos clínicos, como acidentes vasculares cerebrais (AVC), é sugestivo de uma causa do tipo vascular.[41] No entanto, AVCs pequenos não são reconhecidos com frequência. Uma evolução aguda (de dias a semanas) ou subaguda (de semanas a meses) pode sugerir a presença de uma infecção, um transtorno metabólico, uma lesão cerebral expansiva, efeitos de medicamentos, acidente vascular cerebral (AVC) ou hidrocefalia. A doença de Creutzfeldt-Jakob também pode ser considerada.[15] A deterioração rápida (de horas a dias) na função sugere um estado agudo de confusão mental ou delirium.[41]

Toda alteração na capacidade de lidar com as atividades da vida diária (comer, tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro, locomover-se - isto é, caminhar - e continência) ou com as atividades instrumentais da vida diária (arrumar a casa, cozinhar, limpar, fazer compras, cuidar do dinheiro, gerenciar os medicamentos, usar o telefone e usar transportes) fornece pistas importantes para o diagnóstico e a classificação da doença.[42] Uma deterioração geral em todas as áreas pode indicar um processo degenerativo difuso, como doença de Alzheimer, enquanto um declínio desproporcional em apenas uma área pode sugerir uma causa mais focal, como tumor, AVC ou demências frontais.

História familiar, uso de drogas, história médica pregressa de doença sistêmica, ou fatores de risco para AVC (história pregressa de AVC, ataques isquêmicos transitórios, hipertensão, doença arterial coronariana e fibrilação atrial) podem estar presentes. Uma pressão arterial sistólica ≥130 mmHg aos 50 anos, abaixo do limite convencional ≥140 mmHg usado para definir hipertensão, está associada a um aumento do risco de demência, independente de doença cardiovascular.[43] É importante se fazer uma avaliação detalhada do uso de álcool, particularmente nos pacientes idosos com comprometimento cognitivo leve.[44]

Uma investigação sobre uma história da doença de Parkinson é importante porque a demência não é incomum em pacientes que sofrem dessa doença, com uma taxa de prevalência de aproximadamente 80% após uma duração de 10 anos ou mais da doença.[45]

Alguns pacientes com demência vascular apresentam sintomas neurológicos transitórios, uma história de anormalidades da marcha e incontinência durante a avaliação inicial.

Pacientes com hidrocefalia de pressão normal (HPN) podem descrever distúrbios pronunciados da marcha acompanhados de incontinência urinária e declínio cognitivo.[46][47][48]

Exame cognitivo

Recomenda-se fazer um rastreamento cognitivo nos idosos com história de delirium, depressão, diabetes, doença de Parkinson ou perdas funcionais inexplicáveis recentes.[12][49] A US Preventive Services Task Force revelou evidências insuficientes para avaliar o equilíbrio entre benefícios e danos para adultos residentes na comunidade assintomáticos ≥65 anos.[50]

O MEEM (Miniexame do Estado Mental) de Folstein ainda é o exame de rastreamento cognitivo mais amplamente usado.[51] Uma pontuação <24 de 30 pontos possíveis é amplamente aceita para indicar um resultado anormal. Entretanto, outros autores sugerem que um corte de <21 indica probabilidade elevada de declínio cognitivo, enquanto uma pontuação ≥25 reduz a probabilidade de comprometimento cognitivo. Pontuações intermediárias entre 21 e 25 são menos úteis para determinar a probabilidade da doença.[6] Pacientes com pontuações entre 21 e 25 podem ser considerados para reavaliação dentro de 3 a 6 meses.

O MEEM às vezes não é sensível o suficiente para detectar comprometimento cognitivo leve (CCL).[52] Esses pacientes geralmente são mais jovens e têm um nível educacional alto. Além disso, o MEEM é incapaz de detectar totalmente o declínio progressivo em demências graves, nem prejuízos causadas por lesões neurológicas focais.[53][54] Por esses motivos, o exame cognitivo sempre deve ser correlacionado com a história e o declínio em relação ao nível inicial de capacidade funcional.[55][56][57] O teste de associação visual (TAV) mostrou um valor incremental substancial para identificar as pessoas com aumento do risco de desenvolver demência em pacientes com pequeno declínio no MEEM ao longo de um período de dois anos.[58]

Embora muitas outras escalas, como a Seção Cognitiva da Escala de Avaliação da Doença de Alzheimer (ADAS-cog), a Escala de Classificação de Demência de Mattis (MDRS), a Avaliação Cognitiva de Montreal (MoCA) ou o questionário AD-8 tenham desenvolvido ferramentas de rastreamento para pacientes com comprometimento cognitivo, uma revisão indica que nenhuma escala é superior às outras em termos de precisão diagnóstica.[59] Uma revisão Cochrane constatou que não há evidências suficientes para recomendar o Mini-Cog como uma ferramenta de rastreamento para demência nas unidades de atenção secundária.[60][61] [ Cochrane Clinical Answers logo ] No Reino Unido, os testes cognitivos alternativos incluem o teste de comprometimento cognitivo de 6 itens e o teste General Practitioner Assessment of Cognition (GPCOG).[9][62]

O uso de questionários padronizados de avaliação funcional para complementar o exame cognitivo ajuda a diferenciar pacientes com fase precoce da demência de pacientes com CCL.[63]

O processo diagnóstico pode ser complementado com exames neuropsicológicos. Se o paciente tiver sofrido algum declínio cognitivo, com base na história, com boa preservação das atividades funcionais, então o paciente poderá ser descrito como tendo um CCL.[11]

Durante o processo de diagnóstico e no acompanhamento, o paciente deve também ser avaliado quanto a comorbidades clínicas e psicológicas.[9]

Exame físico

Achados no exame neurológico podem ser úteis no diagnóstico diferencial de demência. Entretanto, os achados podem ser inespecíficos, mesmo na presença de um tumor cerebral ou de outras lesões focais e estruturais.

  • Exame dos nervos cranianos: pacientes com demência vascular podem apresentar deficits no campo visual. A evidência de ataxia, nistagmo e paralisia do olhar conjugado pode sugerir demência subjacente relacionada a bebidas alcoólicas. Em casos avançados de demência, a paralisia pseudobulbar (riso ou choro involuntário) pode manifestar-se.

  • Exame motor: pacientes com demência vascular podem apresentar hemiparesia. Embora sinais extrapiramidais isolados ocorram tanto na doença de Alzheimer quanto no envelhecimento normal (por exemplo, hipomimia facial, tremor em repouso), condições como rigidez, bradicinesia e fala e postura anormais (especialmente combinadas) são muito menos comuns em idosos saudáveis.[64]

  • Exame sensitivo: achados sensoriais (como neuropatia periférica) podem implicar uma deficiência nutricional subjacente ou uma condição metabólica ou tóxica.

  • Coordenação e marcha: alguns pacientes com demência vascular apresentam anormalidades temporárias da marcha. Anormalidades da marcha, sensibilidade vibratória ou posicional comprometida, espasticidade e parestesias podem ser encontradas nos pacientes com deficiência de vitamina B12. Os pacientes com hidrocefalia de pressão normal (HPN) podem apresentar um distúrbio pronunciado da marcha.[46][47][48]

  • Reflexos: na fase precoce da doença de Alzheimer, geralmente os achados em exames são normais, embora reflexos primitivos (glabelar, de preensão e do focinho) possam estar presentes.[65] Pacientes com demência vascular podem revelar reflexos assimétricos no tendão flexor profundo, um reflexo cutâneo-plantar em extensão unilateral, ou deficits no campo visual. A doença de Creutzfeldt-Jakob é sugerida na presença de mioclonia generalizada (como uma resposta de sobressalto exagerada) e de disfunções motoras.[15]

  • Audiometria: a perda auditiva por disfunção auditiva central (ou seja, identificação de sentenças sintéticas com mensagem competitiva) reflete processamento cortical anormal e é mais comum nos casos de demência leve que na presbiacusia, uma forma de perda auditiva comum em idosos saudáveis.[66]

  • Exame cardiovascular: em pacientes com demência vascular, pode haver hipertensão, disritmias (por exemplo, fibrilação atrial), doença vascular periférica (como sopros carotídeos), valvopatia ou insuficiência cardíaca congestiva.

Avaliação psiquiátrica

O humor, o afeto, o processo de pensamento e o conteúdo do pensamento devem ser avaliados porque a depressão e outros transtornos psiquiátricos podem comprometer a função cognitiva. A retração social, a paranoia e a ansiedade são sinais frequentes e precoces da doença de Alzheimer.[67]

A depressão e os delírios são comuns em pacientes com demência vascular, e a "incontinência emocional", como ampla labilidade humoral, pode ser encontrada em estágios avançados.[68]

Alterações da personalidade, comportamentos desinibidos, retração social e falta de crítica geralmente são encontrados nos estágios iniciais da doença de Pick.

Os sintomas afetivos e psicóticos não são incomuns em pacientes com a doença de Parkinson que estejam desenvolvendo um transtorno demencial.[45]

Quando há suspeita de sintomas psiquiátricos e/ou comportamentais, podem ser usadas escalas padronizadas, como a Escala de avaliação de comportamentos patológicos na doença de Alzheimer (Behave-AD), o Inventário Neuropsiquiátrico (INP) e o Inventário de Agitação Cohen-Mansfield (CMAI). Instrumentos desenvolvidos especificamente para medir sintomas depressivos e para a síndrome da apatia no paciente com demência incluem a Escala Cornell de Depressão na demência, a escala EURO-D para depressão e o inventário de apatia.

A avaliação de pacientes com distúrbios comportamentais inclui não apenas a avaliação objetiva do perfil cognitivo e comportamental, mas também o estado do funcionamento global.[69] O uso de escalas neurocomportamentais padronizadas ajudará qualificar e quantificar esses sintomas e comportamentos com base no tipo de demência, propiciando planos de tratamento otimizados.[70]

Exame neuropsicológico

Os exames neuropsicológicos são recomendados quando há suspeita clínica de demência, mas os resultados da avaliação inicial são equivocados ou o diagnóstico não é claro. Eles podem ser úteis para distinguir depressão de demência, bem como um processo difuso de um processo focal. Em alguns casos, os exames neuropsicológicos podem oferecer um relatório detalhado para consolidar sintomas de alterações do pensamento observados nas demências, e podem apontar para uma região específica do cérebro afetada pelo processo (por exemplo, o lobo frontal).

Os exames podem fornecer dados adicionais quando é necessário tomar decisões sobre a capacidade de dirigir veículos, exercer determinados cargos, segurança e competência.[71]

Estudos do funcionamento basal são importantes para determinar o prognóstico e avaliar a resposta aos medicamentos.

Em muitos casos, essas avaliações mais exaustivas não são necessárias. Quando elas se tornam realmente necessárias, dados normativos sobre os exames neuropsicológicos comumente usados estão disponíveis para avaliar o desempenho em pacientes idosos (até 100 anos de idade).[72]

Avaliação laboratorial

Não há exames laboratoriais capazes de comprovar a presença de demência. Os exames laboratoriais são realizados para encontrar causas reversíveis ou parcialmente reversíveis de demência.

Em uma série publicada, 5% de pacientes ambulatoriais idosos com suspeita de demência apresentavam anormalidades metabólicas subjacentes (hipotireoidismo em 3%, hiperparatireoidismo, hiponatremia ou hipoglicemia) consideradas fatores desencadeantes ou agravantes para o comprometimento cognitivo.[73]

A seguir estão os exames iniciais em todos os pacientes:

  • Perfis bioquímicos séricos (que incluam glicose, sódio, potássio, cloreto, bicarbonato, ureia e creatinina)

  • Hemograma completo com diferencial

  • Hormônio estimulante da tireoide

  • Nível de cobalamina

  • Nível de folato

  • Velocidade de hemossedimentação (anormal >25 mm/hora ou idade em anos + 10 [se mulher] dividida por 2)

  • proteína C-reativa

  • Urinálise

  • Microscopia e cultura de urina

  • Radiografia torácica.

Os exames a seguir também devem ser considerados:

  • Glicemia em jejum (se a glicemia aleatória for anormal ou equivocada)

  • Exames de vírus da imunodeficiência humana (HIV) em pacientes de risco

  • Painel toxicológico da urina (para opiáceos, benzodiazepínicos, canabinoides e cocaína)

  • Perfil vascular do colágeno (se houver evidência de envolvimento vascular sistêmico)

  • Urinálise para metais pesados em pacientes considerados de risco pela história (ou seja, suspeita de envenenamento, exposição social a chumbo)

  • Venereal Disease Research Laboratory (VDRL) do íquido cefalorraquidiano, seguido de teste de absorção do anticorpo treponêmico fluorescente, se indicado, para suspeita de neurossífilis.[74]

Neuroimagem

Apesar da relativa raridade das afecções intracerebrais, como tumor, hematoma ou hidrocefalia, estudos de imagem estrutural devem ser realizados porque essas lesões são facilmente detectadas e frequentemente tratáveis.[75]​ A neuroimagem também pode ser usada para melhorar o valor preditivo positivo ou negativo no diagnóstico das causas mais comuns de demência.[75]

Para avaliar a progressão e identificar pacientes com comprometimento cognitivo leve (CCL) progressivo, vários métodos de exames de imagem não invasivos estão disponíveis; entretanto, não há consenso sobre aquele que seja o ideal. Tomografia computadorizada (TC) cranioencefálica e/ou ressonância nuclear magnética (RNM) cranioencefálica são as principais modalidades.[75]​ A RNM é mais sensível que a TC para avaliar atrofia, lesões vasculares e lesões adjacentes ao osso, mas a utilidade clínica desses achados na avaliação da maioria dos casos de demência não é clara.

A tomografia com emissão de pósitrons (PET) com fluordesoxiglucose (FDG) é um suplemento útil às técnicas atuais de vigilância, com uma acurácia preditiva superior à de uma tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) ou RNM.[76]

O PET do amiloide mostrou resultados promissores para a formulação de diagnósticos mais precoces e mais precisos da demência de Alzheimer.[77]

Análise do líquido cefalorraquidiano (LCR)

A análise bioquímica, imunológica, microbiológica ou citológica do líquido cefalorraquidiano (LCR) pode ser considerada nas seguintes situações:

  • Transtornos demenciais de início agudo ou subagudo (especialmente em pacientes com febre ou rigidez da nuca)

  • Manifestações iniciais atípicas ou rapidamente progressivas

  • Demência em pessoas <55 anos de idade

  • Suspeita de sífilis

  • Suspeita de infecção ou de lesão maligna do sistema nervoso central (SNC)[15]

  • Pacientes com evidência de hidrocefalia[78]

  • Doença de Creutzfeldt-Jakob[79]

  • Imunossupressão

  • Doença desmielinizante

  • Vasculite (por exemplo, na presença de doença do tecido conjuntivo).

Os pacientes devem ser avaliados para pressão intracraniana elevada antes de se realizar uma punção lombar.

Eletroencefalograma (EEG)

Em geral, o EEG tem utilidade limitada na avaliação de demência. A lentificação generalizada do ritmo de fundo no EEG é um achado frequente na demência de Alzheimer e na demência com corpos de Lewy, e pode ser útil para distinguir esses pacientes daqueles com depressão.

O EEG pode ser usado em casos de demência nos quais há forte suspeita clínica de um transtorno atípico (por exemplo, a doença de Creutzfeldt-Jakob, em que um achado característico do EEG pode ajudar no diagnóstico.

Consultas com especialistas

O encaminhamento em tempo hábil para um especialista em demência ou doenças neurodegenerativas facilita a classificação da demência e do tratamento farmacológico, se apropriado. Dados disponíveis indicam que os médicos de atenção primária identificam corretamente esses pacientes com comprometimento cognitivo leve (CCL) e demência leve em menos da metade das vezes.[80]

A avaliação do especialista em neurologia também pode ser considerada para pacientes que tenham comprometimento cognitivo de início recente (<12 meses), quando manifestações atípicas (por exemplo, acidentes vasculares cerebrais [AVCs], convulsões ou achados neurológicos focais) estiverem presentes, quando houver suspeita clínica de perda de memória ou demência, mas os exames cognitivos mostrarem achados normais, ou quando o diagnóstico não for claro.

O uso de diretrizes para o diagnóstico da doença de Alzheimer, como a EFNS (European Federation of Neurological Societies), melhora a precisão diagnóstica.[81] Diretrizes práticas podem ajudam médicos de atenção primária, que geralmente são os primeiros clínicos a avaliar indivíduos com problemas cognitivos, a diagnosticar corretamente indivíduos com demência.[8]

Teste genético

O teste genético é apropriado para pacientes com disfunção cognitiva que tenham uma história familiar documentada de demência e que solicitam esse exame.[82]

Confirmação de diagnóstico

O diagnóstico de demência é confirmado pela avaliação neuropatológica do cérebro post mortem. O National Institute on Aging-Alzheimer’s Association publicou diretrizes atualizadas para a avaliação neuropatológica da doença de Alzheimer.[83]

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