Abordagem

Os pacientes hemodinamicamente instáveis requerem cardioversão sincronizada urgente. Pacientes hemodinamicamente estáveis podem ser tratados com terapia farmacológica; no entanto, a cardioversão (elétrica ou farmacológica) é uma opção em pacientes que não respondam a medicamentos para o controle da frequência cardíaca. Pacientes com flutter atrial recorrente, ou aqueles que não respondam a cardioversão eletiva, podem precisar de ablação por cateter do istmo cavotricuspídeo. Anticoagulação e tratamento de qualquer processo de doença coexistente são terapias adjuvantes importantes em todos os pacientes.

Pacientes hemodinamicamente instáveis

Se o flutter atrial estiver associado a um colapso hemodinâmico agudo com hipotensão sintomática, insuficiência cardíaca congestiva evidenciada por edema pulmonar e/ou níveis séricos elevados do peptídeo natriurético do tipo B ou isquemia miocárdica (alterações isquêmicas agudas no ECG, angina), é indicado realizar cardioversão sincronizada por corrente contínua (CC) emergencial.[6][21]​ Em geral, este ritmo é cardiovertido com sucesso por meio de choques monofásicos usando-se uma energia <50 J, embora choques iniciais de energia mais alta sejam indicados para o tratamento emergencial e possam ser necessários para cardioversões eletivas.[4]​Para os pacientes com instabilidade hemodinâmica, o início da anticoagulação não deve protelar a cardioversão por corrente contínua (CC).[20]

Hemodinamicamente estável: controle da frequência

Mais comumente, os pacientes com flutter atrial apresentam bloqueio da condução atrioventricular (AV) 2:1 ou de graus mais altos e são, assim, hemodinamicamente estáveis. Em cerca de 60% dos pacientes, o flutter atrial ocorre como parte de um processo de doença agudo.[5] Quando o processo subjacente é resolvido, o ritmo sinusal geralmente é restabelecido e a terapia crônica não é necessária.

Os agentes bloqueadores do nó AV (por exemplo, betabloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio e amiodarona) são considerados como terapia de primeira linha para o controle de frequência cardíaca no cenário agudo imediato.[6][8]​​ Os betabloqueadores são indicados para controle da frequência nos pacientes com flutter atrial que compliquem síndromes coronarianas agudas para reduzir as demandas miocárdicas de oxigênio.[6]​​ Betabloqueadores devem ser usados com cautela em pacientes com DPOC ou asma, pois podem provocar broncoespasmo; bloqueadores de canais de cálcio são preferidos se a doença pulmonar crônica também estiver presente. Os bloqueadores dos canais de cálcio são geralmente contraindicados ou usados com extrema cautela em pacientes com insuficiência cardíaca.[8]​ A amiodarona intravenosa é útil para controle agudo da frequência ventricular (na ausência de pré-excitação) nos pacientes com flutter atrial e insuficiência cardíaca sistólica quando os betabloqueadores forem contraindicados ou inefetivos.[8]

O controle adequado da frequência cardíaca é mais difícil no flutter atrial que na fibrilação atrial. Contudo, a maioria dos ensaios clínicos randomizados e controlados com agentes de bloqueio AV nodal não relata dados de flutter atrial isoladamente, mas sempre de grupos combinados de pacientes com fibrilação atrial e/ou flutter atrial.[4] Além disso, com a redução da frequência atrial pode advir uma condução AV rápida 1:1, especialmente com antiarrítmicos de classe Ic na ausência de agentes bloqueadores do nó AV.[4][7][8]​​Por exemplo, o flutter atrial com uma frequência de 300 bpm que conduza 2:1 resultará em uma frequência ventricular de 150 bpm. Um antiarrítmico que reduza a frequência do flutter para 200 bpm pode permitir uma condução nodal AV 1:1 na ausência de bloqueadores nodais AV resultando, assim, em uma frequência ventricular potencialmente perigosa do ponto de vista clínico de 200 bpm.

Hemodinamicamente estável: cardioversão ou marca-passo

Se o ritmo persistir apesar da terapia farmacológica e do tratamento da causa subjacente (ou na ausência de uma causa reversível), em geral é preferível fazer uma cardioversão sincronizada, tanto porque o flutter atrial é extremamente responsivo à cardioversão elétrica quanto porque é relativamente difícil controlar cronicamente a frequência cardíaca.[4]​​​​​[8][20]​​​ A taxa de sucesso da cardioversão externa por CC, usando 5 a 50 J de energia, é de 95% a 100%.[22][23][24]​ Quantidades menores têm maior sucesso com ondas bifásicas do que com as monofásicas. Mas pode ser necessário usar energias mais altas.[21][22][23][24]

Os agentes de controle de frequência cardíaca devem ser mantidos antes da cardioversão e descontinuados quando o ritmo sinusal for restabelecido. Entretanto, eles podem ser continuados para evitar a frequência ventricular rápida no caso de recorrência. Pode ser necessário reduzir a posologia após a cardioversão se houver bradicardia ou hipotensão.

A estimulação atrial rápida é útil para a conversão aguda do flutter atrial em pacientes com fios de marca-passo como parte de um marca-passo permanente ou um cardioversor-desfibrilador implantável, ou para estimulação atrial temporária após cirurgia cardíaca.[4]

A decisão de realizar uma ecocardiografia transesofágica antes da cardioversão (tanto elétrica quanto química) para avaliar trombo atrial esquerdo ou no apêndice deve seguir as recomendações para fibrilação atrial.[20]

Hemodinamicamente estável: cardioversão farmacológica

Se o flutter atrial persistir apesar da resolução da causa aguda e a cardioversão elétrica não estiver disponível ou não for aceitável para o paciente, pode-se tentar a cardioversão farmacológica se o paciente apresentar intervalo QT normal e ausência de cardiopatia estrutural. Ela também é uma opção quando a sedação não é tolerada ou não está disponível.

A ibutilida intravenosa é o agente de escolha para cardioversão farmacológica; porém, a dofetilida oral também pode ser usada.[4] A dofetilida é contraindicada em pacientes com síndrome do QT longo, prolongamento do QT, insuficiência renal e torsades de pointes. Ela requer monitoramento especializado com o paciente internado e deve ser iniciada somente por um médico experiente em seu uso.

A cardioversão farmacológica é menos efetiva que a cardioversão sincronizada, com potencial para ser pró-arrítmica. A taxa de sucesso é de 38% a 76% para conversão do flutter atrial para ritmo sinusal, com tempo médio até a conversão relatado como sendo de 30 minutos naqueles que respondem. A pró-arritmia ventricular, especificamente a taquicardia ventricular polimórfica sustentada, ocorre a uma taxa de 1.2% a 1.7%.[25][26][27][28] Por essa razão, esses medicamentos não devem ser administrados às pessoas que têm cardiopatia estrutural grave e intervalo QT prolongado.

O principal risco associado à cardioversão farmacológica é o torsade de pointes. Pacientes com redução da fração de ejeção do ventrículo esquerdo são os de maior risco. O pré-tratamento com magnésio pode reduzir o risco de torsades de pointes. É necessário monitoramento contínuo por ECG durante a administração desses agentes e por pelo menos 4 horas após a conclusão da terapia (ibutilida) ou pelo menos 3 dias (ou 12 horas após a conversão para ritmo sinusal, o que for maior) após a conclusão da terapia (dofetilida).

Agentes de classe Ic intravenosos e sotalol oral têm eficácia relativamente baixa na conversão aguda, estão associados a efeitos adversos significativos e não são recomendados.[4]

A decisão de realizar uma ecocardiografia transesofágica antes da cardioversão (tanto elétrica quanto química) para avaliar trombo atrial esquerdo ou no apêndice deve seguir as recomendações para fibrilação atrial.[20]

Flutter atrial recorrente ou refratário: ablação por cateter

A ablação por cateter do istmo cavotricuspídeo (ICT) é útil em pacientes com flutter atrial sintomático ou refratário ao controle farmacológico de frequência cardíaca, pacientes nos quais pelo menos um antiarrítmico não é bem-sucedido, pacientes que desenvolvem flutter atrial como resultado da terapia antiarrítmica para fibrilação atrial e pacientes com flutter atrial recorrente.

A ablação por cateter tem uma indicação classe I nos seguintes cenários clínicos:[4][6][29]

  • Sintomático ou refratário ao controle farmacológico de frequência cardíaca

  • Flutter dependente do ICT sintomático recorrente após falha de pelo menos um agente antiarrítmico

  • Episódios sintomáticos recorrentes de flutter não dependente de ICT em centros especializados de ablação por cateter

  • Flutter atrial persistente ou associado a cardiomiopatia mediada por taquicardia com função do ventrículo esquerdo reduzida.

Indicações (classe II) razoáveis incluem:

  • Flutter atrial dependente do ICT que ocorre como resultado do uso de flecainida, propafenona ou amiodarona para o tratamento da fibrilação atrial

  • Pacientes submetidos à ablação por cateter de fibrilação atrial que também têm uma história de flutter atrial dependente do ICT clínico ou induzido documentado

  • Terapia primária de flutter não dependente do ICT sintomático recorrente antes de tentativas terapêuticas de antiarrítmicos após ponderar com cuidado os possíveis riscos e benefícios das opções de tratamento

  • Pacientes assintomáticos com flutter atrial recorrente

  • Primeiro episódio de flutter atrial típico sintomático.

A ablação por cateter é eficaz em manter o ritmo sinusal no flutter atrial típico no qual o ICT é parte fundamental do circuito arrítmico. Essa técnica invasiva envolve uma abordagem venosa femoral. A ablação por cateter acontece no istmo, entre a veia cava inferior e o anel tricúspide, usando orientação fluoroscópica ou um sistema de mapeamento eletroanatômico tridimensional. Então aplica-se energia de radiofrequência para criar uma linha de ablação do anel tricúspide para a veia cava inferior.

A taxa de sucesso do tratamento do flutter atrial típico é alta e foi relatada como sendo de 92% para o primeiro procedimento e 97% para procedimentos múltiplos.[8][29][30][31] O flutter atípico é mais difícil de ser eliminado, especialmente quando associado a cardiopatia congênita. Nessas situações, deve-se considerar o encaminhamento a um centro especializado.

Flutter atrial recorrente ou refratário: terapia antiarrítmica em longo prazo

Geralmente não é necessário tratamento farmacológico crônico. Em 60% dos casos, o flutter atrial surge no quadro de uma causa desencadeadora e, uma vez resolvido o processo agudo, o ritmo sinusal é restabelecido.[5]

A maioria dos estudos que avaliam a terapia antiarrítmica em longo prazo agrupou os pacientes que têm flutter atrial com os que apresentam fibrilação atrial. Sendo assim, as taxas exatas de eficácia são difíceis de serem determinadas, mas ficam, provavelmente, em torno de 50% para os antiarrítmicos classe I.[4]

A escolha do antiarrítmico depende da presença ou ausência de cardiopatia subjacente e outras comorbidades. As opções incluem amiodarona, dofetilida, solatol, flecainida e propafenona.

Os agentes nodais AV, como os betabloqueadores ou bloqueadores de canais de cálcio, devem ser usados em conjunto com medicamentos classe Ic (por exemplo, flecainida, propafenona), devido à preocupação com a redução da frequência do flutter atrial e a resultante condução AV 1:1 a frequências altas. No entanto, os medicamentos classe Ic são contraindicados nos pacientes com cardiopatia estrutural.

Os agentes classe III, como dofetilida, solatol e amiodarona oral, resultaram na manutenção do ritmo sinusal em 73% dos pacientes com flutter atrial.[4] Em geral, a amiodarona é menos efetiva que a dofetilida; porém, ela é menos pró-arrítmica que outros antiarrítmicos e relativamente segura em pacientes com cardiopatia estrutural.[32] A dofetilida é contraindicada em pacientes com síndrome do QT longo, prolongamento do QT, insuficiência renal e torsades de pointes. É necessário monitoramento contínuo por ECG durante a administração e por pelo menos 3 dias (ou 12 horas após a conversão para ritmo sinusal, o que for maior) após a conclusão da terapia. Ela só deve ser iniciada por um médico experiente em seu uso. O sotalol apresenta propriedades de betabloqueador classe II e classe III permitindo, portanto, o controle da frequência cardíaca.

Terapia anticoagulante

As diretrizes para profilaxia tromboembólica no flutter atrial são as mesmas que as para fibrilação atrial.​​​​[8]​​​​[20][33][34][35]

A escolha da terapia para redução do risco de AVC deve ser orientada pelo risco de AVC do paciente, pelo risco de sangramento com a terapia e pelas preferências individuais.[20] As ​diretrizes da American Heart Association (AHA) e da European Society of Cardiology (ESC) enfatizam uma abordagem baseada nos fatores de risco usando um escore de risco clínico validado, como o escore CHA2DS2-VASc.[8][20] [ Escore de fibrilação atrial CHA(2)DS(2)-VASc para o risco de AVC Opens in new window ] ​​​​​​​​ O escore CHA2DS2-VASc é considerado o escore mais validado; no entanto, novas calculadoras online para escores de risco, como a ATRIA (Anticoagulation and Risk Factors in Atrial Fibrillation) e a GARFIELD (Global Anticoagulant Registry in the Field-Atrial Fibrillation), em comparação com o CHA2DS2-VASc, podem melhorar levemente a diferenciação entre os riscos alto e baixo e oferecer possíveis vantagens para populações específicas.[20]​ O escore HAS-BLED pode ser usado para avaliar o risco de sangramento.​[20] [ Escore de risco de sangramento HAS-BLED Opens in new window ] ​​​

Estudos observacionais demonstraram que há um risco de 1.7% a 7% de embolização durante a cardioversão do flutter atrial.[36] O tratamento com anticoagulação antes da ablação deve ser realizado de maneira similar àquele anterior à cardioversão para fibrilação atrial. A anticoagulação após a ablação por cateter para flutter atrial deve seguir a mesma abordagem daquela que segue a ablação por fibrilação atrial. A incidência de trombo ou de material ecodenso nos átrios de pacientes que apresentam flutter atrial e que não são anticoagulados varia de 0% a 34% e aumenta com um flutter atrial que tenha duração de mais de 48 horas.[37] Também foi documentado que o atordoamento mecânico do átrio permanece por várias semanas após a cardioversão.[38]

As principais opções de anticoagulação são um antagonista da vitamina K, como a varfarina, ou um anticoagulante oral direto (AOD), como a dabigatrana (um inibidor direto da trombina), a rivaroxabana, a apixabana ou a edoxabana (inibidores diretos do fator Xa). Tanto os antagonistas da vitamina K quanto os AODs são aprovados como agentes eficazes na prevenção do AVC nesta população de pacientes.[20]​ Em pacientes candidatos para anticoagulação e que não apresentam estenose mitral reumática moderada-grave ou valva mecânica cardíaca, recomendam-se os AODs em vez da varfarina para reduzir o risco de mortalidade, AVC, embolia sistêmica e hemorragia intracraniana.[20]​ Embora faça sentido usar AODs como agentes de primeira linha ou como substitutos subsequentes da varfarina em pacientes com flutter atrial, a varfarina continua sendo a terapia de primeira linha em pacientes com FA e estenose mitral reumática moderada-grave ou valvas mecânicas cardíacas.[20]

Os AODs são recomendados em lugar da varfarina em pacientes elegíveis (isto é, pacientes que não tenham estenose mitral moderada a grave ou uma valva cardíaca mecânica).[20]​​​​​​​ A ponte com um anticoagulante parenteral não é necessária ao se iniciarem AODs para esta indicação. Os AODs não requerem monitoramento da atividade anticoagulante; porém, devem ser usados com cautela em pacientes com insuficiência renal, podendo ser necessário um ajuste da dose.​ Em caso de sangramento importante, os efeitos da dabigatrana podem ser revertidos com idarucizumabe; já para reversão da apixabana, rivaroxabana ou edoxabana, pode-se usar a alfa-andexanete (fator Xa de coagulação recombinante).[20]

A edoxabana não deve ser usada nos pacientes com um clearance da creatinina >95 mL/minuto por causa de um aumento do risco de AVC isquêmico.[20]​​ A anticoagulação inicial com heparina de baixo peso molecular (HBPM) subcutânea ou heparina não fracionada intravenosa pode ser necessária para pacientes que apresentam flutter atrial agudo, dependendo da avaliação completa e da seleção da terapia antitrombótica continuada; as recomendações variam de acordo com a duração dos sintomas e o momento da cardioversão.​

A varfarina é uma alternativa à terapia com AOD indicada para determinados pacientes (por exemplo, pacientes com valvas mecânicas cardíacas, estenose mitral reumática clinicamente significativa). A heparina não fracionada intravenosa ou HBPM subcutânea devem ser continuadas até que um INR de 2-3 seja alcançado com a terapia com varfarina (terapia-ponte).[20]

Se não houver fatores de risco para AVC, a aspirina, isolada ou combinada com clopidogrel, não é recomendada para reduzir o risco de AVC ou prevenir eventos tromboembólicos.[20]

A anticoagulação deve ser estabelecida antes da cardioversão e mantida por, pelo menos, 4 semanas após a cardioversão, podendo ser necessária por mais tempo em alguns pacientes.[20]

Para obter mais recomendações detalhadas sobre anticoagulação, veja Novo episódio de fibrilação atrial.

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