Abordagem

A avaliação de mulheres com sangramento uterino anormal requer uma história médica e um exame físico, além de exames laboratoriais e estudos conforme necessários.[23]

História

A história menstrual deve incluir perguntas sobre:[24]

  • Frequência (≥24 e ≤38 dias é considerada normal)

  • Duração (≤8 dias é considerada normal)

  • Regularidade (±4 dias de variação na duração do ciclo é considerada normal). Ciclos irregulares podem indicar disfunção ovulatória.

  • Sangramento volumoso, excessivo, que interfere na qualidade de vida física, social, emocional e/ou material da mulher, é denominado "sangramento menstrual intenso".[25] As mulheres podem relatar a passagem de coágulos sanguíneos ou a troca de absorventes higiênicos externos ou internos pelo menos a cada hora.

  • Presença de qualquer sangramento intermenstrual.

O sangramento uterino anormal (SUA) é considerado crônico se os sintomas estiverem presentes por >6 meses.

Os sintomas associados ao SUA podem ajudar a restringir o diagnóstico diferencial. Os leiomiomas podem comprimir as estruturas pélvicas circundantes, causando polaciúria, urgência ou retenção urinárias, disfunção intestinal ou constipação, dispareunia, dor lombar e pressão pélvica.[26][27]​ A adenomiose pode causar dor pélvica, dismenorreia, dispareunia e subfertilidade.[9] O hirsutismo e a acne podem indicar síndrome dos ovários policísticos; ganho de peso, intolerância ao frio, cabelo e pele secos e fadiga podem indicar hipotireoidismo; galactorreia sugere hiperprolactinemia.

Uma história ginecológica e obstétrica completa deve ser colhida, incluindo quaisquer episódios prévios de SUA e qualquer tratamento eventualmente recebido, idade à menarca, paridade e uso de dispositivo intrauterino. A menarca precoce, a infertilidade e a nuliparidade são fatores de risco para câncer endometrial.

Recomenda-se uma história estruturada para rastrear um distúrbio de coagulação.[18] O rastreamento será positivo se houver:[28]

  • Sangramento menstrual intenso desde a menarca, ou

  • Um dos seguintes: hemorragia pós-parto, sangramento relacionado a cirurgia ou sangramento associado a tratamento dentário, ou

  • Dois dos seguintes: hematomas maiores que 5 centímetros uma ou duas vezes por mês, epistaxe uma ou duas vezes por mês, sangramento gengival frequente e história familiar de sintomas hemorrágicos.

A história de medicamentos deve incluir perguntas sobre o uso de:

  • anticoagulantes, tamoxifeno ou terapias hormonais.[18][23]​​

  • antidepressivos (por exemplo, ISRSs e antidepressivos tricíclicos) ou fenotiazinas.[23]

  • medicamentos iniciados recentemente que possam afetar a farmacodinâmica dos medicamentos em uso pela paciente.

    • Por exemplo, os inibidores fortes da glicoproteína-p ou da CYP3A4 (ou ambas) aumentam os níveis de anticoagulantes orais de ação direta em circulação.[17][16]

  • suplementos fitoterápicos (por exemplo, ginseng, ginkgo e agripalma).[29][30]

    • podem causar irregularidade menstrual, alterando os níveis de estrogênio ou os parâmetros de coagulação.

Exame físico

O exame pélvico, incluindo o espéculo e o exame bimanual, é uma parte fundamental da avaliação.[23][31]​​​ Todos os potenciais sítios de sangramento devem ser examinados, incluindo a uretra, o períneo e o ânus. Os leiomiomas podem ser palpáveis como massas firmes ou causar aumento uterino generalizado. Um útero sensível à palpação pode indicar leiomioma ou adenomiose. Os pólipos podem ser visíveis no óstio cervical.

O exame físico das pacientes com sangramento menstrual intenso deve incluir uma avaliação hemodinâmica, incluindo frequência de pulso e pressão arterial ortostática.[20]

Obesidade, hirsutismo, acne, hipertensão, queda de cabelo no escalpo, pele oleosa e acantose nigricans podem estar presentes na síndrome dos ovários policísticos.

Avaliação laboratorial

As investigações iniciais incluem gonadotrofina coriônica humana beta na urina ou no soro para descartar gestação, e um hemograma completo para detectar anemia.[20][23]​​​​​[24][25]​​ A testagem de rotina para hormônios femininos ou da ferritina sérica nas mulheres com sangramento menstrual intenso não é recomendada.[25]​​​

Exames de sangue subsequentes

Dependendo da causa suspeitada do SUA, outros exames de sangue podem ser necessários.

  • O rastreamento do hormônio estimulante da tireoide é razoável se houver sinais ou sintomas de hipotireoidismo.[25]

  • A prolactina sérica deve ser medida se houver suspeita de hiperprolactinemia.

  • Nas mulheres com suspeita de síndrome do ovário policístico (SOPC):

    • A 17-hidroxiprogesterona deve ser medida para se descartar hiperplasia adrenal congênita não clássica.[32]

    • Se o hirsutismo não estiver presente, as testosteronas livre e sérica total pode ser medida para avaliar o hiperandrogenismo. Os níveis de androstenediona podem, ocasionalmente, ser úteis se outros androgênios estiverem normais; verificar o sulfato de desidroepiandrosterona (DHEA-S) é de pouca utilidade.[33][34]

    • O hormônio luteinizante (LH) e o hormônio folículo estimulante (FSH) séricos podem ser medidos para se calcular a relação LH/FSH. Uma razão >3 sugere SOPC, mas é útil apenas se for positiva, e não é diagnóstica.

  • Se o médico não tiver certeza sobre se a paciente está ovulando, a progesterona sérica pode ser medida na metade estimada da fase lútea.[1]

  • Se houver história de rastreamento positiva para distúrbio da coagulação, são indicados exames laboratoriais.[25] Os exames iniciais devem incluir hemograma completo com plaquetas, tempo de protrombina e tempo de tromboplastina parcial (fibrinogênio e tempo de trombina são opcionais).[23]​​

  • Se houver suspeita de distúrbio da coagulação, recomenda-se uma avaliação adicional, incluindo consultas em hematologia e testagem específica para doença de von Willebrand.[1][35]

Exames por imagem

Exames de imagem são indicados quando há suspeita de lesões estruturais subjacentes, como leiomioma uterino, adenomiose, neoplasia maligna ou pólipos.[1]

O National Institute for Health and Care Excellence (NICE) recomenda que os achados da história e do exame sejam levados em consideração ao decidir se histeroscopia ou ultrassonografia deve ser oferecida como a investigação de primeira linha.[25] A ultrassonografia é oferecida em primeiro lugar se houver suspeita de adenomiose, se o útero for palpável abdominalmente, se a história ou o exame físico sugerirem uma massa pélvica ou se o exame for inconclusivo ou difícil (por exemplo, nas mulheres obesas).[25]

O American College of Radiologists recomenda uma abordagem combinada transabdominal e transvaginal para a ultrassonografia pélvica.[36]

A ultrassonografia transvaginal fornece uma visão melhor dos órgãos pélvicos individuais e da arquitetura interna de quaisquer massas pélvicas, em comparação com a ultrassonografia transabdominal.[37][38]​ Ela é particularmente útil na presença de obesidade, gases intestinais e enchimento incompleto da bexiga.[38]

A ultrassonografia transvaginal é altamente sensível para diagnosticar miomas submucosos, embora nem sempre seja possível distinguir entre miomas submucosos e pólipos endometriais, e lesões pequenas podem não ser detectadas.[39]

A ultrassonografia transabdominal fornece uma visão geral da anatomia pélvica e seu campo de visão mais amplo é particularmente útil quando o útero estiver significativamente aumentado, ou quando um tumor uterino estiver presente.[36]

Doppler colorido e espectral são usados para distinguir os fluidos dos tecidos moles vascularizados e para ajudar a distinguir entre endométrio normal e pólipos ou tumores altamente vascularizados.[36]

A sono-histerografia pode ser usada para caracterizar ainda mais uma anormalidade endometrial detectada à ultrassonografia transvaginal.[36] A solução salina estéril é injetada transcervicalmente como um agente de contraste endometrial. Este procedimento não deve ser realizado na fase secretora do ciclo menstrual, pois existe a possibilidade de haver um óvulo fertilizado na cavidade uterina, sendo que o endométrio frequentemente apresenta um contorno polipoide nesta fase.[40]

Ressonância nuclear magnética (RNM)

Pode ser usada se a ultrassonografia transvaginal for recusada ou inadequada.[1][23]​​[25]​​​​ A RNM pode distinguir entre leiomiomas e adenomiose.

Biópsia do endométrio

A biópsia do endométrio não é necessária para todas as pacientes na pré-menopausa.[41]

As mulheres com ≥45 anos com sangramento uterino anormal devem fazer uma biópsia do endométrio.[1]​​[18][23]​​​​ ​A biópsia do endométrio também deve ser considerada para as mulheres mais jovens com uma história de exposição estrogênica sem oposição, e mulheres com SUA persistente inexplicado ou tratado sem sucesso.[1]

As diretrizes do NICE recomendam que os médicos considerem a biópsia do endométrio no momento da histeroscopia para as mulheres com alto risco de patologia endometrial, como:[25]

  • Mulheres com sangramento intermenstrual ou irregular persistente

  • Mulheres com sangramento intenso infrequente que forem obesas

  • Mulheres com sangramento intenso infrequente que têm SOPC

  • Mulheres que estejam tomando tamoxifeno

  • Mulheres para as quais o tratamento para sangramento menstrual intenso não tenha sido bem-sucedido.

A biópsia do endométrio pode ser obtida por meio de cateteres de sucção para amostragem endometrial ou por dilatação cervical e curetagem endometrial no momento da histeroscopia.

Para as mulheres com sangramento menstrual intenso, uma amostra endometrial só deve ser obtida no contexto de uma histeroscopia diagnóstica.[25] A biópsia endometrial a cegas não é recomendada para essas pacientes.[25]

Histeroscopia

A histeroscopia permite a visualização direta da cavidade endometrial e a aquisição de biópsias do endométrio.

As diretrizes do Reino Unido recomendam que os achados da história e do exame físico sejam levados em consideração ao se decidir se deve ser oferecida histeroscopia ou ultrassonografia como investigação de primeira linha.[25]

A histeroscopia pode ser oferecida primeiro se a história (sangramento intermenstrual persistente ou fatores de risco para patologia endometrial) sugerir mioma submucoso, pólipos ou patologia endometrial.[18][23]​​[25]

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