Etiologia
Acredita-se que indivíduos suscetíveis à HM possam ser diferentes com relação a desempenho muscular e sensibilidade ao calor. A suscetibilidade à HM é decorrente de um padrão de herança autossômica dominante com penetrância altamente variável.[29] Por isso, uma história familiar positiva aumenta muito o risco de um indivíduo desenvolver HM. A suscetibilidade à HM é subclínica e a HM em si é desencadeada por um fator de exacerbação.[10]
O fator desencadeante mais comum é a exposição a um anestésico inalatório forte.[6] Qualquer anestésico inalatório forte pode causar HM, incluindo desflurano e sevoflurano.[1][30] A succinilcolina (suxametônio) acentua o efeito do anestésico e pode às vezes desencadear sozinha a HM.[5][6][16][27] Fatores desencadeantes mais raros incluem atividade física intensa, rabdomiólise induzida por exercício, doença febril ou episódios repetidos de doença relacionada ao calor.[8][11][12][13] Relatos de casos de episódios de HM não desencadeados por anestésicos estimularam uma pesquisa da ligação entre rabdomiólise induzida por exercício, hipertermia maligna induzida pelo estresse e suscetibilidade a hipertermia maligna.[9][14][31] Análises computacionais das variações da sequência molecular do gene do receptor de rianodina (RyR1) mostram que algumas variações na sequência do RyR1 estão associadas com esses três fenótipos. Essa característica compartilhada entre os fenótipos ressalta a importância de rastrear as variações do RyR1 nesses pacientes para estabelecer uma possível suscetibilidade à hipertermia maligna.[19][31][32] Longas exposições e doses mais altas de anestésicos inalatórios aumentam o risco de desencadear um episódio de HM.[27]
O risco de HM pode ser alterado pela presença de outras patologias musculares. Algumas miopatias, como a doença do núcleo central, a miopatia dos múltiplos minifocos e síndromes como a síndrome de King-Denborough, estão associadas à HM e, portanto, deve-se utilizar técnicas anestésicas não desencadeantes, como a anestesia intravenosa total.[7][33][34]
Em um estudo retrospectivo investigando o motivo do encaminhamento para teste de HM em casos não anestésicos, um teste de contratura após administração de cafeína-halotano (TCCH) positivo aos probandos sugeriu a presença de um distúrbio muscular subjacente no qual pacientes podem exibir sintomas musculares sem exposição a anestésicos desencadeantes de HM.[35]
Fisiopatologia
O processo que causa hipertermia maligna (HM) é iniciado por um aumento nos níveis sarcoplasmáticos de cálcio. Isso pode ser produzido por vários mecanismos, principalmente por mutações de ganho de função nas proteínas que constituem o mecanismo de pareamento da excitação-contração no músculo esquelético:[36]
Aumento do influxo de cálcio basal: os canais do receptor de rianodina (RyR1), presentes nos músculos suscetíveis à HM, possuem uma probabilidade maior de abertura dos canais de cálcio e, portanto, permitem um influxo de cálcio basal anormalmente alto.[37]
Aumento do influxo de cálcio estimulado: os canais do RyR1 suscetíveis à HM são mais sensíveis a ativadores como anestésicos inalatórios e menos sensíveis a inibidores como o magnésio. Isso produz um influxo de cálcio mais facilmente desencadeado e prolongado em resposta à estimulação.[38]
O estado redox das células musculares pode alterar o funcionamento do canal do RyR1.[39]
A temperatura elevada também pode alterar o funcionamento dos canais do RyR1.[40] A elevação da temperatura em um paciente suscetível à HM poderia, desta forma, acelerar a HM ao produzir um aumento maior no influxo de cálcio.
Outras vias intracelulares implicadas na regulação do reservatório de cálcio intra e extracelular incluem a entrada capacitiva de cálcio (SOCE) e as proteínas de ligação ao cálcio, como a calsequestrina-1, que influenciam o funcionamento do receptor do RyR1 no retículo sarcoplasmático.[41]
Variantes genéticas no CACNA1S (que codifica a subunidade da alfa 1 do receptor de di-hidropiridina) foram identificadas como causa de HM, embora elas sejam responsáveis por 1% dos casos de MH.[7][23] Durante a excitação-contração, a despolarização do DHPR é seguida pela abertura do canal RyR1.
A STAC3 é uma proteína que interage com a subunidade alfa 1 do DHPR e com o RyR1 nas tríades musculares.[42] As mutações na STAC3, o gene que codifica esta proteína, foram encontradas nas pessoas miopáticas que sofreram episódios de HM.[42][43]
A entrada extra de cálcio permitida pelos canais anormais do RyR1 precisa ser direcionada para o retículo sarcoplasmático. Esse processo requer adenosina trifosfato (ATP) e, desta forma, leva a um aumento no metabolismo.[44][45][46] Conforme o metabolismo aumenta, a produção de calor e de dióxido de carbono também aumenta. Uma vez que o metabolismo tenha elevado a temperatura central a níveis críticos, a falência de múltiplos órgãos pode se desenvolver como resultado dos efeitos do calor isoladamente.[47]
Tecidos suscetíveis à HM também podem ser mais suscetíveis a lesão por calor, como tem sido às vezes notado que a lesão do sistema nervoso central após um episódio de HM é maior que a esperada dada a condição da circulação e a avaliação da temperatura central.
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal